Month: October 2019

Carta de Conjuntura Mensal Outubro 2019

Carta de Conjuntura Mensal Outubro 2019

Comentário Macroeconômico Mundial

No contexto global, a segunda metade do mês de setembro apresentou uma menor tensão entre Estados Unidos e China com relação a guerra comercial, devido à rodada de negociações que estava por vir no dia 11 de outubro, em Washington. Contudo, os resultados desse encontro representam passos pequenos na direção de resolver um conflito de tamanha escala, em linha com nossa expectativa exposta na carta anterior.
Entre as medidas mais importantes anunciadas, a China concordou em comprar de 40 a 50 bilhões de dólares da agricultura americana e o governo estadunidense comprometeu-se em não elevar tarifas de importação de produtos chineses. Além disso, houveram conversas sobre um possível pacto monetário, que, para os EUA, significaria uma menor manipulação do Yuan pelo governo chinês, porém nada de concreto foi estabelecido. Dessa forma, observamos que o mini acordo mantém em vigor todas as tarifas previamente impostas e não se refere aos principais assuntos que deram início a guerra comercial 15 meses atrás, como os subsídios à agricultura e o desrespeito às leis de propriedade intelectual por parte da China. Em razão disso, seguimos com nossa visão de que a guerra comercial deva se estender para 2020 sem qualquer direcionamento para uma resolução definitiva.
Ademais, outros conflitos emergiram na China com a escalada de tensões nos protestos de Hong Kong. As manifestações, que ocorrem desde junho, começaram como parte de um movimento contra a Lei de Extradição e ganharam uma escala muito maior, incluindo pautas como a liberdade e autonomia da ex-colônia britânica. Esse clima de violência afetou de maneira severa a economia, com a redução da expectativa de crescimento local em 2019 de 3% para 1%, além da queda de 23% nas vendas do varejo em agosto contra o mesmo período em 2018. Desse modo, entendemos esse cenário como mais uma fonte de incertezas na economia global, uma vez que Hong Kong é uma grande parceira comercial de Japão e Estados Unidos – economias que já demonstram fraqueza – e é porta de entrada de muitos produtos na China.
Outra fonte de incertezas em setembro foi o ataque de drones às refinarias na Arábia Saudita no dia 14, destruindo 5% da capacidade de produção de petróleo mundial em questão de instantes. Consequentemente, os preços do petróleo dispararam, chegando a subir quase 20% em um único dia e gerando a maior alta desde a Guerra do Golfo de 1991. Contudo, um mês após o incidente, a Saudi Aramco – companhia de petróleo saudita – anunciou que já retornou ao ritmo de produção que apresentava antes da tragédia, de modo que o preço do petróleo Brent já se encontra no mesmo patamar de antes do dia 14. Ainda assim, o ataque expôs uma fragilidade entre os maiores produtores da OPEP e levanta o questionamento sobre a sustentabilidade da rápida recuperação apresentada pela Aramco. Isto posto, esperamos maior risco associado às questões do petróleo no mundo, prejudicando ainda mais a já enfraquecida economia global.
Na Europa, a decisão sobre a nova rodada de quantitative easing pelo BCE sofreu oposição interna. Embora tenha sido aprovada, nove dos 25 membros do conselho votaram contra a medida, mostrando a divergência de opiniões dentro da instituição. Assim sendo, a nova presidente do BCE, Christine Lagarde, que deve assumir o cargo no dia primeiro de novembro, terá que alinhar as ideias do comitê se quiser manter as medidas de Draghi. Nessa linha, entendemos que a manutenção dos estímulos é fundamental para evitar uma desaceleração econômica ainda maior da zona do euro, que continua sofrendo das incertezas relativas ao Brexit e à trade war.
No Reino Unido, a situação do Brexit inseriu ainda mais incertezas no mercado após um desentendimento entre Boris johnson e Angela Merkel, em que a chanceler da Alemanha enfatizou que um acordo seria extremamente improvável. Nossas expectativas são de que um acordo antes do dia 31 de outubro, data limite estabelecida por Boris Johnson para saída do RU da UE, não se realize. No entanto, a lei aprovada pelo parlamento britânico que dá o poder para o primeiro ministro prorrogar por três meses a saída do RU deixa a situação do Brexit sem qualquer direcionamento.
A economia dos EUA, em setembro, mostrou-se enfraquecida, com dados das vendas do varejo abaixo do esperado, caindo 0,3% como resultado das tensões comerciais. Dados como este forneceram mais munição para os membros votantes do federal reserve que estão tomando uma posição mais dovish, frente aos cortes de juros. Os dirigentes do Fed estão, em comparação com meses anteriores, mais divergentes em relação ao seu posicionamento quanto ao grau de estímulo que a entidade deverá influenciar na economia do país, evidenciado pelo voto de corte nas taxas de juros em 50 pb pelo presidente do St Louis Fed, James Bullard. O Federal Reserve também anunciou que expandirá a sua balança com a compra de 60 bilhões de dólares em Treasury Bills, com o objetivo de injetar liquidez nos mercados de curto prazo, fortalecendo uma perspectiva de um corte na taxa de juros na próxima reunião em novembro. Acreditamos que, apesar das divergências dentro do Fed, acontecerá um corte de 25 pb, seguindo o padrão dos cortes antecedentes.

Outro ponto de estresse para o mercado americano é a abertura do processo de impeachment contra Donald Trump. A acusação teve origem em uma conversa com o presidente da Ucrânia em que Trump supostamente pede para que investiguem o filho de Joe Biden, que é o primeiro nas pesquisas dos pré-candidatos entre os democratas. Observamos que a possibilidade de impeachment seja baixa, visto que este é um processo demorado e as eleições para presidente dos EUA estão muito próximas.

Comentário Macroeconômico Brasileiro

No cenário doméstico, continuamos acreditando em um Brasil com uma recuperação gradativa para o médio prazo, porém, ainda lenta para o ano de 2019. Essa perspectiva se deve aos dados divulgados não tão fortes quanto as expectativas do mercado – vide IBC-BR, Pesquisa Mensal de Serviços e Vendas no Varejo – que tem impactado nas projeções para o PIB deste ano.

Fonte: Bacen

Com relação às políticas monetárias conduzidas pelo Bacen, vislumbramos um corte da taxa SELIC no final de outubro de mais 50 bps – resultando em 5,0%. Reiteramos que os dados de inflação estão vindo abaixo do esperado, como exemplo, a deflação de 0,04% em setembro de 2019 – menor taxa para o mês desde 1998 – o que auferiu uma inflação anualizada pouco menor que 3%.
Isto posto, avaliamos maior espaço para uma Selic inferior a 5%, convergindo, em um futuro de curto prazo, para nosso cenário base de 4,5%. Em cenários mais otimistas, eventualmente, a SELIC poderia chegar a 4%, caso a economia e, consequentemente, a inflação continuem com este comportamento.

Posted by Arthur Barbosa Magdaleno in Conjuntura Macro / Renda Fixa, 0 comments
Valor em Risco de Índices Setoriais na Bovespa

Valor em Risco de Índices Setoriais na Bovespa

Neste artigo serão analisadas as séries de retornos de seis principais índices de ações de setores da Bovespa. Foram escolhidos os quatro maiores índices setoriais pelo critério de valor de mercado ao final de março de 2018, índices Financeiro (IFNC), Consumo (ICON), Industrial (INDX) e Materiais (IMAT), além do índice de Governança (IGCX) e o próprio índice Bovespa (IBOV). Os retornos coletados foram entre as datas de 01/01/2009 a 31/12/2013 para o período considerado dentro da amostra, no qual são feitas algumas análises preliminares. O período fora da amostra, de onde são retirados os resultados de backtest se estende de 01/01/2014 a 08/05/2018. Em dias sem negociação nos mercados, os períodos iniciam-se na data útil seguinte e terminam em data útil imediatamente anterior.

No primeiro artigo desta sequência foi apresentada uma vasta revisão de literatura sobre a EVT e suas aplicações em finanças, com enfoque especial ao gerenciamento de risco. No segundo artigo a Teoria do Valor Extremo – EVT foi formalizada e apresentadas as equações para o cálculo tanto do VaR quanto do ES para um ativo financeiro. Também foi abordada a diferença entre medidas incondicionais e condicionais de risco. No presente artigo faremos uma aplicação da EVT para o cálculo do VaR condicional dos seis índices da Bovespa e faremos uma comparação deste modelo com o conhecido Riskmetrics.

A tabela 1 apresenta algumas das estatísticas descritivas mais importantes para as séries de retornos dos ativos no período completo, dentro e fora da amostra. É possível verificar que os retornos não podem ser considerados normais, com a estatística de Jarque-Bera rejeitando a hipótese nula e com o alto grau de curtose em excesso verificado para todos os índices analisados.

Também é possível verificar a grande autocorrelação serial entre os quadrados dos retornos, uma proxy para a autocorrelação das variâncias, através da estatística \(Q^2(10)\) de Ljung-Box, o que corrobora os fatos estilizados de séries financeiras, vide Cont (2001).

Tabela 1: Estatísticas descritivas dos retornos (amostra completa de 02/01/2009 08/05/2018 ).
Descritivas IBOV ICON IFNC IGCX INDX IMAT
Média 0.00034 0.00069 0.00066 0.00052 0.00047 0.00043
Máximo 0.06929 0.05183 0.09295 0.06188 0.06388 0.07572
Mínimo -0.09211 -0.07446 -0.12288 -0.08837 -0.07370 -0.09079
Desvp 0.01497 0.01148 0.01640 0.01269 0.01247 0.01820
Assimetria -0.03784 -0.11441 0.00658 -0.16642 -0.01978 0.08989
Curtose exc. 2.13179 2.23608 3.23913 3.06149 2.43070 1.37705
Jarque-Bera 439.98*** 488.47*** 1013.68*** 916.29*** 571.28*** 186.72***
\(Q^2(10)\) 122.14*** 104.32*** 97.44*** 146.68*** 256.11*** 230.39***
N.obs 2311 2311 2311 2311 2311 2311

Na figura 1 são visualizadas as séries de retornos logarítmicos em estudo. Por inspeção visual simples é possível verificar a heterocedasticidade destes retornos, corroborando as estatísticas encontradas na tabela 1.

A figura 2 é mais interessante para se apreciar a normalidade destes retornos. Tratam-se de gráficos quantil-quantil feitos entre a amostra completa dos retornos e uma distribuição normal de referência. Para todas as séries é observado um desvio da normalidade nas caudas, configurando distribuições leptocúrticas em todos os casos.


Retornos dos índices do estudo. Período completo entre 02/01/2009 a 08/05/2018.

Figura 1: Retornos dos índices do estudo. Período completo entre 02/01/2009 a 08/05/2018.


Análise de normalidade dos retornos através de gráficos quantil-quantil.

Figura 2: Análise de normalidade dos retornos através de gráficos quantil-quantil.

Filtro GARCH

Voltando-se para o período dentro da amostra, o filtro proposto GARCH(1,1) foi aplicado a estas séries e seus coeficientes estimados. A função do modelo GARCH neste primeiro estágio é a filtragem da série de perdas, de modo que os resíduos padronizados resultantes não sejam autocorrelacionados e tampouco possuam heterocedasticidade.

Para trabalhar com o VaR em seus quantis altos e portanto, modelar a cauda direita da distribuição, passa-se a trabalhar com a distribuição das perdas dos ativos. A tabela 2 apresenta novamente as estatísticas Jarque-Bera e Ljung-Box (Q e \(Q^2\)) desta vez para os resíduos padronizados resultantes da filtragem das perdas no primeiro estágio do modelo GARCH-POT. Enquanto que os resíduos padronizados, assim como os retornos, não são normais como já se esperava, as estatísticas de autocorrelação agora estão todas em favor da ausência desta. Para todos os índices analisados, não é possível rejeitar \(H_0\) nos testes de autocorrelação, tanto para os resíduos (\(Q(10)\)) como para os seus quadrados (\(Q^2(10)\)) em evidente contraste com os valores apresentados na tabela 1 quando foram analisados os retornos destes índices. Evidência que a filtragem inicial foi bem sucedida em remover autocorrelação serial tanto nas perdas quanto na variância destas.

Tabela 2: Estatísticas de diagnóstico para o modelo GARCH. Valores p entre parênteses. (Período dentro da amostra entre 02/01/2009 a 31/12/2013).
Estatística IBOV ICON IFNC IGCX INDX IMAT
Curtose exc. 1.04702 0.80399 1.07619 1.06174 0.94823 0.85436
Jarque-Bera 59.68837 35.65255 60.39086 65.08960 49.34559 38.82424
(0.00000) (0.00000) (0.00000) (0.00000) (0.00000) (0.00000)
Q(10) 2.22678 4.56100 2.93792 2.56408 2.64320 2.44096
(0.91608) (0.57468) (0.82868) (0.87790) (0.86803) (0.89259)
\(Q^2(10)\) 8.48918 3.04788 3.72839 6.32895 5.37480 5.52198
(0.13786) (0.81307) (0.70876) (0.32562) (0.45069) (0.42978)

Sendo assim, com retornos padronizados que não são normalmente distribuídos e possuem cauda longas com excesso de curtose, mas que após filtragem não apresentam mais autocorrelação ou heterocedasticidade, pode-se passar ao segundo estágio do modelo, ou seja, aplicar a teoria do valor extremo através do método peaks over treshold para parametrizar a cauda direita das distribuições de perdas dos ativos.

Método POT

Os resíduos padronizados são tratados como as realizações do processo de inovação no modelo GARCH. Estas inovações serão analisadas sob a ótica da EVT para a obtenção dos parâmetros da GPD que definem a cauda direita de sua distribuição.

Para tanto, deve ser estabelecido um limiar u adequado para cada uma das séries, de modo que seja satisfeito o teorema de Pickands-Balkema-de Haan. Este valor de limiar será diferente para cada série e sua escolha deve seguir os princípios delineados no artigo Medidas de Risco com a Teoria do Valor Extremo através da função média dos excessos. Entretanto, considerando o trade-off existente entre o viés e a variância dos parâmetros da GPD estimados com relação a escolha do valor deste limiar, pode-se abordar o problema desta escolha de outra forma.

Neste artigo foi utilizado o quantil empírico a 90% para a escolha do valor do limiar. Conforme visto anteriormente, um valor de limiar que resulte em um número de excessos observados (\(N_u\)) entre 100 e 130 é o mais indicado. Considerando o tamanho da janela de dados dentro da amostra para os índices sob análise, este quantil resulta em número de excessos nesta quantidade.

A escolha do limiar através de um quantil empírico fixo também é mais adequada considerando-se que para a fase de backtest do modelo é necessário reavaliar o valor deste limiar para cada dia dentro do período fora da amostra, o que se tornaria inviável de ser feito através da análise gráfica da função média dos excessos.

Escolhido o limiar u, trata-se de obter a série de inovações em excesso ao limiar \(Z^u_t:\{Z^u_t = Z_t-u |Z_t > u\}\), onde \(Z_t\) são as inovações, em que os resíduos padronizados encontrados são suas realizações e \(Z^u_t\) são portanto, as inovações em excesso.

A esta série de inovações em excesso é aplicada a função log-verossimilhança dada na equação (1) que por sua vez é maximizada em relação aos parâmetros \(\xi\) e \(\psi\) para a obtenção de suas estimativas.

\[\begin{align}
\ln L(\xi, \psi; Z^u_j)=&\sum\limits_{j=1}^{N_u}\ln g_{\xi, \psi}(Z^u_j)\nonumber\\
=&-N_u \ln \psi-\left(1+\frac{1}{\xi}\right)\sum\limits_{j=1}^{N_u}\ln \left(1+\xi\frac{Z^u_j}{\psi}\right)
\tag{1}
\end{align}\]

A tabela 3 apresenta os valores destes parâmetros e seus erros padrão para cada um dos índices, com a estimação feita com os dados do período dentro da amostra. Também são apresentados o número de observações dentro da amostra para o total dos resíduos padronizados, assim como o número de excessos observados (\(N_u\)) para o limiar escolhido (\(u\)). Observa-se como o número de excessos varia de acordo com o índice (asim como o total de observações), porém todos ficam em torno de 120 excessos, que é considerado um valor ideal.

Tabela 3: Parâmetros estimados para o modelo EVT dos resíduos padronizados. Período dentro da amostra.
IBOV ICON IFNC IGCX INDX IMAT
N.obs. 1236 1236 1236 1236 1236 1236
Limiar \(u\) 1.27441 1.21387 1.24376 1.28281 1.27872 1.24701
Num.exc. \(N_u\) 124 124 124 124 124 124
Par. forma \(\xi\) -0.00769 -0.06855 -0.08808 0.02810 0.06821 -0.01423
Erro padrão 0.08675 0.09660 0.06545 0.10628 0.10726 0.09281
Par. escala \(\psi\) 0.57865 0.65301 0.64641 0.56854 0.51291 0.54368
Erro padrão 0.07225 0.08603 0.07164 0.07910 0.07168 0.07021
Quantil \(z_{0.975}\) 2.07417 2.07937 2.08917 2.08844 2.02629 1.99505
Quantil \(z_{0.990}\) 2.59690 2.60662 2.59265 2.63717 2.55947 2.48030

Na figura 3 é possível visualizar os gráficos de ajuste das inovações em excesso de cada um dos índices contra suas distribuições GPD de referência, ou seja, aquelas com os parâmetros de forma e escala estimados para os respectivos índices. Verifica-se que a distribuição destes excessos pouco se desvia com relação a curva de referência, denotando um bom ajuste dos dados ao modelo teórico. Em contraste, quando modelados diretamente através de uma distribuição normal, as séries de retornos se afastavam consideravelmente de suas referências como já apresentado na figura 2. Ao se utilizar um método semi-paramétrico como o proposto, modelando apenas uma parte da cauda da distribuição, a parte que interessa para a modelagem de risco, obtém-se uma estimação muito mais próxima da realidade que os dados apresentam.


Qualidade do ajuste dos dados de inovações em excesso contra uma GPD de referência. Período dentro da amostra.

Figura 3: Qualidade do ajuste dos dados de inovações em excesso contra uma GPD de referência. Período dentro da amostra.

Avaliação dos modelos

A avaliação dos modelos aqui referidos concentra-se em testar através de backtest o modelo EVT condicional apresentado, o qual utiliza a metodologia em dois estágios proposta por McNeil and Frey (2000) assim como o modelo proposto por RiskMetrics (1995), sendo, portanto, dois modelos testados e comparados para fins de estimação da medida de risco.

O modelo EVT incondicional aqui proposto é diferente daquele encontrado nas outras referências. A filtragem através de um modelo GARCH é realizada e os resíduos padrão resultantes são utilizados para estimar o quantil desejado através da EVT, entretanto, ao se calcular a medida de risco são utilizados a média e o desvio padrão incondicionais do filtro, resultando em menor volatilidade do VaR. Uma vantagem teórica deste método é que se está aplicando a teoria de valor extremo a uma série iid, os resíduos padronizados, conforme preconizado pela teoria. Outra vantagem de cunho mais prático é que esta abordagem se torna um modelo que não possui a alta volatilidade dos modelos condicionais e apresenta de forma mais branda que os modelos incondicionais (às vezes chamados de estáticos) os agrupamentos nas violações ao VaR.

Para fazer o backtest, considere a série \(x_1, x_2, \ldots, x_m\), com \(m\gg n\) e o conjunto de dias \(T = \{n, \ldots, m-1\}\). Uma janela de dados de tamanho fixo contendo as últimas \(n\) observações é utilizada e para cada dia \(t \in T\) é reestimado o valor de \(VaR^t_\alpha\). O período de teste fora da amostra vai de 01/01/2015 a 08/05/2018, com dados diários para as perdas dos índices sob análise. O número de observações (\(n\)) dentro da janela de dados utilizada para fazer a estimação dos modelos para cada um dos índices é aquele apresentado na tabela 3 (N.obs.), esse valor é fixo para cada série. Portanto, a partir do início do período de teste, esta janela de tamanho fixo avança um dia e o modelo é reestimado, resultando no valor estimado de \(VaR_\alpha^t\), ou seja, a medida de risco calculada ao final do dia \(t\) que deverá ser comparada a perda incorrida no dia a frente, \(t+1\).

O quantil para a definição do limiar u é fixo em 0,90, o que resultará em valores distintos de limiar para cada rodada do teste, e possivelmente um número diferente de excessos observados. Entretanto essas diferenças, considerando o tamanho fixo da janela de dados, será muito pequeno em torno de uma unidade apenas. Mantém-se assim, um número de excessos em torno de 120 observações, valor adequado para se fazer as estimativas dos parâmetros da GPD.

A figura 4 apresenta o resultado do backtest para o modelo EVT condicional para cada um dos índices analisados. É possível verificar como a medida condicional de risco oscila de valor, acompanhando a volatilidade do índice, sendo especialmente responsiva a grandes choques. Em comparação com o modelo Riskmetrics, o EVT apresenta maior persistência em seu nível medido de risco após um choque de volatilidade, ou em outras palavras, uma menor taxa de decaimento. Através da figura 5 pode-se verificar esta condição para o índice IBovespa onde, após a grande perda ocorrida em 18 de maio de 2017, fica evidente que o modelo retorna aos seus níveis de risco anteriores de forma mais lenta que a medida Riskmetrics. Entende-se por modelos incondicionais aqueles em que a volatilidade histórica de toda a janela de dados é utilizada para calcular as medias de risco. É nítido como o modelo condicional, que utiliza a previsão para a média e volatilidade das perdas e então utiliza-os para obter a medida de risco, é muito mais responsivo a alterações no regime de volatilidade do ativo. Um modelo incondicional, por sua vez, não responde de forma acentuada a variações de curto-prazo na volatilidade do ativo, pois estas observações mais extremas são atenuadas em meio a todas as outras observações utilizadas da janela de dados.


\(VaR_{99\%}\) no modelo EVT condicional para todos os índices. Violações demarcadas.

Figura 4: \(VaR_{99\%}\) no modelo EVT condicional para todos os índices. Violações demarcadas.


Teste fora da amostra para o IBOV. O modelo EVT condicional (linha sólida) possui menor taxa de decaimento após um choque de volatilidde que o modelo Riskmetrics (linha tracejada).

Figura 5: Teste fora da amostra para o IBOV. O modelo EVT condicional (linha sólida) possui menor taxa de decaimento após um choque de volatilidde que o modelo Riskmetrics (linha tracejada).

Uma violação é dita ocorrida quando a perda observada é maior que a medida de risco estimada no dia anterior, \(x_{t+1}>VaR^t_\alpha\) para um \(\alpha\) dentro do conjunto de níveis de significância, neste artigo \(\alpha \in \{0,975; 0,990\}\). A tabela 4 apresenta em termos percentuais as violações ocorridas para cada um dos modelos para os níveis de cobertura dados. Dentre os dois modelos analisados, o EVT condicional se saiu melhor nos dois níveis de cobertura. %Os modelos condicionais apresentaram uma tendência a subestimação do risco, com um número superior de violações ao esperado. Os modelos incondicionais, ao contrário, superestimam o risco e apresentam tendência a um número menor de violações. Dentre os modelos estimados o EVT condicional apresentou as violações percentuais mais próximas ao valor esperado, \(1-\alpha\).

Tabela 4: Percentual de violações. Período fora da amostra.
Modelo IBOV ICON IFNC IGCX INDX IMAT
Cobertura = 1%
EVT Condicional 0.65 1.21 0.74 1.12 0.93 0.93
RiskMetrics 1.02 1.68 1.12 1.30 1.40 1.40
Cobertura = 2.5%
EVT Condicional 2.14 2.61 2.14 2.14 2.42 2.70
RiskMetrics 2.42 2.79 2.14 2.61 3.54 2.61

Testes estatísticos

Pode ser realizado um teste estatístico para verificar se o modelo para \(VaR_\alpha\) foi corretamente especificado levando-se em consideração o seu nível de cobertura, \(1-\alpha\). Este teste foi originalmente proposto por Kupiec (1995) e pretende derivar propriedades estatísticas formais do teste utilizado para verificar a precisão de modelos VaR. Este teste permite inferir se a frequência de violações ao VaR é consistente com o valor esperado destas, o nível de cobertura. Sob a hipótese nula de um modelo corretamente especificado o número de violações segue uma distribuição binomial e o teste toma a forma de razão de verossimilhança com a seguinte estatística:

\[\begin{equation}
LR_{uc}=-2\ln\left(\frac{(1-p)^{N-X}p^X}{(1-\frac{X}{N})^{N-X}(\frac{X}{N})^X}\right)
\tag{2}
\end{equation}\]

onde \(p\) é o nível de cobertura, \(N\) é o número de observações do período fora da amostra e \(X\) neste caso é o número de violações ocorridas.

Este teste não faz nenhum tipo de assunção, e por conseguinte não testa, a hipótese de independência entre as violações, sendo considerado um teste de cobertura incondicional para o VaR.

Um teste condicional é aquele proposto, entre outros, por Christoffersen and Pelletier (2004). A hipótese de independência entre as violações está relacionada a duração entre as observações destas. O tempo que se passa entre uma violação e outra deve ser independente e não formar agrupamentos (clusters). Sob a hipótese nula de um modelo corretamente especificado, a duração não deve possuir memória. Como a única distribuição contínua que não possui memória é a distribuição exponencial, os autores propuseram ajustar os dados a uma distribuição Weibull da qual a exponencial é um caso particular quando o parâmetro \(b=1\) e, portanto, o teste é feito sobre este parâmetro. O teste de duração de Christoffersen é feito sob a forma de razão de verossimilhança, sendo a função densidade de uma Weibull:

\[\begin{equation}
f_W(D; a, b) = \begin{cases}
a^b b D^{b-1}e^{-(aD)^b}, &D \geq 0\\
0,&D<0.
\end{cases}
\tag{3}
\end{equation}\]

onde \(D\) é a duração entre as violações e \(a\) e \(b\) são os parâmetros da distribuição.

Nota-se que este teste é destinado apenas a verificação da hipótese de independência das violações. Em conjunto com o teste de Kupiec, a tabela 5 fornece um panorama completo sobre a adequação das especificações de modelos VaR.

Tabela 5: Testes estatísticos para o VaR. Teste incondicional de Kupiec, LRuc, e teste de independência por duração de Christoffersen e Pelletier, LRdur. Os modelos testados são: EVT condicional (cevt) e Riskmetrics (riskmetrics). Período fora da amostra.
Modelo Estatística IBOV ICON IFNC IGCX INDX IMAT
Cobertura 1%
cevt LRuc 1.50 0.45 0.77 0.14 0.05 0.05
cevt LRdur 3.73 1.45 0.53 0.00 2.36 0.03
riskmetrics LRuc 0.01 4.12** 0.14 0.91 1.52 1.52
riskmetrics LRdur 0.05 0.13 0.09 0.01 3.88** 0.22
Cobertura 2.5%
cevt LRuc 0.59 0.05 0.59 0.59 0.03 0.17
cevt LRdur 0.30 0.02 0.94 0.37 0.83 0.99
riskmetrics LRuc 0.03 0.37 0.59 0.05 4.22** 0.05
riskmetrics LRdur 0.96 0.25 0.00 0.69 0.02 0.53

Inspecionando a tabela 5 verifica-se como o modelo EVT condicional, especialmente para o nível de cobertura a 1% é superior ao seu rival, prevalecendo como o único modelo a não rejeitar a hipótese nula a 95% de confiança para ambos os testes e níveis de cobertura.

Conclusão

Este artigo tratou de estimar e comparar dois modelos de VaR para seis índices de ações em segmentos diferentes da Bovespa. Os modelos EVT condicional e Riskmetrics foram estudados e comparados com base em dois tipos diferentes de testes. Especial ênfase foi dada ao modelo EVT condicional o qual se utiliza da teoria do valor extremo para chegar ao resultado da medida de risco. Dentre os modelos estimados, o EVT condicional apresentou os percentuais de violações mais próximos ao valor esperado.

Nos testes estatísticos de cobertura incondicional e independência, a superioridade do modelo EVT condicional se apresenta de forma mais concreta. Este modelo não apresentou rejeição a hipótese nula da correta especificação, tanto para o teste de Kupiec quanto para o teste de duração de Christoffersen e Pelletier ao nível de confiança de 95%.

Apesar de os modelos condicionais se mostrarem mais adequados a estimação do VaR através dos testes estatísticos apresentados, este tipo de modelo, em virtude de sua grande variabilidade ao longo do tempo no valor estimado da medida de risco, impõe uma barreira de cunho prático a sua implementação. Para alterar o VaR tão drasticamente e em curto período de tempo, a instituição financeira deve ser capaz de rapidamente alterar a alocação de ativos de seu portfólio, o que não é a realidade da grande maioria destas instituições. O mercado pode não possuir a liquidez ou a profundidade necessária para realizar estas operações, isso sem contar os custos envolvidos nas transações.

Além deste trade-off entre superioridade teórica do modelo EVT condicional e sua implementação prática mais complexa, a medida de risco VaR atualmente está sendo utilizada em conjunto com a Expected Shortfall. Esta última pode ser derivada a partir do modelo EVT condicional com facilidade e deve ser abordada em outro trabalho, juntamente com testes específicos para o ES com intuito de averiguação do melhor modelo.

Christoffersen, Peter, and Denis Pelletier. 2004. “Backtesting Value-at-Risk: A Duration-Based Approach.” Journal of Financial Econometrics 2 (1). Oxford University Press: 84–108.

Cont, R. 2001. “Empirical properties of asset returns: stylized facts and statistical issues.” Quantitative Finance 1 (2): 223–36. doi:10.1080/713665670.

Kupiec, Paul H. 1995. “Techniques for Verifying the Accuracy of Risk Measurement Models.” The Journal of Derivatives 3 (2). Institutional Investor Journals: 73–84.

McNeil, Alexander J, and Rüdiger Frey. 2000. “Estimation of tail-related risk measures for heteroscedastic financial time series: an extreme value approach.” Journal of Empirical Finance 7 (3-4): 271–300. doi:10.1016/s0927-5398(00)00012-8.

RiskMetrics. 1995. “Technical Document – 3rd Edition.” J.P Morgan Guaranty Trust Company.

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Modelos de Valuation e suas Aplicações

Modelos de Valuation e suas Aplicações

Valuation é um processo de análise que busca determinar o valor justo de um ativo. Para que esse processo seja efetivo, dado que existem vários modelos para avaliar uma empresa, o analista deve compreender profundamente as metodologias e escolher aquela que mais se aplica ao caso que ele está analisando. Desse modo, este artigo busca discutir como funcionam e quando são aplicados alguns dos principais métodos utlizados no mercado, que são divididos em dois grupos: absoluto e relativo.

Os modelos de valor absoluto buscam o valor intrínseco do ativo analisado, determinando o valor presente ao descontar os fluxos de caixa futuros. Como esses fluxos são incertos, métodos de valor absoluto acabam sendo bastante complexos e exigem um alto grau de conhecimento, tanto da indústria quanto da empresa. Já os métodos de valor relativo comparam duas ou mais empresas e estabelecem relações entre os múltiplos observados e o preço de mercado. Em razão disso, esses modelos são mais simples, exigindo menos dados e previsões por parte do analista. Contudo, uma boa análise relativa exige experiência para entender a relevância e a origem dos dados obtidos.

Além disso, há alguns modelos que não se encaixam nessas duas categorias, como valuation por valor patrimonial e valuation por soma das partes. O primeiro método busca o valor justo do patrimônio líquido da empresa, ou seja, a soma dos ativos (circulantes e não circulantes) subtraída das dívidas e obrigações. O segundo avalia quanto cada divisão da empresa valeria caso fosse adquirida individualmente por outra companhia, de forma que o valor final seria o agregado de cada uma de suas partes.

A seguir, entraremos em detalhes sobre cada um desses métodos, buscando entender como e quando aplicá-los.

Valor Absoluto

A característica fundamental desses modelos é que o valor obtido é determinado exclusivamente por características do ativo analisado, uma vez que não são considerados os valores de outras empresas no setor. Nesse campo, encontra-se o valuation de valor presente por fluxo de caixa descontado (DCF), que é uma das ferramentas fundamentais ao analista de equity. A teoria por trás desse meio de análise é que o preço de um ativo para um investidor, no longo prazo, tem que estar relacionado com os retornos que esse investidor espera receber ao mantê-lo em sua carteira. Além disso, ao escolher este método, o analista deve estar preparado para estimar os fluxos de caixa, as taxas de crescimento e determinar uma taxa de desconto apropriada.

Uma das variáveis fundamentais para o DCF é a taxa de desconto, usada para trazer ao valor presente um fluxo de caixa futuro. Uma taxa de desconto reflete a compensação exigida pelos investidores, pois leva em consideração o valor do dinheiro no tempo. Essa taxa dependerá das características do investimento, uma vez que investidores exigirão um retorno maior para ativos de maior risco e vice-versa.

Ademais, em um modelo de fluxo de caixa descontado, é preciso decidir qual fluxo de caixa será escolhido para análise. Enre os mais utilizados, podemos citar:

  • Fluxo de Caixa Livre aos Acionistas (FCFE) – é o dinheiro disponível aos acionistas após o pagamento de todas as despesas de operação, juros e dívidas e todo o reinvestimento necessário tenha ocorrido. Desse modo, o FCFE é o fluxo de caixa das operações menos o reinvestimento (CAPEX) e o pagamento aos credores. Esse método é preferível quando a empresa possui uma estrutura de capital estável, já que mudanças na dívida da empresa impactarão o FCFE. Ademais, a vantagem desse modelo é que o somatório dos fluxos futuros, trazidos ao valor presente pelo custo do capital próprio (Ke), resulta diretamente no valor da companhia (EV), sem necessidade de ajustes:
  • Fluxo de Caixa Livre à Firma (FCFF) – é o montante disponível aos fornecedores de capital de uma companhia após todos os custos operacionais terem sido pagos e o reinvestimento tenha ocorrido. Esse método ajuda a avaliar empresas que possam estar com o FCFE negativo ou com estruturas de dívida mais instáveis, pois o FCFF não leva em conta o pagamento aos credores. Para determinar o valor da empresa, soma-se o FCFF, trazido ao valor presente pelo Custo Médio Ponderado de Capital (CMPC), e depois ajusta-se o valor obtido subtraindo a dívida líquida (DL), obtendo indiretamente o valor da companhia.
  • Dividendos – os modelos de desconto por dividendo (DDM) tomam como o fluxo de caixa os dividendos a serem pagos aos acionistas, de modo que o valor da empresa seria o valor presente líquido dos dividendos futuros. Entre os métodos mais famosos, temos o método de Gordon, que assume uma taxa de crescimento constante para os dividendos. A fórmula simplificada para o valor do papel da empresa é dada por:

  • Por ser necessário assumir um crescimento constante, o desconto por dividendo é melhor aplicado em companhias com longo tempo de mercado que distribuam boa parte de seus lucros aos acionistas. De maneira oposta, o modelo não fornece boas aproximações para empresas que não pagam dividendos ou empresas novas no mercado cujos dados históricos não permitam estabelecer um padrão de crescimento.

Observa-se que a aplicação do DCF exige do analista conhecimentos em contabilidade e modelagem financeira, necessários para escolher os diferentes modelos, as taxas de desconto e realizar as estimativas. Devido a essas características, os métodos de fluxo de caixa descontado necessitam de muitos dados, que nem sempre estarão disponíveis, principalmente quando tratamos de empresas não listadas na bolsa. A seguir, estudaremos um tipo de valuation mais simples, que pode ser aplicado à praticamente todas as empresas.

Valor Relativo

Os modelos relativos comparam o preço de ativos no mercado utilizando dados fundamentais da empresa, como lucro, dívida líquida ou valor patrimonial, que, quando divididos um pelo outro, passam a ser denominados múltiplos. Essa comparação é simples e os dados são de amplo acesso, o que torna um valuation de múltiplos fundamentalmente menos complexo que um fluxo de caixa descontado. Dessa forma, os múltiplos atuam como facilitadores na comunicação, resumindo em um único número relações entre o valor de mercado e outras variáveis relevantes.

Primeiramente, por comparar variáveis de empresas distintas, um modelo relativo é melhor aplicado quanto mais semelhantes forém as empresas analisadas, ou seja, buscam-se companhias com pouca diferença na operação, geralmente atuantes do mesmo setor. Isso ocorre, pois, múltiplos aparentemente altos para um setor consolidado em maturidade podem ser completamente aceitáveis em um setor novo com grande potencial de crescimento e risco envolvido.

Além disso, buscando aplicar o modelo, podemos analisar os múltiplos mais conhecidos, como o P/L (Preço sobre Lucro). Seu valor é calculado divindindo o preço do ativo por seu lucro por ação, expressando quantas vezes um investidor está pagando pelo lucro de uma empresa. Por exemplo, dada uma companhia A com P/L de 10x, o acionista estaria pagando dez vezes o lucro da empresa na compra. De maneira análoga, para comprar uma empresa B com P/L de 15x o acionista estaria pagando mais do que pagou por A para ter o mesmo lucro. Desse modo, assumindo que as empresas A e B atuam no mesmo setor e tem riscos de operação semelhantes, podemos afirmar que A está subvalorizada em relação a B ou que B está supervalorizada em relação a A. Ainda assim, vale ressaltar que existem muitos outros múltiplos relevantes além do P/L que podem expressar informações valiosas sobre o estado de uma empresa.

Embora essa análise possa parecer inicialmente trivial, em casos reais existem certos problemas na aplicação dos modelos de valor relativo que podem dificultar bastante a tarefa do analista. O primeiro problema deriva da seleção da empresa ou das empresas similares àquela que se busca avaliar. Essa escolha é fundamental e muitas vezes não é óbvia, já que a área de atuação da companhia pode ser única entre seus pares ou então seu setor pode ser muito abrangente. Outro fator a ser considerado é que, para certos múltiplos, não basta conhecer o valor numérico, de modo que o analista deve buscar a razão por trás desses números, o que pode envolver pesquisa aprofundada sobre o setor e a companhia. Por fim, mesmo uma análise relativa bem fundamentada apontando, por exemplo, uma empresa subvalorizada em relação aos seus pares, pode falhar. Isso ocorre porque todo o setor pode estar supervalorizado, de forma que, mesmo a companhia ganhando valor relativamente aos concorrentes, o retorno final da ação seja negativo dado o declínio do setor.

Valor Patrimonial e Lucro Econômico

Uma outra forma de avaliar ativos, que toma uma abordagem totalmente diferente das anteriores, é dada pelos modelos de valor patrimonial. Esses métodos buscam determinar o valor do negócio a partir da diferença entre os bens ativos e os passivos da organização, o que resulta no patrimônio líquido. Dessa forma, o valor patrimonial oferece aos analistas e stakeholders uma compreensão do valor contábil do negócio. Essa métrica tem sua utilidade na declaração exigida para o pagamento de obrigações ao governo em certos países, na análise de private equity e na venda de empresas, como uma referência na negociação ou valor de liquidação na falência.

Contudo, o valor contábil não fornece uma boa estimativa para o valor real do negocio, pois não leva em conta as estruturas construídas em volta desses ativos, ou seja, o intagível, que representa, entre outras coisas, a capacidade da empresa gerir o negócio. Desse modo, para utilizarmos o valor patrimonial em um valuation precisamos introduzir uma variável que represente a capacidade de geração de riquezas pelo intangível. Esse conceito é dado pelo lucro econômico.

Lucro econômico – ou em inglês, economic value added (EVA) – é o lucro líquido deduzido do custo de oportunidade dos acionistas da empresa, ou seja, é o montante restante após considerarmos o custo de todo o capital da empresa. Esse conceito é importante porque o lucro líquido considera apenas o pagamento dos credores, capital de dívida, enquanto o EVA mostrará se a empresa realmente está gerando valor aos seus investidores. Para melhor compreender o lucro econômico, considere o seguinte exemplo:

Uma companhia C com valor de mercado de R$10 milhões é financiada 50% por dívida e 50% por equity. Os juros da dívida são 8% e seu custo de capital próprio é 12% e ela paga impostos no valor de 25%. Considerando que no período a empresa teve um EBIT de R$1 milhão, seu lucro líquido será determinado da seguinte forma:

O lucro líquido no período foi positivo em R$450 mil, de modo que a empresa demonstra ser lucrativa contabilmente. Contudo, ao considerarmos o custo de capital dos acionistas, avaliado em R$600 mil (12% dos R$5 milhões em equity), observa-se que a empresa C na verdade não oferece o retorno exigido, ficando R$150 mil aquém do esperado no período. Logo, vemos que uma empresa deve ser capaz de cobrir todo o seu custo de capital e, para isso, não basta que ela seja lucrativa de maneira contábil.

Agora que compreendemos o valor patrimonial e o lucro econômico, podemos utilizar esses conceitos para avaliar uma empresa. O preço justo de uma ação baseado nos conceitos anteriores é o seu patrimônio líquido mais a sua capacidade de gerar riqueza ao longo do tempo, ou seja, é o valor patrimonial mais o somatório dos lucros econômicos, trazidos ao valor presente, divididos pelo número de ações.

Contudo, estabelecer alguns desses valores não é uma tarefa simples. A maior dificuldade em um valuation de valor patrimonial e lucro econômico é determinar o o patrimônio líquido da empresa. Embora os reports anuais ou trimestrais já tragam esses dados, em muitos casos, ativos podem estar supervalorizados, o que exige ajustes pontuais que variam de caso a caso para tentar chegar no valor justo. Desse modo, o método demanda grande conhecimento contábil por parte do analista e estudos profundos do formulário de referência da companhia analisada.

Valor por Soma das Partes

O modelo de valuation por soma das partes é o processo de avaliação de uma empresa quando a dividimos entre suas áreas de atuação e determinamos quanto cada uma dessas partes valeria caso fosse tratada como um negócio independente. Consequentemente, o valor final da empresa seria a soma dessas subdivisões.

A partir desse conceito, uma companhia consegue entender de onde deriva seu valor, ou seja, quais os setores que mais contribuem para a geração de riquezas na empresa. Além disso, a avaliação de partes de uma empresa é muito utilizada também em fusões e aquisições, quando tratamos de uma aquisição parcial de um negócio.

Para determinar o preço de cada uma dessas partes, o analista pode utilizar qualquer um dos métodos citados anteriormente. Por fim, é valido ressaltar que modelos de soma das partes são relevantes quando tratamos de empresas que atuam em setores, ou partes de um setor, muito distintas, sendo que essa atuação deve representar parte considerável da receita do negócio.

Conclusão

Durante a análise dos modelos, percebemos que cada um pode ser aplicado de maneira mais efetiva dependendo do caso de estudo. Além disso, para estabelecer aproximações, estimativas e comparações sensatas, o analista deve, independentemente do modelo escolhido, estudar a fundo as características do negócio. A partir disso, entendemos que a compreensão dos modelos é de fundamental importância para o ferramental de um analista de equity.

 REFERÊNCIAS 

1. Equity Asset Valuation, CFA Institute
2. Valuation Models, Aswath Damodaran
3. Suno Research
4. Investopedia
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Medidas de Risco com a Teoria do Valor Extremo

Medidas de Risco com a Teoria do Valor Extremo

Teoria do valor extremo (EVT da sigla em inglês) é um ramo da estatística que lida diretamente com eventos raros, extremos. Seu objetivo é modelar eventos que se distanciam muito da mediana de uma distribuição. Justamente por esta característica, a EVT está sendo utilizada para modelar riscos que possuem distribuição com caudas longas, um dos fatos estilizados que apresentamos sobre retornos de ativos financeiros.

No primeiro artigo desta sequência foi apresentada uma vasta revisão de literatura sobre a EVT e suas aplicações em finanças, com enfoque especial ao gerenciamento de risco. Neste artigo formalizaremos a teoria e serão apresentadas as equações para o cálculo tanto do VaR quanto do ES para um ativo financeiro. Também será abordada a diferença entre medidas incondicionais e condicionais de risco.

Ao utilizarmos a EVT, e mais especificamente o método conhecido como peaks over treshold – POT, estamos interessados em modelar apenas a parte da cauda da distribuição das perdas de um ativo financeiro maiores que um determinado valor de limiar u. É da modelagem desta cauda, portanto, que faremos as estimativas de risco VaR e ES.

Distribuição de valores extremos generalizada

Consideremos uma amostra de uma variável aleatória cujas observações sejam independentes e igualmente distribuídas (va iid) \(L_i,i\in \mathbb{N}\) que represente as perdas financeiras de um determinado ativo.

A EVT está interessada em investigar o comportamento da distribuição dos máximos desta va iid dados por \(M_n = \max (L_1, \ldots , L_n)\) para vários valores de \(n\) e a medida que \(n\rightarrow \infty\). A sequência \(M_n\) é chamada de máximos em bloco e é possível demonstrar que a única distribuição para a qual \(M_n\) converge com \(n\rightarrow \infty\) é a distribuição de valores extremos generalizada (GEV, da sigla em inglês).

Para tanto, é necessário normalizarmos esta sequência de máximos de forma que sua distribuição seja convergente para uma distribuição \(H(x)\) não-degenerada1. Seja \(F(x)\) a distribuição original de uma variável aleatória iid, é possível normalizar seus máximos em bloco através da relação \(M_n^*=(M_n-d_n)/c_n\) de forma que:

\[\begin{equation}
\lim_{n \rightarrow \infty} P\left(\frac{M_n-d_n}{c_n} \leq x \right)
= \lim_{n \rightarrow \infty} F^n(c_nx + d_n)
= H(x)
\tag{1}
\end{equation}\]

Em outras palavras, para determinadas sequências \(c_n\) e \(d_n\) a serem escolhidas, existe uma distribuição de \(H(x)\) não-degenerada a qual representa a distribuição dos máximos em bloco de \(F(x)\).

A potenciação de \(F\) em \(n\) deriva diretamente da suposição que a variável aleatória é iid, enquanto que a transformação de \(x \rightarrow c_n x+d_n\) é a normalização dos máximos em bloco.

Definição 1 (Domínio de atração de máximos) Se a equação (1) é válida para uma \(H\) não-degenerada, então se diz que \(F \in MDA(H)\), \(F\) pertence ao domínio de atração de máximos de \(H\).
Teorema 1 (Fisher-Tippett) Se \(F \in MDA(H)\) para alguma \(H\) não-degenerada, então \(H\) deve ser uma distribuição do tipo de valores extremos generalizada – GEV.

O teorema 1 foi estabelecido através de três artigos, Fisher and Tippett (1928), Gnedenko (1941) e Gnedenko (1943).

Definição 2 (Distribuição de valores extremos generalizada) É definida por sua p.d.f (função densidade de probabilidades) a qual é dada por:

\[\begin{equation}
H_\xi(x) =
\begin{cases}
exp(-(1+\xi x)^{-\frac{1}{\xi}}), & \xi \neq 0,\\
exp(-e^{-x}), & \xi = 0,\\
\end{cases}
\tag{2}
\end{equation}\]

O parâmetro \(\xi\) (leia-se qsi) é conhecido como o parâmetro de forma da distribuição e dependendo deste valor teremos diferentes tipos de distribuição (casos particulares da GEV). Quando \(\xi=0\) a distribuição resultante é uma Gumbel, quando \(\xi>0\) uma Fréchet surge, e por fim quando \(\xi<0\) temos uma Weibull.

Tomemos como exemplo a distribuição exponencial e calcularemos seu MDA e verificaremos se este está entre umas das distribuições GEV. Uma distribuição exponencial é caracterizada pela seguinte função de distribuição (c.d.f):

\[\begin{equation*}
F(x)=1-e^{- \beta x}, \beta > 0 \text{ e } x \geq 0
\end{equation*}\]

Se escolhermos as sequências \(c_n=1/\beta\) e \(d_n=\ln n /\beta\) podemos substituir diretamente na equação e calcular \(H(x)\).

\[\begin{equation*}
F^n \left(c_nx+d_n \right)=\left(1-\frac{1}{n}e^{-x} \right)^n
\end{equation*}\]

\[\begin{equation*}
\lim_{n \rightarrow \infty} \left(1-\frac{1}{n}e^{-x} \right)^n = H(x)
\end{equation*}\]

Fazendo uma simples substituição de variáveis, \(i=-e^{-x}\), então:

\[\begin{equation*}
H(x)=\lim_{n \rightarrow \infty}\left(1+\frac{i}{n} \right)^n
\end{equation*}\]

Que é o limite fundamental \(e^i\), o qual substituindo novamente \(i\) temos:

\[\begin{equation*}
H(x)=exp\left(-e^{-x}\right)=H_0(x), \text{Distribuição Gumbel}
\end{equation*}\]

Ou seja, a distribuição exponencial pertence ao \(MDA\) da distribuição Gumbel, a qual por sua vez é um dos casos particulares da GEV quando \(\xi=0\).

Via de regra não necessitamos calcular a qual \(MDA\) pertencem nossas distribuições, bastando saber que basicamente todas as distribuições contínuas de utilidade prática estão contidas em \(MDA(H_\xi)\) para algum valor de \(\xi\).

Excessos acima de um limiar

O método conhecido como POT, para calcular a função de distribuição dos valores que excedem um determinado limiar de um conjunto de dados vem sendo empregado no mundo financeiro para ajustar as caudas das distribuições de retornos, ou perdas, dos ativos. Este método é preferido a teoria clássica de valores extremos (e.g. máximos em bloco), pois, desperdiça uma quantidade menor de dados da série original. Qualquer valor que exceda o limiar pré-determinado é considerado na distribuição dos excessos. Esta distribuição dos valores da série que estão acima de um determinado limiar u é definida como:

Definição 3 (Distribuição dos excessos) Seja X uma variável aleatória com função de distribuição c.d.f F. A distribuição dos excessos sobre um limiar u tem a seguinte função de distribuição:

\[\begin{equation}
F_u(x)=P(X-u \leq x | X > u)=\frac{F(x+u)-F(u)}{1-F(u)}
\tag{3}
\end{equation}\]

para \(0 \leq x < x_F-u\), onde \(x_F \leq \infty\) é o limite direito da distribuição F.

Ou seja, a função distribuição dos excessos sobre um limiar u é a probabilidade condicional que um valor X retirado dos dados subtraído de u (o excesso) seja menor que um dado quantil x, sabendo-se que X é maior que u. Uma importante distribuição que surge na modelagem dos excessos sobre um limiar é a distribuição de pareto gereralizada – GPD, que segue.

Definição 4 (Distribuição de Pareto Generalizada) É definida por sua função de distribuição:

\[\begin{equation}
G_{\xi,\beta(u)}(X) =
\begin{cases}
1- \left(1+ \frac{\xi x}{\beta(u)} \right)^{-\frac{1}{\xi}}, & \xi \neq 0,\\
1-exp\left(-\frac{x}{\beta(u)}\right), & \xi = 0,\\
\end{cases}
\tag{4}
\end{equation}\]

onde \(\beta > 0\), e \(x\geq 0\) quando \(\xi \geq 0\) ou \(0 \leq x \leq -\beta / \xi\) quando \(\xi < 0\).

Os parâmetros \(\xi\) e \(\beta\) são conhecidos respectivamente como parâmetros de forma e escala da distribuição. Na figura 1 abaixo, são mostradas três parametrizações para a função de distribuição acumulada (c.d.f) e para a densidade de probabilidades (p.d.f) de GPD com parâmetro \(\xi\) iguais a -0,5, 0 e 0,5 enquanto que o parâmetro de escala \(\beta\) é mantido constante e igual a 1. Perceba como para \(\xi <0\) a p.d.f tem um limite direito que é dado por \(-\beta / \xi\) a partir do qual os valores de \(g(x)\) são zero.


Três parametrizações para uma GPD. A linha sólida corresponde a \(\xi=0,5\), a linha pontilhada a \(\xi=-0,5\) e a linha tracejada a \(\xi=0\).

Figura 1: Três parametrizações para uma GPD. A linha sólida corresponde a \(\xi=0,5\), a linha pontilhada a \(\xi=-0,5\) e a linha tracejada a \(\xi=0\).

A distribuição de Pareto generalizada tem papel fundamental na teoria de valor extremo em função do teorema de Pickands-Balkema-de Haan (Pickands (1975) e Balkema and Haan (1974)) conforme abaixo:

Teorema 2 (Pickands-Balkema-de Haan) Pode ser encontrada uma função \(\beta(u)\) tal que:
\[\begin{equation*}
\lim\limits_{u \rightarrow x_F} \; \sup\limits_{0\leq x <x_F – u} |F_u(x)-G_{\xi, \beta(u)}(x)| = 0
\end{equation*}\]

se e somente se \(F\in MDA(H_\xi)\) para \(\xi \in \mathbb{R}\).

O que este teorema nos diz é que para distribuições as quais os máximos em bloco normalizados convergem para uma GEV (na forma da equação (2)), então a distribuição dos excessos acima de um limiar destas mesmas distribuições convergem para uma GPD, dado um valor de limiar u adequado. Podemos fazer então a seguinte suposição:

Suposição 1: Seja F a distribuição de perdas com limite direito \(x_F\), assuma que para um valor limiar alto o suficiente u nós temos que \(F_u (x)=G_{\xi,\beta} (x)\), onde \(F_u (x)\) denota a distribuição dos excessos de x em relação ao valor de limiar u, para \(0 \leq x < x_F-u\), \(\xi \in \mathbb{R}\) e \(\beta > 0\).

Esta é uma suposição, uma vez que a distribuição dos excessos não segue exatamente uma GPD, mas apenas tende a esta distribuição dado um limiar u alto e uma amostra de dados grande o suficiente.

Dada a parametrização de uma GPD, é interessante sabermos o valor esperado desta distribuição, uma vez que esta medida de valor central nos fornece importante informação sobre a quantidade de risco que estamos buscando medir, assim como a informação de que a própria distribuição foi ajustada aos dados de forma satisfatória, como será demonstrado adiante.

O valor esperado de uma variável aleatória não negativa pode ser computado através da integral de sua cauda, \(P(X>x) = 1-P(X \leq x)\). A cauda da GPD é, para \(\xi \neq 0\), \(\left(1+\xi x / \beta(u) \right)^{-1/ \xi}\)

Bastando, portanto, integrar em relação a \(x\) sobre o domínio deste, que é de \(0\) a \(\infty\).

\[\begin{equation*}
\displaystyle\int\limits_{0}^{\infty} \left(1+ \xi x /\beta(u) \right)^{-1/\xi} dx
\end{equation*}\]

Desta forma, o valor esperado de uma GPD \(G_{\xi,\beta(u)} (X)\), ou seja, sua média, converge para valores de \(\xi<1\) e é dado pela seguinte equação:

\[\begin{equation}
E\left[G_{\xi,\beta(u)} (X) \right]=\frac{\beta(u)}{1-\xi}
\tag{5}
\end{equation}\]

Definição 5 (Função média dos excessos) A função média dos execessos de uma variável aleatória X com média finita é dada por:

\[\begin{equation}
e(u)=E\left(X-u | X > u\right)
\tag{6}
\end{equation}\]

Ou seja, a equação (6) representa o valor esperado da função de distribuição dos excessos dada pela Definição 3. Ela representa a média de \(F_u\) como uma função do limiar u. Esta função por vezes também é conhecida como função média de vida residual (mean residual life function), sendo encontrada esta denominação em alguns pacotes de software estatísticos.

Para uma variável distribuída na forma de uma GPD, o parâmetro de escala é uma função linear em u dado por \(\beta(u)=\beta + \xi u\), Teorema 3.4.13(e) em Embrechts, Klüppelberg, and Mikosch (1997). Utilizando-se deste fato e da equação (5) chegamos ao cálculo da função média dos excessos para uma GPD, dada por:

\[\begin{equation}
e(u)=\frac{\beta+\xi u}{1-\xi}
\tag{7}
\end{equation}\]

onde \(0 \leq u < \infty\) se \(0 \leq \xi <1\) e \(0 \leq u \leq -\beta / \xi\) se \(\xi < 0\). É possível observar que de fato a função média dos excessos em uma GPD é linear em u. Esta é uma característica importante de uma GPD e que nos auxilia a escolher um valor adequado do limiar u de tal forma que a Suposição feita anteriormente faça sentido.

Assim, quando estamos analisando uma determinada distribuição de perdas F e desejamos ajustar a cauda desta distribuição, ou seja, as perdas acima de um dado valor limiar u a uma GPD \(G_{\xi, \beta}(x)\) precisamos primeiramente determinar um valor adequado de u de modo que a suposição \(F_u(x)\rightarrow G_{\xi, \beta}(x)\) seja válida. Um método frequentemente utilizado é o gráfico da função média dos excessos com relação a u. Analisando este gráfico, escolhemos o menor valor de u para o qual a partir deste ponto a relação \(e(u) \text{ vs } u\) torna-se linear.

Desejamos o menor valor de u para o qual a relação é linear pois, mesmo o método POT implica em grande perda de dados da série temporal, já que apenas os valores acima deste limiar são utilizados para fazer a estimação dos parâmetros \(\xi\) e \(\beta\) da GPD. Portanto, existe um trade-off na escolha do valor limiar u, escolhendo um valor muito baixo termos uma boa quantidade de dados para estimar os parâmetros da GPD, mas a própria distribuição resultante não será GPD, uma vez que não estaremos trabalhando na região onde a relação \(e(u) \text{ vs } u\) é linear. Por outro lado, um valor limiar muito alto nos impõe o custo de trabalhar com poucos dados para fazer a estimação dos parâmetros da distribuição e por conseguinte, os erros padrões dessas estimativas serão elevados.

Lema 1 Sob a Suposição 1 segue que \(F_v (x)=G_{\xi,\beta+\xi(v-u)} (x)\) para qualquer valor limiar \(v \geq u\).

Logo, a distribuição dos excessos sobre limiares mais altos que u, também segue uma GPD com o mesmo parâmetro de forma \(\xi\) e parâmetro de escala que cresce linearmente com este limiar mais alto v. Se \(\xi < 1\), a média desta nova GPD converge e é dada por:

\[\begin{equation}
e(v)=\frac{\beta+\xi(v-u)}{1-\xi}=\frac{\xi v}{1- \xi}+ \frac{\beta-\xi u}{1-\xi}
\tag{8}
\end{equation}\]

Esta é a função média dos excessos sobre limiares mais altos, e está definida para \(u \leq v < \infty\) se \(0 \leq \xi < 1\) e, \(u \leq v \leq u-\beta / \xi\) se \(\xi < 0\).

Esta função é muito útil para calcularmos o \(ES_\alpha\) (expected shortfall), considerando que \(VaR_\alpha\) nada mais é que um quantil superior ao limiar \(u\) escolhido.

Modelando caudas e medidas de risco associadas

Através da modelagem da cauda da distribuição F de perdas por uma GPD, como feito na seção anterior, é possível calcularmos as medidas de riscos \(VaR_\alpha \text{ e } ES_\alpha\) para esta distribuição de perdas em função dos parâmetros da GPD estimada e também fazendo uso da distribuição empírica de F.

Sob a Suposição 1 nós temos que a cauda da distribuição F, \(\bar{F}(x)\), para \(x \geq u\) é dada por:

\[\begin{align}
\bar{F}(x) & = P(X>u)P(X>x|X>u) \nonumber \\
& = \bar{F}(u) P(X-u>x-u|X>u) \nonumber \\
& = \bar{F}(u)\bar{F}_u(x-u) \nonumber \\
& = \bar{F}(u)\left(1+\xi \frac{x-u}{\beta}\right)^{-1/\xi}
\tag{9}
\end{align}\]

Da qual se soubéssemos exatamente a distribuição F teríamos um modelo analítico para as probabilidades de perdas na cauda da distribuição. Aqui \(x\) são os valores a serem observados das perdas, e portanto \(x-u\) são as perdas em excesso ao limiar.

O que fizemos através da equação (9) foi efetivamente separar a distribuição F, ou melhor, sua cauda, em duas partes. A primeira parte, para valores menores que u, não foi modelado analiticamente e portanto utilizamos a distribuição empírica das perdas, aqui representada por sua cauda \(\bar{F}(u)\), que nada mais é que o número observado de excessos de u sobre o número total de observações da amostra.

A segunda parte é justamente a modelagem através de uma GPD com parâmetros \(\xi \text{ e } \beta\) dado o limiar u. Por esta modelagem paramétrica podemos conhecer as probabilidades de cauda para valores de x maiores que u.

O quantil \(\alpha\) é a inversa da função distribuição e nos retorna o valor para o qual um percentual \(\alpha\) de observações da amostra é menor ou igual. Assim sendo, \(VaR_\alpha\) nada mais é que um quantil alto para o qual determinamos que \(\alpha \%\) das perdas devem ser menores ou iguais a este valor.

Como a equação (9) fornece a probabilidade de cauda, então esta é igual a \(1- \alpha\) para um valor de \(\alpha \geq F(u)\). Fazendo \(\bar{F}(x)=1-\alpha\) na equação (9) o valor de x representará \(VaR_\alpha\) e nos basta manipular esta equação até isolarmos \(VaR_\alpha\) como função de \(\bar{F}(u), \alpha \text{ e dos parâmetros da GPD } \xi \text{ e } \beta\). Que nos garante a equação abaixo:

\[\begin{equation}
VaR_\alpha = q_\alpha(F) = u+\frac{\beta}{\xi}\left[ \left( \frac{1-\alpha}{\bar{F}(u)}\right)^{-\xi}-1 \right]
\tag{10}
\end{equation}\]

A medida \(ES_\alpha\) pode ser entendida como a média das perdas que excedem o valor dado por \(VaR_\alpha\). Como o próprio \(VaR_\alpha\) é um quantil acima do valor de limiar u, \(ES_\alpha\) é dado pelo valor do \(VaR_\alpha\) somado a função média dos excessos dada pela equação (8) fazendo \(v = VaR_\alpha\). Esta média é convergente para valores de \(\xi < 1\) conforme já demonstrado. Ou seja, \(ES_\alpha=VaR_\alpha + e(VaR_\alpha)\). A qual nos rende de forma mais geral:

\[\begin{equation}
ES_\alpha = \frac{VaR_\alpha}{1-\xi}+\frac{\beta-\xi u}{1-\xi}
\tag{11}
\end{equation}\]

Portanto, ambas medidas de risco \(VaR_\alpha\) e \(ES_\alpha\), para distribuições de perdas que tiveram suas caudas modeladas através de uma GPD da forma \(G_{\xi, \beta(u)}\) com \(\xi <1 \text{ e } \beta > 0\), podem ser calculadas respectivamente através das equações dadas em (10) e (11). As estimativas destas medidas de risco serão encontradas através das estimativas dos parâmetros da GPD, assim como do limiar utilizado e de uma medida empírica de \(\bar{F}(u)\) que será o número de excessos verificados sobre o total de amostras. É claro que, ao adotarmos esta estimativa para \(\bar{F}(u)\) estamos implicitamente supondo que o número de amostras na série de perdas é significativa, assim como o número de excessos verificados. Daí a importância de se utilizar um valor u adequado, conforme explicitado na seção anterior.

As estimativas de medidas de risco desenvolvidas nesta seção se qualificam como medidas incondicionais, no sentido que elas não dependem do estado atual das coisas, mas sim de todo o histórico de eventos de forma uniforme. Em outras palavras, \(VaR_\alpha \text{ e } ES_\alpha\) derivados a partir das equações (10) e (11) são medidas históricas de risco associado ao ativo em análise e não levam em consideração se nos eventos mais recentes a volatilidade das perdas pode ser diferente do valor histórico.

De fato, uma das características marcantes das perdas (ou retornos, como o leitor preferir) dos ativos financeiros é o chamado clustering de volatilidade, onde grandes volatilidades (retornos positivos ou negativos) têm tendência a ficarem próximas ao longo da linha temporal. Em geral estas aglomerações de volatilidades surgem a partir da autocorrelação destas, ou seja, a volatilidade em um período t é dependente das volatilidades verificadas em períodos anteriores. Um modelo bastante encontrado na literatura que busca modelar estas dependências é o modelo GARCH e suas variantes.

Assim, ao passo que as estimativas de risco desenvolvidas nesta seção são valiosas para prazos mais longos, ainda é necessário desenvolver um modelo que lide com o fato das autocorrelações de volatilidades e portanto, que nossa variável aleatória não é independente e igualmente distribuída ao longo do tempo. O modelo proposto por McNeil and Frey (2000) pode ser utilizado para encontrar as medidas de risco \(VaR_\alpha\) e \(ES_\alpha\) condicionais que desejamos, ainda dentro da metodologia de peaks over treshold.

Medidas condicionais de risco

Ativos financeiros possuem características de autocorrelação, senão em seus retornos propriamente ditos, ao menos em suas volatilidades ou variações absolutas. Ou seja, dada uma grande variação no momento t é de se esperar novamente uma grande variação, não necessariamente na mesma direção daquela anterior, para o momento t+1 e posteriores. Desta forma, medidas de risco incondicionais, conforme aquelas derivadas na seção de medidas de risco podem ser adequadas somente para horizontes temporais mais longos, pois implicitamente tomam em consideração os fatos mais recentes com o mesmo valor de predição que fatos mais longínquos.

Também já foi bastante estudado e mostrado no artigo anterior que modelos que levem em conta riscos condicionais ao incorporarem as autocorrelações nas volatilidades, levam a resultados de testes melhores. Assim, nesta seção trabalharemos com o modelo proposto por McNeil and Frey (2000) os quais fazem uma adequação dos retornos dos ativos a um modelo GARCH e posteriormente tratam os erros desta modelagem como iid e portanto, a metodologia de POT e ajuste de uma GPD pode ser feito. Este modelo pode ser entendido como um modelo condicional para medidas de risco pois, efetivamente, é levado em conta o estado atual da previsão para a média e principalmente para a volatilidade ao se calcular o VaR. Desta forma a medida responde rapidamente às variações nos humores do mercado e pode sinalizar de forma ágil uma inadequação de capital reservado pela instituição financeira.

Além desta vantagem de cunho prático, a técnica possui uma atratividade teórica. O método POT deve ser aplicado a séries iid que sabidamente não é o caso de perdas de ativos financeiros. Ao se utilizar a técnica POT nos resíduos padronizados de um modelo GARCH o que se está realizando é uma pré-filtragem destas perdas, de forma a obter resíduos padronizados que sejam iid e portanto, aplicável a teoria de valor extremo.

Primeiramente vamos estabelecer um modelo GARCH para as perdas do ativo subjacente. Se denotarmos \(L_t\) como sendo a perda observada no período t, \(\mu_t\) e \(\sigma_t\) são respectivamente a média e o desvio padrão condicionais e mensuráveis através do conjunto de informações disponíveis em t-1 e seja \(Z_t\) inovações iid com média zero e desvio padrão unitário, então temos que:

\[\begin{equation}
L_t=\mu_t+\sigma_t Z_t
\tag{12}
\end{equation}\]

Seja \(F_L(l)\) a distribuição marginal de \(L_t\), então \(F_{L_{t+1}} | \mathcal{G}_t(l)\) é a distribuição preditiva da perda para o próximo período, onde \(\mathcal{G}_t\) é o conjunto de informações disponíveis no período t, incluindo-o. Portanto, para o cálculo das medidas condicionais de risco estamos interessados em um quantil \(\alpha\) na cauda de \(F_{L_{t+1} | \mathcal{G}_t}(l)\). Este quantil \(\alpha\), que será o nosso \(VaR_\alpha\), é o ínfimo l tal que o valor da distribuição preditiva seja maior ou igual a \(\alpha\). Ao passo que o valor condicional do ES será o valor esperado das perdas previstas que sejam maiores que VaR para o mesmo intervalo de confiança. Ou seja:

\[\begin{align}
VaR_\alpha^t=&\inf\{l \in \mathbb{R}: F_{L_{t+1} | \mathcal{G}_t}(l) \geq \alpha\}, \\
ES_\alpha^t=&E[L_{t+1} | L_{t+1} > VaR_\alpha^t]
\end{align}\]

Considerando que nossa distribuição de perdas é dada pela equação (12) e sabendo das propriedades de variáveis aleatórias e do operador de expectância, as equações dadas acima subsumem a:

\[\begin{align}
VaR_\alpha^t=&\mu_{t+1}+\sigma_{t+1}z_\alpha, \tag{13} \\
ES_\alpha^t=&\mu_{t+1}+\sigma_{t+1}E[Z | Z>z_\alpha] \tag{14}
\end{align}\]

onde \(z_\alpha\) é o quantil \(\alpha\) das inovações Z.

Agora nos falta escolher um processo que modele nossa série temporal dada em (12), ou seja, precisamos especificar o comportamento de \(\mu_t\) e \(\sigma_t\). Por suposição do modelo, especificamos que o comportamento destas variáveis é dependente de acontecimentos passados, contidos no conjunto de informações \(\mathcal{G}_{t-1}\) . Dentre os diversos modelos já propostos para estimar médias e volatilidades condicionais, está o simples porém efetivo modelo GARCH(1,1) para a volatilidade condicional e o modelo AR(1) para a média condicional. Uma extensão destes modelos básicos para outros mais complexos pode ser facilmente obtida e é vasta na literatura, como exemplo modelos GARCH-M, Treshold GARCH, EGARCH, etc. para volatilidades condicionais e um modelo do tipo ARMA para a média.

Como critérios para a escolha deste modelo de filtro no primeiro estágio, deseja-se que as inovações \(Z_t\), através de suas realizações na forma dos resíduos padronizados estimados no modelo possuam 2 características, ausência de autocorrelação serial em seus valores e nos seus quadrados.

Neste artigo, visando aplicar a teoria do valor extremo para o cálculo das medidas condicionais de risco, não faremos maiores assunções acerca da distribuição das inovações, como por exemplo assumir uma determinada distribuição (e.g. Normal ou t de Student), mas está implícito que esta pertence ao MDA de uma GEV e portanto a distribuição de seus excessos sobre um limiar segue aproximadamente uma GPD.

Dadas estas considerações, o modelo adotado segue um formato em dois estágios para ser implementado, como segue.

Referências

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  1. Distribuição degenerada é aquela cuja densidade de probabilidade está totalmente concentrada em apenas um ponto de seu domínio.
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Risco de mercado, princípios de Basileia e a teoria do valor extremo

Risco de mercado, princípios de Basileia e a teoria do valor extremo

Neste artigo iniciaremos uma discussão sobre a utilização da teoria do valor extremo – EVT para o cálculo de risco de mercado de ativos financeiros. Desta forma, a EVT pode ser utilizada tanto para o cálculo de VaR quanto ES, recaindo sobre a categoria de modelo semi-paramétrico.

Este será o primeiro artigo de uma série de três. Nesta introdução a EVT, faremos uma vasta revisão da literatura aplicada a finanças. O segundo artigo apresentará ao leitor já familiarizado a modelagem matemática das medias de risco utilizando a EVT e por fim, o último artigo apresentará um estudo de caso, comparando diversos modelos para o cálculo do VaR e inferindo qual modelo é mais adequado com base em critérios bem definidos na literatura. Os artigos foram adaptados de um trabalho de iniciação científica do autor e, portanto, apresentam um caráter mais acadêmico que o normalmente encontrado nos artigos do Clube de Finanças. Ainda assim, o assunto é relevante e atual dentro do gerenciamento de risco das instituições financeiras e desta forma acreditamos que nossos leitores se beneficiarão desta série.

Introdução

A medição do risco de mercado ao qual os portfólios dos investidores está sujeito é objeto de devoção de esforços tanto por parte das instituições e investidores em geral como por parte dos reguladores. Instituições financeiras – IF em todo o mundo, de acordo com suas regulações locais e com os princípios de Basileia ( Basel Comittee on Banking Supervision – BCBS do Banco de Compensações Internacionais – BIS) são obrigadas a reservar uma parcela de seu capital como provisionamento contra flutuações adversas do mercado, como forma de mitigar seu risco de insolvência.

Estas instituições devem manter seu risco de insolvência controlado, e a percepção externa deve ser tal que não haja desconfiança do público com sua habilidade em controlar este risco. Se a confiança na instituição se esvai e a percepção de risco é elevada, rapidamente uma crise de liquidez pode surgir, com depositantes sacando seus recursos ao mesmo tempo em que outras fontes de funding também se tornam escassas. Em tal situação, é natural o banco ou IF, ir ao mercado para vender seus ativos e levantar os recursos necessários. Neste momento uma crise de liquidez no mercado pode levar a uma possível insolvência da IF pois, não há garantias que no mercado aberto, os ativos do banco serão justamente avaliados e arrematados.

Uma importante característica das séries de retornos financeiros é sua alta volatilidade, não constante e tampouco seguindo uma distribuição Normal. Assim, eventos extremos, e neste caso estamos interessados em perdas de grande magnitude, acontecem com uma frequência alta demais para serem descartadas como apenas outliers, e portanto passaram a atrair a atenção dos participantes do mercado, entre eles os investidores e reguladores. Estas observações induziram uma gama de estudos, empíricos e teóricos, voltados a explicar o comportamento dos retornos de séries financeiras e modelar de forma adequada as caudas da distribuição destes retornos. Não somente estes estudos são de grande relevância para o gerenciamento de risco nas instituições financeiras, como também são obrigatórios segundo o acordo de Basileia, uma vez que este requer o cálculo do Valor em Risco – VaR, para então a instituição poder projetar o seu nível requerido de capital.

De acordo com os princípios de Basileia III, BCBS (2011), BCBS (2013a), BCBS (2014), as instituições financeiras supervisionadas pelos Bancos Centrais devem manter buffers de capital contra riscos de mercado, crédito, liquidez, entre outros. Dentro dos riscos de mercado, as duas formas mais usuais de fazer a quantificação destes são os métodos de Valor em Risco – VaR e o Expected Shortfall – ES. Este último relacionado ao primeiro, sendo definido como o valor esperado das perdas que excedem o VaR calculado para um determinado nível de confiança.

VaR é um quantil alto \(\alpha\) da distribuição de perdas de um ativo ou portfólio em um determinado período de tempo, ao passo que ES é o valor esperado das perdas que excedem VaR, para um mesmo período e nível de confiança \(\alpha\).

O método VaR para cálculo de risco de mercado ao qual um portfólio está sujeito foi primeiramente introduzido através de RiskMetrics (1995), uma metodologia adotada pelo banco J. P. Morgan. Vem desde então sendo amplamente adotado pela indústria financeira e largamente estudado pela academia. Inúmeras variantes do modelo foram propostas e continuam sendo utilizadas com o passar dos anos. Para o cálculo do VaR é necessária uma suposição acerca da distribuição dos retornos, e por conseguinte do comportamento da cauda desta.

As variações na metodologia original de estimação do VaR surgem principalmente em função de críticas a abordagem proposta, a qual inclui a suposição de retornos independentes e igualmente distribuídos, covariâncias constantes entre os ativos de um portfólio e a distribuição normal dos retornos.

Por meio de dois artigos Artzner et al. (1997) e Artzner et al. (1999), foi introduzido na literatura o conceito de medida coerente de risco. Para uma medida ser considerada coerente, primeiramente foram introduzidas quatro propriedades cunhadas através de axiomas, as quais estas medidas deveriam possuir, invariância translacional, sub-aditividade, homogeneidade positiva, e monotonicidade.

VaR especificamente não possui a propriedade da sub-aditividade para alguns casos, sendo esta uma das grandes críticas ao VaR. Desta forma, em casos específicos, é possível uma carteira diversificada em que sejam computados o VaR de cada um de seus ativos, ser agregada e possuir um VaR do portfólio maior que o maior VaR de seus componentes, algo que não condiz com uma medida coerente de risco. Para contornar este fato, Acerbi and Tasche (2002) propuseram o Expected Shortfall e comprovam que este é uma medida coerente de risco. Além de ser coerente, o ES possui uma segunda vantagem com relação ao VaR, considerando que o ES nos informa uma medida de tendência central do tamanho das perdas que excedem o valor do quantil VaR. Ou seja, o VaR nos informa apenas que uma proporção \(\alpha\) das perdas serão menores que a medida, mas nada nos informa se esta perda extraordinária de fato ocorrer. Mesmo sendo criticado como uma medida não coerente de risco, o VaR continua a ser amplamente utilizado, mesmo que agora em conjunto com o ES.

Mais recentemente o Comitê de Supervisão Bancária de Basileia tem se proposto a adotar o Expected Shortfall como medida de risco de mercado. BCBS (2013b). O Comitê cita a grande importância da escolha da medida de risco e sua calibração, e portanto estas são relevantes para as decisões de política do Banco. Entre as dificuldades encontradas pelo VaR estão mais notadamente sua inabilidade em estimar o “risco de cauda” da distribuição de perdas, uma vez que VaR não leva em conta a distribuição das perdas acima do valor de corte.

Desta forma, foi decidido que o ES seria a medida de risco favorita para a abordagem pelo banco chamada de modelos internos. Ou seja, os bancos supervisionados devem utilizar o ES para o cálculo do risco de mercado a que estão sujeitos em seus modelos internos. O comitê também se decidiu por um nível de confiança de 97,5% para o ES, em contraposição a 99% para o VaR. O comitê espera que esta abordagem para o cálculo da medida de risco de mercado trará benefícios se comparada a antiga abordagem pelo Var, entre elas um modelo com resultados mais estáveis e menor sensibilidade a observações extremas (outliers).

Revisão de Literatura

Teoria do valor extremo, é um ramo da estatística que lida diretamente com eventos raros, extremos. Seu objetivo é modelar o comportamento assintótico de eventos que se distanciam muito da mediana de uma distribuição. Justamente por esta característica, a EVT está sendo utilizada para modelar riscos que possuem distribuição com caudas longas, um dos fatos estilizados bem conhecidos sobre retornos de ativos financeiros.

Ao utilizar a EVT, e mais especificamente o método conhecido como peaks over treshold – POT, se está interessado em modelar apenas a parte da cauda da distribuição das perdas de um ativo financeiro maiores que um determinado valor de limiar u. É da modelagem desta cauda, portanto, que se calcula a estimativa de VaR.

A teoria do valor extremo vem sendo utilizada nas finanças a algum tempo. Devido as características das séries financeiras, por exemplo a leptocurtose, a distribuição normal para os retornos vem sendo rechaçada, enquanto outras distribuições mais adequadas assumem o posto para descrever o comportamento das perdas e retornos de séries financeiras. A EVT, ao modelar distribuições com caudas longas, pode ser utilizada para esta finalidade. A introdução da EVT em dois estágios para a estimação de medidas condicionais de risco pode ser atribuída a McNeil and Frey (2000). Neste artigo os autores propuseram um modelo para a estimação do VaR e ES de forma condicional, tanto para período de um dia como para dez dias a frente, de acordo com o normativo de Basileia vigente a época. Seu modelo, que leva em conta as longas caudas e a natureza estocástica da volatilidade, se ajustam de forma mais fidedigna aos dados. Daníelsson and Morimoto (2000) fizeram uma crítica aos modelos condicionais de cálculo do VaR para o mercado japonês e chegaram a conclusão que um modelo EVT incondicional, inclusive sem o estágio de filtragem inicial, era mais adequado para fins práticos.

Byström (2004) encontrou que ambas abordagens da EVT, máximos em bloco como POT, combinadas com análise de séries temporais tradicional (ARIMA e GARCH), no que se configura uma abordagem condicional para a estimação do VaR, têm os melhores resultados tanto em períodos ditos tranquilos como em épocas de alta volatilidade. Voltando a aplicação da EVT para mercados emergentes, Gencay and Selcuk (2004) utilizaram a teoria de valor extremo para o cálculo de VaR e teste de estresse. Seus resultados apontam que a EVT se torna melhor a medida que o quantil utilizado para o cálculo se eleva. Além disso, encontraram que as caudas da distribuição de retornos se comportam de maneira diferente entre ganhos e perdas. Uma comparação entre diversos modelos de previsão de VaR foi realizada por Kuester, Mittnik, and Paolella (2006). Encontraram que a grande maioria dos modelos subestima o risco, mesmo sendo aceitáveis do ponto de vista regulatório, sendo que o modelo condicional GARCH-EVT está entre as melhores estimações.

Karmakar and Shukla (2014) retomam o modelo em dois estágios e fizeram uma comparação entre o modelo EVT condicional e outros modelos já consagrados no cálculo de VaR em 3 mercados desenvolvidos (EUA, Reino Unido e Japão) e 3 mercados emergentes asiáticos (Índia, Hong Kong e Corea do Sul). O modelo GARCH adotado no primeiro estágio é diferente para cada mercado, porém com uma particularidade comum, todos são modelos assimétricos. Novamente encontram que o modelo EVT condicional é superior aos demais através de testes de cobertura incondicional e condicional.

Chavez-Demoulin, Davison, and McNeil (2005) e Herrera and Schipp (2013) tomam um caminho diferente para modelar a EVT. Enquanto o primeiro adota o método de processos pontuais de auto-excitação1, que dadas algumas condições, converge para o método POT, o segundo modela explicitamente as durações de tempo entre as observações de extremos, ou seja, as perdas em excesso ao limiar escolhido. A magnitude destas perdas continua a ser modelada através da distribuição generalizada de Pareto – GPD. Seu modelo é então chamado de autoregressive conditional duration peaks over threshold model – ACD-POT.

Rocco (2014) fez uma grande revisão sobre o uso da EVT em finanças. As principais aplicações encontradas foram o teste de suposições para diferentes distribuições dos dados, cálculo de medidas de risco como o VaR e ES, alocação de ativos sob restrições e otimização de portfólios, e no estudo de contágio e dependência entre mercados sob condições de alto estresse.

Mais recentemente a EVT encontrou outras formas de aplicação e cálculo. Chavez-Demoulin, Embrechts, and Hofert (2016) sugeriram um modelo onde a frequência e a severidade das perdas podem ser modeladas através da EVT com covariantes. Karmakar and Paul (2016) por sua vez, fizeram uma aplicação do modelo EVT condicional a retornos intra-diários de dezesseis mercados diferentes.

O cálculo de VaR em instituições financeiras e bancos comerciais vem sendo implementado e é requerimento do comitê de Basileia. A EVT entra como uma das metodologias utilizadas neste cálculo, Longin (2000) a utilizou e propôs um modelo para agregar o risco de uma posição de mercado, em contraste a modelos univariados apenas. Testes de estresse podem ser realizados através de sua técnica. Utilizando-se de dados reais de seis grandes bancos comerciais americanos, Berkowitz and O’Brien (2002) analisou a precisão de seus modelos VaR. Ele encontrou que os bancos são amplamente conservadores em suas estimativas de VaR, com níveis de cobertura muito acima dos valores nominais. Wong, Cheng, and Wong (2003) promoveu um estudo sobre as implicações da precisão do modelo VaR no gerenciamento do risco de mercado em bancos. Ele adotou os critérios de Basileia para realizar um estudo de backtest e verificou que modelos baseados em previsões de volatilidade através de GARCH não estão de acordo com estes critérios por muitas vezes. Já em um estudo recente, O’Brien and Szerszeń (2017) fez uma avaliação dos modelos de risco de mercado de bancos no pré, durante e pós crise financeira de 2008. Encontrou que tanto no pré quanto no pós crise, os bancos se comportaram de maneira excessivamente conservadora, entretanto, durante a crise financeira as violações ao VaR excederam muito seu valor esperado assim como aconteceram de forma agrupada, um sinal de má especificação nos modelos adotados. O autor comparou estes resultados com um modelo baseado em GARCH e verificou que esta alternativa é muito superior aos atuais modelos.

Conclusão

A avaliação da probabilidade de eventos raros e extremos é uma questão importante no gerenciamento de riscos das carteiras financeiras. A teoria dos valores extremos fornece os fundamentos sólidos necessários para a modelagem estatística de tais eventos e o cálculo de medidas de risco extremo. Não somente a teoria é adequada para este tipo de modelagem, como também é requerido das instituições financeiras que façam suas estimativas de risco de cauda de maneira conservadora mas realista com as atuais condições de mercado. Seja qual for a medida de risco de mercado desejada, VaR ou ES, a EVT através do método POT vem sendo utilizada com excelentes resultados e tem se tornado a prática de mercado.

Em um próximo artigo faremos uso da EVT e outras técnicas de modelagem de VaR para avaliar, através de testes estatísticos, a capacidade preditiva de sete modelos distintos de cálculo da métrica de valor em risco comumente encontrados na literatura, por meio da técnica de backtesting. Os testes aplicados abrangem características importantes do VaR como cobertura incondicional, independência entre violações e superioridade do modelo dada uma função de perda adequada.

Referências

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  1. Para maiores detalhes sobre processos pontuais de auto-excitação, Hawkes (1971) é a referência original.
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Expected Shortfall

Expected Shortfall

Expected Shortfall como substituto ao VaR

No artigo anterior foi apresentada a medida de risco conhecida como Value-At-Risk (VaR), nele foram abordados origem, conceito, técnicas de estimação e suas deficiências.

Para lidar com as deficiências que o VaR apresenta, Artzner et al. (1999) introduziram uma nova medida de risco denominada como Expected Shortfall (ES). Durante o decorrer deste artigo, esta medida de risco será apresentada e contextualizada com o VaR além de explorado o porquê do ES ser uma medida que apresenta melhores propriedades.

Alguns pontos a serem levados em conta sobre problemas no mundo real que podem levar o uso do ES ser superior ao do VaR:

  1. Investidores racionais que maximizam seus portfólios podem ser enganados pelo uso do VaR. É provável que construam posições com fragilidades não intencionais e podem resultar em perdas superiores ao VaR.
  2. O VaR não é confiável sob estresse de mercado, sob flutuações extremas de preços de ativos ou sob estrutura de dependência extrema de ativos. Nesses casos, VaR pode subestimar o risco.

Além dos pontos citados acima o ES é uma alternativa ao VaR por ser mais sensível ao formato da cauda de distribuição das perdas e é considerado uma medida de risco coerente por respeitar os quatro axiomas propostos por Artzner.

No artigo sobre Value-at-Risk são abordadas as quatro propriedades que medidas de risco coerentes devem apresentar, sendo elas: Monotonicidade, Homogeneidade, Invariância por Translações e Subaditividade. O VaR satisfaz as três primeiras, contudo não é sempre que ele satisfaz a Subaditividade.

O conceito de subaditividade diz que a soma de dois elementos irá sempre retornar algo menor ou igual à soma dos valores da função de cada elemento e é satisfeita através da fórmula abaixo:

\[ ES(\alpha_1 + \alpha_2, α) = ES(\alpha_1, α) + ES(\alpha_2, α) \]

Esta fórmula demonstra que o ES incorpora os benefícios da diversificação uma vez que o risco total do portfólio é igual ou menor que a soma dos risco dos componentes.

O que é Expected Shortfall?

O Expected Shortfall (ES) é uma medida de risco que produz benefícios adicionais ao Value At Risk (VaR), podendo ser referida como Conditional Value At Risk (CVaR), Average Value At Risk (AVaR) ou Expected Tail Loss (ETL).

Como definição, o Expected Shortfall se conceitua como uma medida de risco quantitativa e responde a seguinte pergunta: qual é a perda média, sabendo que a perda está acima do VaR? E também: se as coisas ficarem ruins, qual é a perda esperada?

Assim como o VaR, o ES apresenta dois parâmetros de cálculo, o horizonte de tempo (T) e o nível de confiança (\(\alpha\)). Sendo representado pela perda esperada durante o período (T), sabendo que a perda está condicionada a ser maior que o \(\alpha\)-ésimo Percentil da distribuição de perdas.

Como exemplo, supondo que o VaR é de 1 milhão de reais e que o nível de confiança (\(\alpha\)) é de 99, horizonte de tempo (T) é 1 dia. Então, o ES é a quantia média perdida em um período de 1 dia, sabendo que a perda será superior a R$ 1 milhão.

A figura abaixo, exemplificada em Yamai and Yoshiba (2005), ilustra os conceitos do próprio ES e também do VaR:

Figura 1: VaR e Expected Shortfall

Técnicas de estimação

Os valores do ES são derivados do cálculo do próprio VaR, as premissas do VaR como a forma de distribuição dos retornos, a periodicidade dos dados, a volatilidade estocástica, o corte utilizado, todos afetarão o valor do ES.

Pode-se definir o ES com um nível de confiança \(\alpha\) para uma distribuição de perdas \(L\) como a esperança das perdas acima do VAR:

\[ ES (L) = E[L | L\geq Var_\alpha(L)] \]

Essa estimação, assim como o VaR, pode ser feita de forma paramétrica ou não-paramétrica.

Método não-paramétrico

A forma histórica, ou não-paramétrica (por não depender de parâmetros e sim de amostras), é calculada a partir do VaR histórico com \(N\) observações, atribuindo um peso \(1/n\) para cada uma das n observações acima do VaR:

\[ ES_\alpha(L) = (\sum_{i=N-n}^NLi)/(n) \]

Métodos Paramétricos

Para modelos paramétricos, supomos uma distribuição a que irá depender de certos parâmetros que serão estimados. Dessa forma podemos definir o ES em termos contínuos como uma integral no intervalo \([1 – α; 1]\):

\[ ES =\frac{1}{1-\alpha}\int_{\alpha}^{1}(\Phi^{-1}(1-u)\sigma + \mu)du \] \[ ES = \frac{1}{1-\alpha}\int_\alpha^1 VaR_u(L)du \] Alguns dos modelos mais comuns para se estimar o ES pelos métodos paramétricos são a distribuição Normal (Gaussiana) e a distribuição t-Student. Algumas variações um pouco mais sofisticados são as distribuições da família johnson e a distribuição t não-central.

Assumindo uma distribuição Normal, podemos resolver a integral substituindo a função quantil da Normal padrão \(\Phi^{-1}\) ajustada para os parâmetros da distribuição \(L\), conforme derivação feita por Smaga (2016) :

\[ ES_\alpha =\sigma \frac{\varphi(\Phi^{-1}(\alpha))}{1-\alpha}-\mu \]

Com \(\varphi\) sendo a função de densidade de probabilidade e \(\Phi^{-1}\) a função quantil da Normal padrão (\(N \sim (0;1)\)).

Como simplificação podemos assumir que: \[ ES_{\alpha} =ƛσ − μ \]

Onde \(ƛ\):

\[ ƛ(α) = \frac{\varphi(\Phi^{-1}(α))}{1 − α} \]

Qual método utilizar?

Questões podem ser levantadas sobre a efetividade de cada método. A primeira vista o histórico pode parecer uma boa escolha devido à disponibilidade de dados no mercado financeiro e o aparente melhor ajustamento aos fatos reais. Enquanto isso pode ser verdadeiro se comparado com a estimação por meio da Normal, a distribuição t (e suas variações) pode se mostrar útil para o caso de termos poucas observações ou se quisermos intuir sobre a cauda da distribuição utilizando todo o conjunto de observações. Outra possibilidade seria utilizar estimadores de máxima verossimilhança para estimar os parâmetros da distribuição utilizada, garantindo uma estimativa mais conservadora nos métodos paramétricos, assim como descrito em Martin and Zhang (2017).

Assim como no VaR, além desses dois métodos podemos usar a simulação de Monte Carlo para gerar as observações e proceder assim como no método histórico.

O que é o comitê de Basileia e como ele vem tratando as medidas de risco?

O Comitê de Supervisão Bancária de Basileia é uma organização constituída por representantes de autoridades de supervisão bancária que promove a discussão sobre o aperfeiçoamento das práticas de supervisão bancária, buscando melhorar as ferramentas de fiscalização internacionalmente, e visa o fortalecimento da solidez dos sistemas financeiros.

Em 1988, o comitê estabeleceu o acordo de Basileia I que teve como objetivo criar exigências mínimas de capital, a qual devem ser respeitadas por bancos comerciais, para precaução contra o risco de crédito.

O Basileia I determinou três regras principais para que houvesse o funcionamento:

– Índice Mínimo de Capital: Determina que o banco deve deixar, pelo menos, 8% de capital em caixa de seus empréstimos.

– Capital Regulatório: Determina que a instituição deva deixar um mínimo de capital próprio em caixa para mitigar riscos.

– Avaliação de Risco: Obriga a todas instituições a avaliarem os riscos de financiamento e empréstimo.

Mesmo com todas as exigências e regras impostas pelo comitê isso não impediu inúmeras falências de instituições financeiras. Em 2004, o comitê lançou um novo acordo denominado Basileia II que teve como objetivo reforçar as medidas propostas pelo primeiro acordo e também deu mais liberdade aos bancos centrais de cada país.

Os três pilares trazidos com o segundo acordo são os seguintes:

1. Critérios para o cálculo dos requerimentos mínimos de capital (riscos de crédito, mercado e operacional);

2. Princípios de supervisão para a revisão de processos internos de avaliação da adequação de capital, de forma a incentivar a aplicação, pelos próprios supervisionados, de melhores práticas de gerenciamento de riscos por meio do seu monitoramento e mitigação.

3. Incentivo à disciplina de mercado por meio de requerimentos de divulgação ampla de informações relacionadas aos riscos assumidos pelas instituições.

Após a crise dos subprimes, observou-se que o acordo anterior era insuficiente, por consequência, surgiu o acordo de Basileia III que é um conjunto de propostas de reforma da regulamentação bancária. O acordo aumentou a regulamentação sobre o sistema financeiro e elevou os limites exigidos para bancos e instituições financeiras.

As principais inovações provenientes deste terceiro acordo foram o aperfeiçoamento dos fatores para ponderação de ativos pelo risco, introdução dos colchões de capital para conservação e contracíclico e novos requerimentos para de liquidez e alavancagem.

Desvantagens do ES

Back-Testing

Realizar o Back-test de uma métrica significa calcular quão bem a medida calculada funcionaria no passado. Supondo uma métrica de cálculo de VaR diário com um nível de confiança \(\alpha\), o back-test consiste em analisar com qual frequência as perdas excedem o VaR diário, cada dia que excede o valor é chamado de exceção. Se as exceções acontecem em aproximadamente (100-\(\alpha\))% das vezes a metodologia usada é relativamente precisa, se ocorrem em mais do que (100-\(\alpha\))% das vezes o VaR está possivelmente subestimado, enquanto se ocorrerem em menos vezes está superestimado.

Essa checagem é uma das razões pelas quais os reguladores têm sido relutantes em trocar o VaR pelo ES na quantificação de risco de mercado, dado pelo fato de ser um procedimento muito mais difícil de realizar para o ES, o que é explicado pela maioria dos métodos de back-testing para ES necessitarem de informações da distribuição de retornos de cada dia, ou pelo menos da distribuição das caudas além do VaR.

Monte Carlo e erros de estimação

Estimativas de Value-at-Risk e Expected Shortfall são afetadas por erros de estimação, os quais representam a variabilidade natural causada por amostras de tamanho limitado. As Simulações de Monte Carlo, que são tipicamente utilizadas em processos os quais não podem ser previstos facilmente devido à intervenção de variáveis aleatórias, variam na estimativa do VaR de acordo com sua aleatoriedade.

Yamai, Yoshiba, and others (2002) observa que em distribuições de perda com caudas longas, o desvio padrão relativo ao ES fica muito maior que aquele relativo ao VaR, enquanto que ao analisar distribuições aproximadamente normais, os desvios padrões relativos são praticamente iguais.

Tal fato é explicado pela probabilidade de perdas grandes e não frequentes em distribuições de caudas longas ser alta, tendo em vista que o ES estimado é afetado por elas. Já o VaR é pouco afetado por essas perdas por negligenciar as perdas além do quantil selecionado.

Ademais, é possível analisar que o aumento no tamanho das amostras é capaz de reduzir o erro da estimação do ES, sendo necessário, para uma distribuição estável de coeficiente de estabilidade igual a 1,5 (quando o coeficiente é 2 a distribuição é normal, sendo que menores valores significam caudas maiores), amostras com centenas de milhares de observações para obter-se o mesmo nível de desvio padrão que aquele relativo ao VaR. Isso faz com que Simulações de Monte Carlo tomem proporções muito grandes, necessitando de poder computacional ainda maior.

Exemplo prático:

A rotina abaixo, elaborada no R, exemplifica a estimação do Expected Shortfall para um portfólio univariado.

library(readr)
library(tidyverse)
library(forcats)
library(ggthemes)
library(PerformanceAnalytics)

Como primeiro passo, instalamos os pacotes acima para importação (readr), manipulação dos dados (tidyverse, forcats), visualização (ggthemes) e para cálculo de indicadores de portfólios (PerformanceAnalytics).

X_GSPC <- read_csv("D:/Programacao/riscoderivativos/static/input/^GSPC.csv")
View(X_GSPC)

sp500 <- as_tibble(X_GSPC)

colnames(sp500) <- c("data", "abertura", "maximo", "minimo", "fechamento","fechamento_adj", "volume") 

Após instalação dos pacotes, deve-se importar os dados do portfólio, nesse caso, univariado. Na rotina referida, foi utilizada uma série do índice S&P500 entre agosto de 2009 e agosto de 2019, com cotação de abertura e fechamento diária.

fechamento <- sp500$fechamento

sp500$variacao2 <- Return.calculate(xts(fechamento,order.by = as.Date(sp500$data))
                                    ,method = "simple")

Returns <- sp500$variacao2

sp500 %>% ggplot(aes(x=variacao2))+ 
  geom_histogram()+ 
  theme_minimal()

Com os dados importados, calcula-se a variação diária do índice através da função “Return.calculate”. A variação também pode ser calculada através do índice em t (\(P_{t}\)) sobre o índice em t-1 (\(P_{t-1}\)), como segue:

\[ \Delta P = \frac{P_{t}}{P_{t-1}}-1 \]

VaR(R = Returns,p = .95,method = "historical")

VaR95 <- VaR(R = Returns,p = .95,method = "historical")

ES(R = Returns,p = .95,method = "historical",)

ES95 <- ES(R = Returns,p = .95,method = "historical",)

Com a variação diária já calculada, tanto o VaR quanto o Expected Shortfall podem ser calculados para intervalos de confiança diferentes. Na função VaR e ES do pacote “PerformanceAnalytics”, o p (nível de confiança) pode ser definido em ambas as funções, assim como o método de estimação, o qual pode ser histórico, gaussiano/normal e modificado (“historical”, “gaussian” e “modified”).

# ES e VaR através de diferentes métodos (paramétricos e não paramétricos)

dfretornos <- data.frame(Returns)

chart.VaRSensitivity(xts(dfretornos,order.by = as.Date(sp500$data)),
                     methods = c("GaussianVaR","HistoricalVaR", "GaussianES", "HistoricalES"), 
                     elementcolor = "darkgrey")

Para elucidar os diferentes métodos de estimação do VaR e ES, o pacote “PerformanceAnalytics” permite gerar o gráfico abaixo, onde no eixo “X” encontra-se o nível de confiança e no eixo “Y” os valores do VaR e ES.


Figura 2: Comparação entre medidas de risco

Referências

Artzner, Philippe, Freddy Delbaen, Jean-Marc Eber, and David Heath. 1999. “Coherent Measures of Risk.” Mathematical Finance 9 (3): 203–28.

Martin, R Douglas, and Shengyu Zhang. 2017. “Nonparametric Versus Parametric Expected Shortfall.” Available at SSRN 2747179.

Yamai, Yasuhiro, and Toshinao Yoshiba. 2005. “Value-at-Risk Versus Expected Shortfall: A Practical Perspective.” Journal of Banking & Finance 29 (4): 997–1015.

Yamai, Yasuhiro, Toshinao Yoshiba, and others. 2002. “Comparative Analyses of Expected Shortfall and Value-at-Risk: Their Estimation Error, Decomposition, and Optimization.” Monetary and Economic Studies 20 (1): 87–121.

Contribuíram como co-autores deste artigo os analistas do núcleo de derivativos e risco Vinícius Custódio, João Pedro Smielevski Gomes e Thiago Ranzolin Barreto.

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