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Contratos futuros no agronegócio

Contratos futuros no agronegócio

O primeiro registro sobre derivativos de risco ocorreu cerca de 2500 anos atrás. O famoso filósofo Tales de Mileto usou de seu conhecimento sobre astronomia para prever que a safra de olivas que se aproximava seria boa, e sabendo disso ele propôs aos donos de prensas de oliva da região de alugá-las para ele durante a safra. Os donos de prensa tinham interesse na proposta pois estariam mitigando o risco de passar por uma safra ruim, ou seja, fizeram hedge.

A previsão de Tales de Mileto se concretizou e os produtores de oliva tiveram uma farta colheita. Como o filósofo havia alugado todas as prensas de oliva, logo, passou a ser o formador de preço para o uso das prensas, o que fez com que ele auferisse um bom lucro. Desde então, várias formas de derivativos foram criadas para mitigar o risco. Tendo em vista que boa parte do PIB do Brasil origina-se de commodities, é interessante conhecer como o setor agrário se previne de certos riscos.

Tipos de risco:

Assim como em qualquer outro setor da economia, existem os riscos que permeiam o agronegócio, e alguns deles são comuns a outros setores da economia.

• Risco de crédito: Em determinadas negociações, o comprador pode se tornar inadimplente, ou seja, não é capaz de honrar as obrigações pré-estabelecidas. No caso de um contrato futuro o vendedor corre o risco de crédito. Com o intuito de mitigar esse tipo de risco, instituições como Moody’s e Standard & Poor’s criaram grupos de riscos, também conhecidos como ratings, para que sejam cobrados diferentes níveis de prêmio de risco para cada grau de probabilidade de inadimplência. 

• Risco de Liquidez: O risco de liquidez acontece quando a negociação de determinado ativo não atende ao preço de mercado, ou seja, é oferecido um desconto com o intuito de que ele seja negociado mais rápido. Este tipo de risco pode estar presente também no fluxo de caixa das empresas, pois as mesmas podem não ser capazes de liquidar suas despesas de curto prazo, o que destaca uma deficiência no capital de giro da empresa. 

• Risco de mercado: Mudanças em variáveis de mercado, como taxa de juros, câmbio e outros fatores externos como a política podem interferir tanto no exercício de empresas como na gestão de commodities agrícolas. O câmbio pode causar grande impacto aos produtores tendo em vista que alguns insumos são comprados no mercado internacional e caso o dólar esteja alto, importadores incorrem em custos mais altos. 

• Risco Operacional: Os eventos internos da empresa acarretam em riscos operacionais. Esse tipo de risco é caracterizado principalmente por falhas humanas, problemas tecnológicos e acidentes. Este tipo de risco está diretamente ligado a boa parte do setor agrário.

Além dos riscos citados acima, vale ressaltar que o agronegócio é diretamente dependente do clima, logo, algumas commodities podem ser gravemente afetadas por longos períodos de seca ou também por altos níveis de chuva. 

Agora que o leitor já tem conhecimento de alguns dos riscos que o agronegócio envolve, podemos entrar no foco deste artigo – uma das principais ferramentas usadas para minimizar os riscos – os contratos futuros.

Como funciona um contrato futuro:

Os derivativos são ferramentas financeiras que derivam de um ativo e estabelecem uma relação de compra e venda em uma data futura a um preço pré-estabelecido. Neste processo, uma das partes está passando um risco para outra parte e pagando um prêmio por isso. 

O contrato futuro é um derivativo no qual vendedor e comprador negociam determinado ativo objeto para uma data futura por um preço fixado antecipadamente. Normalmente a liquidação destes contratos são feitos de forma financeira, sendo pouco usual a liquidação com entrega fixa da mercadoria, uma das justificativas para tal medida é o aumento da liquidez. 

O sistema da BM&F Bovespa realiza o ajuste diário das posições, logo, para que isso seja possível sem que os negociantes corram risco de crédito, a BM&F exige uma margem de garantia, que pode ser feita com uso de outros ativos financeiros como FII, ações, CDBs e outros. 

O negociante que possui um contrato de compra ou venda e pretende fechar sua posição precisa comprar outro contrato em sentido oposto, ou seja, se um investidor possui 3 contratos de compra de café arábica com vencimento para dezembro de 2020 e quer fechar sua posição, ele precisa vender 3 contratos futuros de café arábica para vencimento em dezembro de 2020. 

O código de negociação consiste em 3 letras iniciais que indicam qual é o ativo objeto, uma quarta letra que indica o mês de vencimento e 2 números que indicam em qual ano o contrato vence.

O contrato futuro de café arábica com vencimento em dezembro de 2020, por exemplo, tem o seguinte código: ICFZ20.

Os contratos futuros são usados geralmente nas seguintes ocasiões:

Hedge: No caso dos produtores, a fixação de preços garante uma margem de lucro e que todos os custos de produção sejam pagos, já no caso de compradores de commodities, a fixação de preço garante que mesmo que ocorra um aumento, o preço final não será afetado. 

  • Produtores podem vender a produção de uma colheita antes mesmo de plantar, vendendo seu produto no mercado futuro; 
  • Produtores com caixa bem estruturado podem estocar as commodities e esperar para vender no período de entressafra, neste caso o produtor pode fazer a venda de contrato futuro para ter certeza que conseguirá garantir um bom preço;
  • Compradores que esperam a alta no preço de determinado produto podem fazer um hedge comprando contratos futuros;

• Especulação: Os investidores que tem familiaridade com o funcionamento de commodities podem usar os contratos futuros para especular com a alta e baixa dos preços; 

• Ganhos com Spread: Spread é o nome que se dá para quando o investidor obtém lucro com a diferença de preço do contrato do mesmo produto para vencimentos em datas diferentes.

Contratos futuros agrários negociadas na BM&F Bovespa e suas particularidades:

Os contratos futuros, além da margem de garantia obrigatória imposta pela BM&F, têm também outras taxas que devem ser levadas em consideração na hora de negociar, como a TOB (Taxa Operacional Básica), taxa de liquidação, taxa de corretagem da corretora, taxa emolumentos e serviços prestados pela BM&F Bovespa além do imposto de renda.

Exemplos:

• Exemplo 1 – Hedge de compra de milho: Uma empresa do ramo alimentício que tem o milho como insumo, teme a alta de preços em um horizonte de 6 meses, logo, a melhor saída é fazer a compra de contrato futuro de milho. Como a empresa terá necessidade de 4500 sacas de milho, precisa comprar 10 contratos.  

A saca de milho com vencimento para daqui 6 meses está cotada a R$77,00 , logo, a empresa comprará 10 contratos por R$346.500 (4500 sacas por R$77,00 cada)

Supondo que a alta temida pela empresa se concretize e que a saca de milho chegue a R$85 na data de vencimento, os ajustes diários resultarão no seguinte valor:

(−77 + 85) ∗ 4500 = R$ 36.000

Então na data de vencimento do contrato a empresa compra no mercado a vista 4500 sacas por R$85:

85 ∗ 4500 = 𝑅$382.500

Levando em consideração a margem obtida pelo hedge, a empresa chega no valor inicial de R$346.500:

382.000 − 36.000 = 𝑅$346.500

• Exemplo 2 – Hedge de venda de boi gordo: Um criador de boi quer se prevenir da queda no preço da arroba de boi gordo para que ele consiga arcar com todos os custos e não tenha nenhuma surpresa. Tendo em vista que em 3 meses o criador terá 8.250 arrobas de boi gordo, o criador precisa vender cerca de 25 contratos futuros.

Com o contrato de futuro de boi gordo cotado a R$273,00/@, a venda de 25 contrato totaliza R$2.252.250,00. 

Supondo que o preço do contrato futuro caia para R$265,00/@, os ajustes diários resultarão no seguinte valor:

(273 − 265) ∗ 8250 = 𝑅$66.000

Na data de vencimento do contrato, a posição do criador é fechada, a venda dos bois no mercado físico rende para ele:

265 ∗ 8250 = 𝑅$2.186.250

Somando ao valor dos ajustes diários feito pelo criador de gados, volta-se ao valor que cobrirá todos os custos e renderá lucro ao produtor:

2.186.250 + 66.000 = 𝑅$2.252.250,00

Apesar de os exercícios acima não abordarem as taxas de serviços da bolsa de valores e o imposto de renda, o investidor que pretende negociar contratos futuros precisa levá-los em consideração, tendo em vista que as taxas podem diminuir a margem de lucro do negociante.

Conclusão:

Os contratos futuros são uma das principais ferramentas de proteção que o investidor ligado ao agronegócio possui hoje. Como foi apresentado no decorrer do artigo, o uso deles pode garantir que os produtores consigam uma margem de lucro mesmo negociando as commodities em um grande horizonte de tempo.

Referências:

Miceli, W. M. (2017). Derivativos de agronegócios: Gestão de riscos de mercado. São Paulo : Saint Paul Editora. 

Contrato Futuro de Milho na BM&F. Disponível em: <https://br.advfn.com/investimentos/futuros/milho> . Acesso em: 14 de outubro de 2020. 

Contrato Futuro de Café na BM&F. Disponível em: <https://br.advfn.com/investimentos/futuros/cafe> . Acesso em: 14 de outubro de 2020. 

Contrato Futuro de Soja na BM&F. Disponível em: <https://br.advfn.com/investimentos/futuros/soja> . Acesso em: 14 de outubro de 2020.

Contrato Futuro de Boi Gordo na BM&F. Disponível em: <https://br.advfn.com/investimentos/futuros/boi-gordo> . Acesso em: 14 de outubro de 2020. 

Contrato Futuro de Etanol Hidratado na BM&F. Disponível em: <https://br.advfn.com/investimentos/futuros/etanol> . Acesso em: 14 de outubro de 2020. 

CONTRATO FUTURO DE AÇÚCAR CRISTAL COM LIQUIDAÇÃO FINANCEIRA. Disponível em: <http://www.bmf.com.br/bmfbovespa/pages/Contratos1/Agropecuarios/pdf/Contrato-Futuro-de-Acucar-Cristal-Especial.pdf> . Acesso em: 14 de outubro de 2020.

Posted by Nelson Gaudêncio Inácio Ambros in Derivativos & Riscos, 2 comments