Month: August 2020

Fronteira Eficiente de Markowitz

Fronteira Eficiente de Markowitz

Entendendo A Teoria Moderna do Portfólio

Desenvolvida nos anos 50, a teoria moderna do portfólio (TMP) de Harry Markowitz revolucionou a ciência da gestão de portfólio, rendendo a ele um prêmio Nobel de economia pelo seu trabalho com o artigo “Portfolio Selection” (1952), e livro “Portfolio Selection: Efficient Diversification” (1959).

A teoria do portfólio apresenta um modelo de montagem de carteira que analisa os ativos com suposições de risco, retorno e correlação futuros. A partir dos dados é calculado uma série de possíveis alocações, entre essas possíveis alocações os portfólios que maximizam o retorno esperado e minimizam o risco formam a chamada fronteira eficiente. A TMP leva em consideração que o investidor sempre deseja ter o maior retorno possível dado determinado nível de tolerância ao risco.

Uma das características do modelo é que ele tende a colocar carteiras mais diversificadas na fronteira eficiente. Os benefícios da diversificação já eram conhecidos muito antes da criação da TMP, mas não era algo a que os investidores davam tanta importância, era mais comum focar em tentar achar ativos singulares que dariam os maiores retornos com menor volatilidade. A TMP fez com que os efeitos da diversificação ficassem ainda mais claros, demonstrando os ganhos de eficiência com medidas quantitativas, grande parte do motivo dessa estratégia ganhar tanta popularidade pode ser atribuída ao trabalho de Markowitz.

Construção da Fronteira Eficiente

As informações necessárias para calcular a fronteira eficiente são apenas o retorno esperado dos ativos a serem considerados para compor a carteira, a volatilidade de cada um e a covariância entre eles.

Não há uma maneira certa de obter as estimativas de retorno, essa é a parte mais subjetiva do modelo, assumir que os retornos futuros tendem a seguir a média dos retornos passados é um modo comum de estimativa, outra opção comum que provavelmente é mais precisa seria utilizar a estimativa de um especialista na área. Para estimar a volatilidade costuma-se usar o desvio padrão como medida ilustrativa, no entanto, o artigo utilizará a variância para o cálculo de medida de volatilidade com o intuito de simplificar o entendimento das operações, tanto a variância quanto a covariância entre os ativos podem ser extraídos da série histórica de retornos.

A variância mede o grau de dispersão dos retornos em relação à média, ela é calculada subtraindo cada retorno pela média, elevando ao quadrado os resultados e então dividindo a soma dos quadrados pelo número de retornos calculados subtraídos por um.

$$\sigma ^{2}=\frac{\sum_{t=1}^{T}(R{t}-\widetilde{R})^{2}}{T-1}\ $$

Onde:
\(\sigma ^{2}\) representa a variância
\(R{t}\) representa o retorno t
\(\widetilde{R}\) representa a média dos retornos
\(T\) representa o número total de retornos usados no cálculo

A covariância mostra a relação da direção do movimento entre dois ativos diferentes, caso os ativos demonstrem uma tendência a se mover em conjunto o resultado do cálculo seria positivo e caso a tendência seja eles se moverem em direções opostas a covariância seria então negativa. Para calcular a covariância basta fazer o somatório do produto das diferenças dos retornos em relação à média de ambos os ativos e dividir o resultado pelo número de retornos analisados subtraído por um.

$$\sigma_{a,b}=\frac{\sum_{t=1}^{T}(R_{A_{t}}-\widetilde{R_{A}})(R_{B_{t}}-\widetilde{R_{B}})}{T-1}$$

Onde:
\(\sigma_{a,b}\) representa a covariância entre A e B
\(R_{A_{t}}\) representa o retorno t da variável A
\(R_{B_{t}}\) representa o retorno t da variável B
\(\widetilde{R_{A}}\) representa a média dos retornos de A
\(\widetilde{R_{B}}\) representa a média dos retornos de B
\(T\) representa o número de retornos usados no cálculo

Usando as estimativas de retorno e os resultados de variância e covariância é possível calcular o retorno esperado e volatilidade dos portfólios. Os retornos são calculados com a multiplicação peso de cada ativo pelo seu respectivo retorno esperado e então somando os resultados.

$$R_{p}=\sum_{i=1}^{}W_{i}R_{i}$$

Onde:
\(R_{p}\) representa o retorno esperado do portfólio
\(W_{i}\) representa a porcentagem do valor da carteira destinada ao ativo i
\(R_{i}\) representa o retorno esperado do ativo i

A variância do portfólio é um pouco mais complicada de calcular, nela é preciso levar em consideração que o retorno dos ativos tem um certo grau de correlação, apenas multiplicar o peso dos ativo pelas suas volatilidades, assim como é feito com o retorno, traria um resultado maior que o real, pois não seria levado em conta o poder de diminuição do risco que a diversificação oferece. Para fazer o cálculo da variância primeiro é feito com a multiplicação do vetor de pesos pela matriz de covariância, obtendo assim um vetor, e então outra multiplicação do vetor de pesos transposto pelo vetor resultante. A fórmula abaixo funciona para um número infinito de ativos pois utiliza matrizes para o cálculo, diferente de uma fórmula como \(w_{1}^{2}\sigma_{1}^{2}+2w_{1}w_{2}\sigma_{1,2}+w_{2}^{2}\sigma_{2}^{2}\) que funciona apenas em carteiras com dois componentes.

Onde:
\(\sigma_{p}^{2}\) representa a variância do portfólio
\(W_{1}\) representa a porcentagem do valor da carteira destinada ao ativo i \(\sigma_{i}^{2}\) representa a variância do ativo i
\(\sigma_{i,j}\) representa a covariância entre os ativos i e j

Com as fórmulas e informações prontas, basta utilizar um software para otimizar os pesos dos ativos, de forma que seja obtido a carteira menor variância para determinado retorno. Esse processo deve ser repetido em diversos pontos de retorno até que se forme uma boa aproximação da curva da fronteira eficiente.

Exemplo prático

Neste exemplo será usado o Excel para fazer os cálculos e a função solver será utilizada para encontrar os pontos eficientes. Serão considerados 4 ativos, IBRx50, IRF-M, IFIX e dólar, com séries históricas de retornos mensais desde agosto de 2017 a junho de 2020.

IBX50 – Índice que reflete o rendimento da bolsa brasileira, semelhante ao ibovespa, ele é composto pelas 50 empresas mais negociadas na B3, o diferencial do IBRX50 para o Ibovespa é a adição do Market cap das ações disponíveis em free float no cálculo para ponderar a representatividade de cada ação. O mercado de ações é considerado por muitos o investimento que oferece a maior rentabilidade, a troco de uma alta volatilidade, essas características tornam ações um ativo atraente para ser integrado na montagem de portfólio, onde seu risco pode ser mitigado pela diversificação.

IRF-M – Índice de títulos públicos de renda fixa divulgado pela Anbima, representa a performance dos títulos públicos pré-fixados pela simulação de uma carteira teórica com títulos LTN (pré-fixados) e NTN-F (pré-fixados com pagamento de cupons) de todas as datas de vencimentos acima de 1 mês. Instrumentos de renda fixa são outra boa opção de investimento, com baixo risco e fraca correlação com ações, seus rendimentos mais estáveis se mostram valiosos em cenários de crise econômica.

IFIX – Índice de FIIs (fundos imobiliários) que contém quase todos os FIIs negociados na B3, utiliza o market cap para a ponderação. FIIs acompanham bem o desempenho do mercado imobiliário em geral e são um ótimo hedge contra a inflação.

Dólar – A moeda americana por si só não é uma alternativa tão comum de investimento, o que a torna uma boa candidata a integrar a carteira é sua correlação negativa com ações brasileiras, sendo melhor até do que o ouro na sua função de hedgear a carteira.

A matriz de covariância pode ser obtida a partir da ferramenta de análise de dados, basta selecionar a opção de covariância e colocar no intervalo de entrada as séries de retornos, assim será a matriz será gerada, ela contém a variância dos ativos na diagonal principal e a covariância entre cada um deles. A partir da fórmula do cálculo da variância do portfólio e com o uso dessa matriz pode ser obtida a variância da carteira, multiplicando a coluna de pesos transposta pela matriz de covariância e multiplicando a linha resultante pela coluna de pesos.

O retorno do portfólio pode ser calculado com o uso da função “SOMARPRODUTO” que retorna a soma dos produtos de matrizes correspondentes, ao selecionar a coluna de pesos e a coluna de retornos esperados com essa função, o resultado obtido será o retorno esperado do portfólio.

Agora que a volatilidade e o retorno do portfólio estão prontos finalmente é hora de utilizar o Solver para encontrar as composições de menor variância. Na janela de parâmetros, o objetivo definido deve ser a célula da variância do portfólio e a opção de mínimo deve ser selecionada, a alteração de células variáveis deve ocorrer apenas na coluna de pesos e duas restrições devem ser adicionadas, a restrição fixa faz a soma dos pesos deve se igualar a 1 e a segunda restrição é o valor do retorno desejado. Ao término da computação os pesos resultantes representarão a carteira de menor volatilidade para o retorno dado. Então, ao repetir o processo diversas vezes com curtos intervalos de retorno se obtém o gráfico da fronteira eficiente.

Utilizando os pesos obtidos pode ser feito um gráfico de área para ilustrar a composição da carteira em função do risco, esse gráfico é chamado de mapa de composição, nele é representado a porcentagem da alocação em cada ativo da carteira para as diferentes volatilidades da parte superior da fronteira eficiente.

Capital Market Line

A TMP implica que não existe uma combinação possível de ativos selecionados fora da fronteira eficiente que oferece maior retorno dado determinado nível de risco, no entanto, ao levar em consideração a possibilidade de tomar emprestado ou aplicar parte do dinheiro à taxa livre de risco, é possível obter uma linha de retornos acima da fronteira eficiente, essa linha é chamada de Capital Market Line (CML).

Para o cálculo da CML é utilizado o índice de Sharpe, ele é obtido ao dividir pelo desvio padrão do portfólio o resultado da subtração do retorno do portfólio pela taxa livre de risco. Esse índice ilustra a proporção do retorno superior oferecido pela carteira ajustado ao risco, um Sharpe maior significa que há um maior retorno adquirido para cada ponto de volatilidade adicionado.

A CML é formada ligando o ponto da taxa de retorno livre de risco ao ponto do portfólio de maior índice de Sharpe da fronteira eficiente. Qualquer ponto anterior ao ponto de tangência na CML seria uma posição com a carteira parcialmente exposta ao risco do portfólio eficiente e qualquer ponto posterior seria uma carteira completamente exposta ao portfólio com tomada de empréstimo para alavancagem, isso faz com que a linha toda possua o mesmo índice de Sharpe que o portfólio de tangência, assim, por consequência, todas as alocações representadas na linha tem uma relação de risco e retorno superior aos demais portfólios na fronteira eficiente.

O gráfico abaixo ilustra a CML tendo a Selic a 2,25% como taxa livre de risco, o portfólio de tangência ficou com uma composição de 68,2% em IRF-M, 24,9% em IFIX, 3,5% em IBX50 e 3,4% em Dólar.

A equação da Capital Market Line se dá por:

$$R_p=r_f+\frac{R_T-r_f}{\sigma_T}\sigma_p$$

Onde:
\(R_p\) = retorno da CML
\(r_f\) = taxa livre de risco
\(R_T\) = retorno do portfólio de tangência
\(\sigma_T\) = desvio padrão do portfólio de tangência
\(\sigma_p\) = desvio padrão da CML

Perceba que a equação da CML consiste em uma equação de primeiro grau, tendo a taxa livre de risco como coeficiente linear, o Índice de Sharpe como coeficiente angular e \sigma_p como variável.

Teoria do Portfólio Pós-Moderna

A teoria do portfólio pós-moderna é uma versão da TMP que utiliza a semivariância como mensurador de risco. A semivariância difere da variância tradicional por levar em consideração apenas os retornos abaixo da média em seu cálculo, assim deixando de penalizar retornos positivos acima do esperado como risco. Há também o uso do índice de Sortino, feito para substituir o índice de Sharpe, que consiste em uma fórmula semelhante, com a única diferença sendo o uso da semivariância no denominador da fórmula.

A fronteira eficiente é uma importante ferramenta para a gestão de portfólio, podendo ser utilizada para auxiliar o balanceamento na alocação de ativos, nela ficam claros conceitos fundamentais da montagem de carteiras, como os princípios de diversificação e de risco e retorno.

Referências:
Markowitz, H. (1952). Portfolio Selection. The Journal of Finance, 7(1), 77. doi:10.2307/2975974
Araujo, Alcides & de Avila Montini, Alessandra. (2010). TEORIA DO PORTFÓLIO PÓS-MODERNA: UM ESTUDO SOBRE A SEMIVARIÂNCIA. 10.13140/2.1.2596.0645.
Gibson, R. C. (2013). Asset allocation: Balancing financial risk. New York: McGraw Hill Education.
Gruber, M. J., Brown, S. J., Goetzmann, W. N., & Sanvicente, A. Z. (2004). Moderna teoria de carteiras e análise de investimentos. São Paulo: Atlas.

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A relação entre inflação, juros e câmbio.

A relação entre inflação, juros e câmbio.

Introdução

As transações entre países estão cada vez mais rápidas e tenderão a evoluir conforme a globalização e a expansão da tecnologia. A necessidade de importar bens de outros países, realizar viagens internacionais ou até mesmo investir no exterior está presente na rotina de várias pessoas, junto com a dúvida de qual é o valor da sua moeda em relação ao do outro país. Com intuito de prover os primeiros passos para aqueles que desejam conhecer os fundamentos do mercado cambial, este artigo abordará como o preço dos bens e do dinheiro afetam a taxa de câmbio. Vale lembrar que existem diversas óticas para observar o mercado de câmbio a longo prazo, como a análise das transações internacionais através do balanço de pagamentos, dos efeitos da política fiscal e monetária no modelo de Mundell-Fleming conforme o regime cambial e também através da construção de portfólios, mas compreender a paridade do poder de compra e a paridade de juros é um bom começo.

A taxa de câmbio é um indicador macroeconômico que evidencia o elo econômico entre os países e representa um dos mercados mais voláteis do mundo, com baixos custos de transação, alta liquidez e velocidade de negociação. A pesquisa feita pelo Banco de Compensações Internacionais (BIS) em 2016 aponta que a captação média diária no mercado cambial foi de US$ 5,1 trilhões, sendo que os pares negociados euro-dólar e dólar-yene corresponderam a 41% de todo o mercado cambial negociado nesse ano. Por ser um ativo extremamente volátil, o dólar é considerado um instrumento de hedge pelos investidores brasileiros principalmente por ter, na maioria das vezes, correlação negativa com a bolsa brasileira. Ao atuar no mercado cambial com intuito de especular moedas e gerar lucros, é importante saber que a moeda adquirida não se multiplica pela mesma unidade monetária aplicada na transação, o investimento não gerará fluxos provenientes da aplicação. É possível lucrar através das oscilações, mas diferentemente das ações, que geram valor à uma empresa, ou uma debênture cujo investimento agregará em capital, ao comprar esse ativo de hedge o retorno estará sujeito apenas à paridade de valor com a moeda negociada bilateralmente.

Define-se taxa de câmbio como o preço de uma moeda em relação a outra. Quando se diz que o câmbio dólar real é de US$/R$ 5,00, isso significa que é necessário R$ 5,00 para comprar US$1,00 e alcunha-se a cotação em termo direto, isto é, quando a unidade monetária estrangeira é expressa em relação à unidade monetária nacional. Como a taxa de câmbio é a relação de troca entre duas moedas diferentes, ela é definida a partir da oferta de divisas -provenientes dos exportadores, entrada de turistas e capital externo e dos demais agentes que trocam dólares por reais – em comparação com a demanda por divisas entregue pelos importadores, pela saída de turistas e capitais externos e de outros agentes que trocam reais por dólares. A oscilação da cotação do câmbio pode ocorrer de duas formas: Quando há uma maior oferta de divisas, significa que tem mais moeda internacional em circulação do que moeda nacional e a taxa de câmbio é reduzida, esse fenômeno é chamado de valorização cambial. Caso aumente a demanda por divisas, a cotação do câmbio aumenta e ocorre a desvalorização na taxa de câmbio.

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Paridade de poder de Compra

A paridade de poder de compra (PPC), ou lei do preço único, tem o conceito de que em um mundo ausente de barreiras ao livre comércio entre países o preço de um mesmo bem deverá ser o mesmo em qualquer lugar ao mesmo tempo. Proveniente disso, a taxa de câmbio oscilará em torno de um valor de equilíbrio a longo prazo para garantir a igualdade dos preços dos bens em diferentes moedas. As principais hipóteses para PPC ser válida são:

  1. Não há barreiras comerciais ou arbitragem entre os bens
  2. Não há custo de transações entre os países
  3. Os bens negociados entre os países são perfeitamente homogêneos

Ou seja, como a taxa de câmbio é o preço que equilibra as ofertas e demandas por moeda estrangeira no mercado de câmbio, a paridade de poder de compra é uma forma de garantir que os negociantes não pratiquem arbitragem de moedas entre os países. Define-se arbitragem o processo de comprar um ativo por um preço mais barato e vendê-lo mais caro em outro mercado, o mecanismo funciona da seguinte forma: Considere que a taxa de câmbio entre dólar e euro seja de US$/€ 1,10 em Nova York e em Londres a taxa de câmbio seja US$/€ 1,20. O investidor poderá converter US$ 1,1 milhão para euros em Nova York e receberá € 1 milhão conforme a taxa de câmbio local, em seguida ele converterá todo o euro recebido para dólar vendendo-o no mercado de câmbio em Londres, recebendo US$ 1,2 milhão graças à taxa de câmbio local e auferirá um lucro de US$ 100 mil apenas arbitrando entre duas moedas. Essa é uma estratégia que investidores exploram sempre que possível pelo simples fato de que pessoas preferem mais dinheiro ao invés de menos e, apesar do exemplo considerar o mercado de moedas, a arbitragem poderá ser explorada para qualquer ativo quando a hipótese do preço único de que dois fluxos de caixa idênticos devem ter o mesmo preço for quebrada. Ao abrir essa janela de oportunidade, o investidor fará um short selling e auferirá lucro positivo com risco zero.

Ao lidar com o mercado cambial de dois países nem sempre será possível arbitrar, o mais provável será explorar a desvalorização relativa condicionada quando a taxa de câmbio não estiver em seu equilíbrio de longo prazo conforme a PPC. Aqui vale o exemplo de um comprador que deseja adquirir uma moto negociada tanto na Alemanha quanto na República Tchéquia, dado a hipótese de que a moto é um produto homogêneo entre os países e equivale a cesta de bens definitiva para PPC ser válida. O consumidor observa que a taxa de câmbio entre os países está em Kč/€ 20, verifica os preços e percebe que a moto vale € 10.000 na Alemanha e Kč 100.000 na República Tchéquia, então a taxa de câmbio de equilíbrio entre o euro e a coroa tchéquia será de €/Kč 10. As hipóteses implicam que a coroa tchéquia está significativamente desvalorizada em relação à PPC e deve-se apreciar ao passar do tempo, permitindo ao comprador em euro adquirir o produto na República Tcheca por um preço menor. Essa vantagem comercial será inibida quando todos os consumidores perceberem que a moeda tchéquia está mais barata que o euro, aumentando a demanda por bens desse país através de uma maior oferta de euro, levando a apreciação da moeda local até o nível de equilíbrio de longo prazo. Ao abstrair esse exemplo numa situação onde o preço dos bens oscila dentro do próprio país, o consumidor considerará a taxa de câmbio real para tomar decisão por desejar descontar os efeitos inflacionários, esse comportamento trará uma relação intrínseca entre paridade de poder de compra e taxa de câmbio real. Se a PPC é válida no longo prazo, então a taxa de câmbio real será constante pelo fato da PPC garantir o diferencial de preços entre os países com os ajustes devidos da taxa de câmbio nominal e, salvo os impactos econômicos proveniente desses ajustes no curto prazo, a taxa de câmbio real sempre tenderá a sua média histórica enquanto a PPC for válida. Quando a taxa de câmbio real é constante, a competitividade dos preços dos bens transacionados entre os países é mantida pelo seguinte mecanismo: Quando um país sofre um aumento inflacionário, os bens negociáveis tornam-se menos competitivos por apresentarem preços maiores e, ao invés de tomar a depreciação da taxa de câmbio nominal para “contrabalancear” o efeito, a taxa de câmbio real deixa de apreciar (através do aumento inflacionário) por manter-se constante ao longo do tempo. Vale esclarecer o argumento pelo fato de que se ganha competitividade não através de uma desvalorização nominal do câmbio, mas através da desvalorização real da taxa de câmbio.

Nas condições práticas, o investidor deve reconhecer que outros fatores influenciam na taxa de câmbio e que as premissas da PPC são frágeis. É de amplo conhecimento que não existe livre negociação entre os países, a exemplo da guerra comercial entre Estados Unidos e China, assim como os mecanismos de ajustamento da taxa de câmbio não são necessariamente imediatos por conta de que não apenas os bens – cujos preços não são necessariamente flexíveis – afetam na oferta e demanda por câmbio, mas também os ativos financeiros transacionados entre os países, sem contar que a heterogeneidade dos bens fará com que a cesta de bens analisada entre os dois países seja inconsistente para determinar a verdadeira PPC. Essas condicionantes devem ser consideradas no curto prazo, mas a longo prazo a PPC é uma boa ferramenta para determinar a taxa de câmbio de equilíbrio. O método de PPC mais conhecido entre os analistas é o Big Mac Index desenvolvido pela revista The Economist, .

Mecanismo de transmissão e a Paridade de Juros.

A Teoria Quantitativa da Moeda afirma que os preços de uma determinada economia estarão relacionados com a quantidade de moedas em circulação. Através desse pilar da teoria clássica pode-se assumir que a política monetária – determinada pelo Banco Central – translada efeitos entre oferta monetária e preços e, conforme observado anteriormente, os preços dos bens em um país influenciarão na PPC e em sua respectiva taxa de câmbio de longo prazo, ou seja, a política monetária fornece um mecanismo de transmissão que impacta taxa de câmbio através dos preços. Ao determinar o quanto de moeda deseja distribuir na economia, a autoridade monetária irá precificá-la ao equilibrar a oferta à demanda exigida. Ao depararem-se com a taxa de juros definida do seu país em relação ao mundo num cenário de livre mobilidade de capitais, as pessoas escolhem entre manter parte do dinheiro em mãos ou aplicá-los em títulos de investimento proporcionais às taxas de juros. Isto é, as pessoas sempre comparam quais as taxas de juros mais atrativas para elas e aplicam seu dinheiro onde for mais rentável, dado o quanto ela é propensa ao risco, e optam por manterem em mãos parte do dinheiro que pretendem usufruir para consumirem bens e serviços. Caso o investidor enxergue uma taxa de juros mais atrativa no exterior, ele oferecerá sua moeda em troca da estrangeira e irá adquirir o título de investimento estrangeiro que lhe for conveniente, desvalorizando a moeda onde reside. Por esses fatores, a política monetária também é um mecanismo de transmissão que impacta taxa de câmbio através da taxa de juros. Na prática, esse mecanismo de transmissão não é instantâneo e esse atraso afetará na tomada de decisão de um investidor.

Resumindo, o preço dos bens define a taxa de câmbio e parte da condição de equilíbrio é dada pela paridade de poder de compra, assim como a taxa de juros também afeta taxa de câmbio. Antes de descrever qual a condição de equilíbrio da taxa de câmbio pela ótica monetária, entenda o raciocínio dos investidores: Se o investimento no exterior depende da taxa de câmbio e da taxa de juros externa e o investimento interno apenas da taxa de juros interna, como definir qual terá o maior retorno? Simplificando a questão, considere um investidor nos Estados Unidos que compara entre investir no seu país ou investir na Europa, se ele usar dólares para comprar um depósito em euro, quantos dólares receberá após um ano? Ele observa as seguintes condições de mercado:

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Considerando que a expectativa da taxa de câmbio esteja correta, o investidor seguirá os seguintes passos: Primeiro, ele converterá US$ 1,10 em euro e terá € 1,00. Sabendo que o título europeu renderá 5% ao ano, então no final do período obterá € 1,05. Como o investidor aguarda uma desvalorização, então ele converterá esse euro em dólar cujo resultado será a multiplicação da expectativa do câmbio com a rentabilidade obtida (€ 1,05 vezes US$/€ 1,20 = US$ 1,26). Ao final dessa operação, o retorno do investimento foi de 14,54% ao ano e será mais vantajoso investir na Europa do que nos Estados Unidos, pois mesmo a taxa de juros exterior sendo menor ela é compensada por uma desvalorização significativa da taxa de câmbio.

Os incentivos para se investir no exterior é que os depósitos externos tenham retornos esperados maiores com base nas expectativas de desvalorização cambial e taxa de juros, mas existe uma condição que acalma os ânimos dos mercados e impõe indiferença entre os investimentos dos países e iguala. Essa neutralização ocorre quando o mercado de câmbio está em equilíbrio, isto é, os depósitos em todas as moedas oferecem a mesma taxa de retorno esperada. A condição de paridade de juros implica que os detentores potenciais de depósitos em moeda estrangeira consideram esses depósitos como ativos igualmente atraentes e, nesse ponto, não há excessos de oferta e de demanda, os depósitos ficam equilibrados e todas as taxas de retorno esperada são iguais. Em termos gerais, a paridade de juros – Interest Rate Parity – assume que a variação da taxa de juros é igual à taxa de câmbio futura em função do prêmio ou desconto ao investir no estrangeiro, implicando que o câmbio futuro – termo referente quando a liquidação do contrato se dá em dois dias ou mais – entre duas moedas deve se igualar ao diferencial de juros conforme o prêmio ou desconto do país. Como os contratos futuros são instrumentos sujeitos às condições de oferta e demanda do mercado, o prêmio ou desconto podem oscilar da sua condição de equilíbrio e oferecem uma janela de arbitragem nessa ocasião.

No cenário de ruptura da paridade de juros, pode-se aplicar a estratégia de carry trade ilustrada no seguinte exemplo: Suponha que títulos brasileiros tenham maiores rendimentos que os títulos chilenos por conta do desequilíbrio entre o diferencial de juros e taxa de câmbio, isso implica que os chilenos irão se endividar em moeda local (pois eles apresentam taxas de juros menores) e demandarão títulos brasileiros, nessa operação a rentabilidade deles oferecerá margem suficiente para pagar os empréstimos tomados e e ainda obter lucros positivos. Enquanto essa janela estiver aberta, os chilenos continuarão a realizar essa operação e os preços dos títulos brasileiros se elevará ao ponto de reduzir o diferencial de juros ao nível de equilíbrio, exaurindo a oportunidade ao voltar à paridade de juros. Na realidade, essa estratégia é complexa de ser aplicada e requer uma compreensão minuciosa de como calcular o prêmio de risco na curva de juros. Através desses insights, podemos entender como a paridade de juros e a paridade de poder de compra se relacionam.

Considerações sobre a Paridade de Juros e Paridade de Poder de Compra

Descrevemos que a paridade de juros relaciona o preço da moeda com a taxa de câmbio e que a paridade de poder de compra estabelece a relação entre o preço dos bens com a taxa de câmbio, essas condições clássicas de paridade permitem a expansão de teorias entorno dos mercados de bens, monetário e cambial. Uma dessas combinações é a famosa extensão do efeito Fisher: a variação entre taxas de juros no modelo nacional é igual à variação da inflação e, no modelo internacional, a variação entre taxa de juros é igual a variação da expectativa da taxa de câmbio. As relações impostas pelo efeito Fisher permitem as projeções da taxa de câmbio e inflação dada a taxa de juros caso as paridades clássicas sejam válidas.

Cumby e Obstefeld (1982) afirmam que o mercado de bens e de ativos são cruciais para a determinação da taxa de câmbio, sendo necessário um estado de equilíbrio entre os dois mercados para que haja a determinação do terceiro, dado que a paridade do poder de compra determina a relação entre nível de preços e taxa de câmbio e a paridade de juros mantém a taxa de câmbio futura conexa à taxa nominal de juros. O pressuposto da pesquisa assume que se ambas as condições clássicas de paridade são verdadeiras no curto prazo, a política monetária não poderá influenciar a taxa de juros real ex ante, isto é, o rendimento real dos ativos não será abalada por qualquer decisão da autoridade monetária. Entretanto, caso uma das relações de paridade venham a falhar por conta de incertezas ou aversão a riscos, a política monetária terá efeitos sobre a taxa de juros real ex ante e poderá haver um desequilíbrio entre a taxa de juros internacional e a do seu próprio país. A pesquisa traz consigo aplicações reais das teorias de paridade e conclui a necessidade de outros métodos para a formulação de uma taxa de câmbio de equilíbrio que correspondam a macroeconomia atual, mas mantém a validade delas em economias pequenas e abertas. Por mais que as paridades clássicas não se adequem de forma perfeita à realidade e necessitem de outras métricas para estimarem a taxa de câmbio, elas são os pilares para a compreensão do mecanismo básico que rege as leis da oferta e demanda no mercado monetário de qualquer país. Essas teorias são utilizadas principalmente para desvendar os rumos da taxa de câmbio a longo prazo, onde os efeitos de seus mecanismos de transmissão são observáveis, e devem ser complementadas conforme o horizonte temporal de quem deseja estimar o preço relativo das moedas.

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Referências:

Rudiger Dornbusch, 1980. “Exchange Rate Risk and the Macroeconomics of Exchange Rate Determination,” NBER Working Papers 0493, National Bureau of Economic Research, Inc.

Rudiger Dornbusch, 1976. “Expectations and Exchange Rate Dynamics,” The Journal of Political Economy, Volume 84, issue 6(Dec.,1976), 1161-1176.

Callum Henderson, 2012. Currency Strategy: The Practitioner’s Guide to Currency Investing, Hedging and Forecasting, 2º edição. John Wiley & Sons Ltd, The Atrium, Southern Gate, Chichester, West Sussex PO19 8SQ, England.

CUMBY, R. E. OBSTFELD, M. (1982). International Interest-Rate and Price-Level Linkages Under Flexible Exchange Rates: A Review of Recent Evidence, NBER Working Papers, n. 0921, National Bureau of Economic Research.

Cristina Terra, 2014. Finanças Internacionais: Macroeconomia Aberta, 1º edição. Elsevier Editora LTDA.

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Fluxo de Caixa em Risco

Fluxo de Caixa em Risco

Na trajetória sobre quantificação de riscos analisa-se também ativos não financeiros, para isso aborda-se, neste artigo, o modelo denominado Cash-Flow-at-Risk (CFAR), um modelo que utiliza a mesma metodologia do Value-at-Risk, mas modificado para mensurar os riscos do setor corporativo.

A definição do CFAR se assimila a do VaR sendo aquele a pior perda nos fluxos de caixa em determinados nível de confiança e período. O horizonte de tempo é selecionado, geralmente, para corresponder a um ciclo de planejamento corporativo.

Para distinção entre os riscos financeiros e corporativos há duas categorias de preços de mercado, as exposições a valor (Value-exposures) e exposições a fluxo de caixa (Cash Flow-Exposures). As exposições a valor refletem ativos como portfólios com taxas de juros fixas, moedas estrangeiras ou estoque de matéria prima, para modelá-las e mensurá-las, utiliza-se o VaR.

Exposições a fluxo de caixa incluem pagamentos fixos e posições nas quais o fluxo de caixa é incerto e não pode ser agregado diretamente a um valor presente. Por exemplo, vendas futuras ou gastos com matérias primas, desde que não seja possível prever, seguramente, as quantidades necessárias. A dependência entre os riscos dos preços e dos gastos de uma companhia podem ser modelados, enquanto mapear as dependências entre preços e vendas é mais desafiador.

Modelando a incerteza

Para modelagem de riscos nas empresas deve-se levar em conta o viés de operação, a incerteza dos fluxos de caixa futuros e a dependência entre as mudanças nos preços do mercado e nos lucros, requerendo, para isso, modelos flexí­veis. Como exemplo, uma mudança na taxa de câmbio pode afetar de maneira significante as vendas de uma empresa exportadora.

Nesse contexto, algumas modificações ao modelo de Value-at-Risk devem ser efetuadas. Como fluxos de caixa são incertos, não se pode determinar um valor presente, portanto, ao invés de analisar apenas o valor presente, será feita a análise baseada em todos os fluxos de caixa e ao invés de olhar apenas para a distribuição de riscos ao fim do horizonte de tempo, simula-se todo o trajeto desse fator de risco durante o período analisado.

Para o processo de simulação, será utilizado o Passeio Aleatório. Passeio Aleatório é um processo aleatório e sua escolha se baseia na ideia de que os fatores de risco, assim como os preços, só mudam quando os participantes do mercado obtêm novas informações. Se e quando as novas informações estiverem disponí­veis dependerá do acaso. Para utilizá-lo poderá ser feita a combinação do processo estocástico (Passeio Aleatório) com uma tendência (componente determinístico).

Ao realizar as simulações é necessário separar dois diferentes pontos de vista. Primeiro, receita e custos da companhia podem ser considerados, isso é a base para o modelo de CFAR. Segundo, o estabelecimento de pedidos e despesas pode ser simulado nas planilhas de balanço, representando o modelo de Earnings-at-Risk.

Como exemplo, a compra de matérias primas resulta e custos imediatos, mas não necessariamente despesas. A matéria prima só cria despesas ao entrar no processo de produção, portanto, nem todo custo culmina, de uma só vez, em despesas contábeis. Observa-se que a diferença entre modelos de fluxo de caixa (CFAR) e de ganhos (EAR) está nas diferentes inputs, sendo a modelagem matemática idêntica.

Independentemente do modelo escolhido, com ajuda de processos estocásticos pode-se simular quantos cenários de evolução de variáveis necessários. Na realização de aproximadamente 10.000 simulações, pode ser construída uma distribuição com intervalos de confiança bicaudal, na qual o intervalo depende da escolha da probabilidade pelo analista.

Mensuração do CFAR

O primeiro passo na mensuração de risco por meio do CFAR é a criação de um Mapa de Exposição, construído de maneira diferente por cada companhia baseado nos riscos enfrentados em seus setores. Nesse mapa, são identificadas todas as dependências entre volume de vendas e preços, seu objetivo é descrever como receita e despesas da companhia mudam de acordo com variações nos preços enfrentados.

A título de exemplo, pode-se analisar fluxos de caixa contratuais, tal como um contrato de venda de bens em moeda estrangeira, como o dólar. Esse contrato pode ser mapeado como uma posição comprada em dólar, com uma exposição econômica (ou exposição de ganhos) igual ao valor nocional do contrato.

O passo seguinte consiste em descrever a distribuição de risco das variáveis chave para a empresa, como preço de commodities, taxas de juros e taxas de câmbio. No exemplo utilizado anteriormente, seria modelada a evolução da taxa de câmbio BRL/USD, a qual pode ser feita por meio de Simulações de Monte Carlo.

Finalmente, as variáveis financeiras modeladas precisam ser atribuí­das às respectivas exposições econômicas, tornando possível a simulação do fluxo de caixa completo. Esta culmina em uma distribuição de ganhos que pode ser analisada de maneira idêntica ao VaR.

Modelando a exposição econômica

Neste tópico será apresentado apenas um modo de analisar os efeitos de variações no mercado em que a empresa está incluída com o intuito de apresentar a noção de modelagem. O gestor deve ter em vista que diferentes fatores podem ser levados em conta, atribuindo maior ou menor complexidade ao modelo, sua elaboração depende dos setores e indicadores aos quais a empresa está exposta, sendo necessária a adequação para cada realidade.

Seguindo o exemplo do exportador deve-se perguntar: como a taxa de câmbio afeta as receitas? Se a companhia compete com firmas nacionais, a apreciação do real afetará todas as exportadoras igualmente e elas podem ser capazes de aumentar os preços em dólar para cobrir seus custos no caso de a demanda pelo produto ser inelástica. Entretanto, se a companhia compete com exportadores estrangeiros, há possibilidade dela não ser capaz de aumentar os preços, culminando em perdas potencialmente grandes. Esses são casos de baixa e alta exposição ao câmbio.

Para generalizar a modelagem, pode-se escrever as receitas como função do preço do produto em moeda estrangeira (P), da quantidade vendida (Q) e da taxa de câmbio (S) expressa em reais. Assume-se que o preço P é estabelecido para manter Q e a elasticidade de P* em relação a S é η (taxa de mudança em P* dado uma mudança em S). Define-se a Elasticidade η como:

Se as quantidades não forem alteradas, pode-se escrever a receita em reais, ao isolar e , e substituí­-los, como:

Considerando que o exportador não tenha poder sobre o mercado, o preço em moeda estrangeira estabelecido pela companhia não pode ser afetado pela taxa de câmbio implicando que η=0. Nesse caso as receitas vão cair na mesma medida que a moeda deprecia em S.

No caso de o preço ser estabelecido em reais, qualquer depreciação do dólar pode ser balanceada por um aumento no preço P*. No caso de uma compensação perfeita η=-1 então os termos se cancelam e as receitas em dólar não são afetadas.

Por fim, num caso intermediário, o exportador pode ser capaz de compensar apenas parcialmente a queda na taxa de câmbio. Por exemplo, se η=-0,5, há necessidade de adequar as simulações de Monte Carlo utilizadas para derivar a distribuição de fluxos de caixa fazendo com que leve em conta o efeito da competitividade.

CFAR Aplicado

Analisando uma fábrica de ferramentas brasileira, que produz martelos e chaves inglesas, que são vendidos em caixas de 100 unidades. Uma caixa de martelos utiliza 50 kg de madeira e 100 kg de aço, enquanto uma caixa de chaves inglesas utiliza 10 kg de alumínio e 25 kg de cobre. O preço de venda de uma caixa de martelos é de US$ 110,00 e uma de chaves inglesas R$ 230,00.

Todas as matérias primas são negociadas em dólar, assim como as mercadorias prontas que são exportadas, além disso, a forte competição do setor não permite que mudanças no preço das matérias primas ou apreciação do câmbio sejam repassadas para os consumidores por meio de aumento de preços.

No dia 28/05/2020, o departamento de vendas da empresa planeja vender mensalmente 1000 caixas de martelos e 500 caixas de chaves inglesas, pelos próximos 12 meses, com variação de até 10%. Portanto, as vendas mensais de martelos serão entre 900 e 1100 caixas, assumindo um desvio padrão de 100, e as vendas de chaves inglesas entre 450 e 550, com desvio padrão de 50.

Primeiramente, monta-se um mapa de exposição, no qual todas as dependências entre volume de vendas e preços são sistematicamente identificadas. Para a companhia analisada, o mapa de exposição é composto por 4 equações e por simplificação assume-se que não há necessidade de estoques. No início de cada mês, as matérias primas são adquiridas e no fim do mês os compradores realizam o pagamento, ou seja, os custos em moeda estrangeira ocorrem no início do mês enquanto as receitas ocorrem no início do mês seguinte. Considerando tempos do transporte, da transferência de fundos e da janela de pagamento, sempre há demora entre o pagamento das matérias primas e venda do produto final, fazendo com que os pagamentos sejam feitos com taxas de câmbio diferentes.

Para ser capaz de lidar com aumentos inesperados no preço das matérias primas, o fluxo de caixa é calculado após subtrair os gastos com estas. Por exemplo, para vendas efetuadas no mês de janeiro, os custos com a matéria prima necessária são subtraí­dos.

Para cada um dos cinco fatores de risco relevantes (preços da madeira, aço, alumínio e cobre e taxa de câmbio BRL/USD) simula-se 10.000 caminhos para os próximos 12 meses (horizonte de planejamento). Estes 10.000 cenários, para os quais são modelados resultados nas mudanças nos fatores de risco com ajuda do mapa de exposição, permitem a simulação de 10.000 fluxos de caixa para o horizonte analisado, permitindo a estimação da distribuição dos fluxos de caixa do ano.

As simulações de Monte Carlo realizadas em R, com evolução baseada no Modelo Browniano Geométrico, foram realizadas utilizando dados da FactSet e agora permitem que sejam simulados os fluxos de caixa de cada um dos meses seguintes ao ponderar pelas quatro equações formadas de acordo com o operacional da empresa:

Agregando as simulações de resultados mensais chega-se à  Distribuição de Resultados Operacionais Anuais, sobre a qual calcula-se um CFAR de R$ 5.080.909,57 com um nível de confiança de 95%, como a distribuição analisada é a distribuição de ganhos, interpreta-se o valor como: o fluxo de caixa com pior desempenho dentre os simulados representa um lucro operacional de R$ 5.080.909,57 reais, com nível de confiança de 95% sobre um período de 12 meses. Já a linha que compreende os 5% melhores resultados da distribuição de ganhos representa um fluxo de caixa de R$ 5.386.815,92.

Por fim, delibera-se que o exemplo utilizado não aborda custos com salários, aluguéis e operação, porém essa abordagem é suscetí­vel à  modelagem das exposições e da operação da empresa, podendo ser aprofundada de acordo com a necessidades do gestor de riscos. O modelo Cash-Flow-at-Risk é o primeiro a abordar de maneira quantificável os riscos enfrentados por instituições não-financeiras e sua utilização tende a aumentar, tornando-se uma maneira eficiente de comparação entre diferentes setores do mercado.

Referências

Jorion, P. 2006. Value at Risk: The New Benchmark for Managing Financial Risk. McGraw-Hill.

Perobelli, F. F., & Securato, J. R. 2005. “Modelo para mediação do fluxo de caixa em risco: aplicação a distribuidoras de energia elétrica.”. Revista de Administração de Empresas

Wiedemann, A., Hager, P., & Roehrl, A. 2003. Integrated Risk Management with Cash-Flow-at-Risk/Earnings-at-Risk methods. RiskNET.

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Introdução à Demonstração do Fluxo de Caixa

Introdução à Demonstração do Fluxo de Caixa

A Demonstração do Fluxo de Caixa (DFC) fornece informações sobre todas as transações que movimentaram a conta caixa de uma determinada companhia, ou seja, as entradas e saídas que ocorreram em um período específico.

Mas por que é importante analisar uma demonstração de fluxo de caixa? As outras demonstrações não são suficientes? Estas são algumas questões que serão abordadas ao longo do artigo.

Existem dois métodos de contabilização de resultados, o regime de competência e o regime de caixa. No regime de competência, os eventos (transações) são reconhecidos no momento em que esses ocorrem, sem levar em consideração se houve o recebimento ou pagamento. Ou seja, a receita será contabilizada no momento em que for gerada, independente do recebimento total ou parcial, o mesmo acontece com as despesas. Portanto, o lucro de uma empresa, pelo regime de competência, levará em consideração todas as receitas e despesas que ocorreram durante o período, porém, o resultado pode não estar refletido, de fato, no caixa da companhia. Um exemplo de relatório que é contabilizado pelo regime de competência é a Demonstração do Resultado do Exercício (DRE).

No regime de caixa, os eventos são reconhecidos apenas no momento em que houver o recebimento ou pagamento. Portanto, a receita será considerada apenas quando houver entrada de dinheiro no caixa, e as despesas quando houver saída de dinheiro do caixa. Por exemplo, considere uma venda parcelada, onde uma parte da receita será recebida apenas no ano seguinte, pelo regime de competência o valor total da venda será considerado no ano atual, porém, pelo regime de caixa, apenas as parcelas efetivamente pagas serão consideradas. Dessa forma, o lucro de uma empresa considerará as entradas e saídas de caixa que ocorreram durante o período analisado. A Demonstração do Fluxo de Caixa é desenvolvida a partir do regime de caixa.

Existem movimentações no caixa que não estão diretamente relacionadas às operações, ou atividade-fim da empresa, como é o caso de empréstimos ou pagamento de dividendos. Por outro lado, também existem transações que não afetam diretamente o caixa da companhia, que são contabilizadas como custo ou despesa, mas não correspondem a uma entrada ou saída de dinheiro no caixa, como, por exemplo, depreciação e amortização. Esses são apenas alguns motivos que demonstram a importância dos diversos relatórios contábeis na análise da estrutura financeira de uma companhia.

Estrutura da DFC

A DFC é dividida em três seções, de acordo com a natureza da atividade.

  • Atividades Operacionais
  • Atividades de Investimento
  • Atividades de Financiamento

Fluxo de Caixa das Atividades Operacionais

Fluxos de caixa provenientes das atividades relacionadas a operação da companhia, como a venda de produtos ou prestação de serviços.

A partir da análise do fluxo de caixa operacional, podemos entender melhor se a atividade-fim da empresa está gerando caixa. Mesmo gerando uma quantia significativa de receita, com o fluxo de caixa operacional podemos comparar essa receita com os gastos relacionados e avaliar se a empresa consegue honrar suas obrigações a partir da sua própria receita, ou se são necessários aportes para manter as atividades.

Exemplo de Movimentações:

  • Venda de produtos ou prestação de serviços;
  • Recebimento de juros;
  • Recebimento de dividendos e juros sobre capital próprio;
  • Pagamento de salários;
  • Pagamento de fornecedores;
  • Pagamento de juros;
  • Pagamentos de impostos.

De acordo com o IASB¹ por não haver um consenso, os juros, dividendos e juros sobre capital próprio, pagos e recebidos, podem ser classificados como atividades operacionais ou de financiamento.

Porém, o Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC) recomenda que as entidades classifiquem os juros, recebidos ou pagos, e os dividendos e juros sobre o capital próprio recebidos como atividades operacionais, e os dividendos e juros sobre capital próprio pagos como atividades de financiamento.

Caso optem por uma classificação alternativa, devem evidenciar o fato por meio de nota explicativa.


Fluxo de Caixa das Atividades de Investimento

Fluxo de caixa proveniente das alterações nos ativos de longo prazo, como investimentos não considerados equivalentes de caixa e movimentações relacionadas com despesas de capital (CAPEX), como aquisição ou venda de imobilizados ou intangíveis. O dispêndio de caixa em atividades de investimento possui a finalidade de gerar fluxos de caixa positivos para empresas em crescimento ou, para empresas que não estão expandindo suas operações, será apenas para cobrir sua depreciação no período. Caso o CAPEX seja menor que a depreciação, a empresa está deixando de renovar/manter seus ativos.

Exemplo de Movimentações:

  • Aquisição ou venda de Imobilizado e Intangível;
  • Compra de participação societária em outras empresas;
  • Aplicações financeiras não consideradas equivalentes de caixa.


Fluxo de Caixa das Atividades de Financiamento

Fluxo de caixa decorrente do recebimento e pagamento de financiamentos, que podem ser obtidos através de acionistas ou credores externos. A partir da análise desta seção podemos prever futuras demandas de fluxos de caixa dos fornecedores de capital.

Exemplo de Movimentações:

  • Emissão de ações;
  • Emissão de debêntures;
  • Pagamento de dividendos e juros sobre capital próprio;
  • Recompra de ações;
  • Amortização de empréstimos.


MÉTODO DIRETO

O método direto é elaborado com todas as informações disponíveis na tesouraria, registrando cada entrada e saída no momento em que houve o efetivo recebimento ou pagamento, por fonte. De forma mais simples, as informações contidas na DRE são convertidas para o regime de caixa.

A estrutura dos fluxos de caixa das atividades de investimento e financiamento serão idênticos nos métodos direto e indireto.

A seguir é apresentado um exemplo simplificado da estrutura de uma demonstração de fluxo de caixa pelo método direto.


MÉTODO INDIRETO

O fluxo de caixa pelo método indireto é elaborado a partir da reconciliação entre o lucro líquido e as movimentações de caixa da companhia, usando as informações obtidas através das demonstrações já elaboradas, como DRE e Balanço Patrimonial.

Como vimos anteriormente, o lucro líquido informado na DRE pelo regime de competência pode não refletir exatamente o caixa da companhia, principalmente devido a recebimentos e pagamentos parcelados. Além disso, no lucro líquido são consideradas contas como depreciação e amortização, que não afetam diretamente o caixa. A partir disso, são feitos ajustes de adição ou subtração ao Lucro Líquido.

Independentemente do método utilizado – direto ou indireto – o resultado final deve convergir para o mesmo valor, idêntico ao reportado no Balanço Patrimonial.

O método indireto é o mais utilizado pelas instituições, devido a facilidade de padronização na elaboração da DFC e caso optem pelo método direto, é necessária uma Nota Explicativa evidenciando a conciliação com o Lucro Líquido.

Como exemplo do método indireto, é apresentado a seguir o fluxo de caixa simplificado dos anos de 2018 e 2019 da empresa M. Dias Branco.


Como Analisar um Fluxo de Caixa

Analisar individualmente a DFC pode ajudar o analista a entender melhor a estrutura financeira da companhia e como seus recursos estão sendo geridos. Alguns índices podem ser usados para analisar um fluxo de caixa de uma companhia, e servir como base para uma análise comparativa entre empresas.

O fluxo de caixa da empresa M. Dias Branco, apresentado anteriormente, será usado como base para os exemplos.


Índices de Performance

Fluxo de Caixa Operacional por Receita

Expressado em porcentagem, indica qual foi o percentual da receita operacional líquida convertido em caixa, ou seja, a capacidade da empresa em transformar suas vendas em dinheiro.

Exemplo (M. Dias Branco):

Em 2019, a companhia converteu 11% da sua receita operacional em caixa operacional, houve uma variação negativa de 2%, em comparação com os resultados de 2018. Analisando os valores de receita e fluxo de caixa, percebe-se que o aumento de receita não foi acompanhado pelo fluxo de caixa operacional. Analisando o fluxo de caixa da companhia, é possível notar uma retração do lucro líquido, tal retração está relacionada a diminuição do EBITDA no ano de 2019, que deu-se, principalmente pelo aumento de 13,5% no custo médio do trigo.

IMPORTANTE: Uma análise qualitativa sobre as informações financeiras da empresa é de extrema importância para entender os motivos das variações nos índices. Além disso, a análise se torna mais eficaz quando feita uma comparação com os principais competidores da empresa.

Fluxo de Caixa Operacional por Patrimônio Líquido

Semelhante ao ROE (Return on Equity), porém, nesse caso o lucro líquido é substituído pelo fluxo de caixa operacional, portanto, esse índice permite analisar a eficiência da companhia em gerar caixa a partir dos recursos próprios.

Exemplo (M. Dias Branco):

Analisando o retorno sobre o patrimônio líquido, nota-se uma certa semelhança com o primeiro índice, que usava como base a receita operacional. Porém, podemos perceber que além de o caixa operacional não acompanhar o crescimento do capital, a variação do patrimônio líquido foi maior que a observada na receita operacional, devido a isso, a variação de ano contra ano do índice foi de -3%.

Fluxo de Caixa Livre por Receita

Comparável com o primeiro índice apresentado, a diferença é que nesse caso usamos o fluxo de caixa livre para comparar com a receita operacional líquida, e não o caixa operacional.

O Fluxo de Caixa Livre(FCF) é o caixa gerado após descontada as despesas necessárias para manter as operações da companhia. É calculado subtraindo as despesas de capital do caixa operacional.

Exemplo (M. Dias Branco):

Em 2019, a companhia converteu 6% da sua receita operacional em caixa livre, também houve uma variação negativa de 2% em comparação com os resultados de 2018. Podemos perceber que além do caixa operacional não acompanhar a receita, como mencionado anteriormente, é possível notar um aumento nas despesas de capital devido ao maior pagamento de imobilizado e licenças de software, o que impactou diretamente no fluxo de caixa livre, e consequentemente, no índice analisado.

Fluxo de Caixa Operacional por Ação

Como o próprio nome deixa claro, este índice fornece o quanto de caixa operacional foi gerado por ação da companhia. É comparável com o índice Lucro por Ação (LPA).

Exemplo (M. Dias Branco):

Como os valores do fluxo de caixa estão em milhões, o número de ações também foi ajustado para a mesma base. É importante frisar que a companhia é listada no Novo Mercado, devido a isso, só possui ações ordinárias, portanto, não há pagamento de dividendos preferenciais. Também é necessário tomar cuidado com o número de ações da empresa, muitas vezes ocorrem novas emissões de ações, e estas devem ser levadas em consideração para uma análise mais precisa.

Fluxo de Caixa Livre por Ação

Semelhante ao índice anterior, o fluxo de caixa livre por ação vai nos fornecer a informação de quanto caixa livre foi gerado por ação da companhia.

Exemplo (M. Dias Branco):

Rendimento do Fluxo de Caixa Livre

A partir do fluxo de caixa livre por ação, podemos calcular o Rendimento do Fluxo de Caixa Livre ou Free Cash Flow Yield, um bom indicador de desempenho operacional.

O fluxo de caixa livre indica se a empresa está gerando caixa com suas operações ou consumindo. Portanto, este índice irá indicar a quantidade de retorno que um acionista terá, por ação, considerando apenas o caixa livre. Também é um bom indicador de preço futuro da ação, pois um retorno maior por ação irá atrair novos investidores, pressionando o preço para cima, ou vice-versa.

Exemplo (M. Dias Branco):

Para o exemplo, foi considerado o preço da ação no último dia útil de negociação de cada ano. Quanto maior o percentual, mais interessante é para o investidor. Porém, para uma análise mais precisa, quando se trata de percentuais, é necessária uma análise comparativa com outras companhias, principalmente com as que atuam no mesmo setor.


Conclusão

A Demonstração do Fluxo de Caixa é um importante relatório contábil que, se analisado em conjunto com outras demonstrações contábeis, como a DRE e o Balanço Patrimonial, pode fornecer informações valiosas para uma análise precisa e minuciosa da estrutura financeira e desempenho operacional de uma determinada companhia.


Notas

  1. International Accounting Standards Board (IASB), é a organização internacional que publica e atualiza o IFRS (International Financial Reporting Standards).


Referências

GELBCKE, Ernesto Rubens et al. “Manual de Contabilidade Societária: Aplicável a Todas as Sociedades de Acordo com as Normas Internacionais e do CPC” 3° ed. Atlas, 2018.

CPC. Pronunciamento Técnico CPC 03: Demonstração do Fluxo de Caixa” 2010

IUDÍCIBUS, S. et al. “Contabilidade para Não Contadores” 5° ed. Atlas, 2008.

IUDÍCIBUS, S. et al. “Contabilidade Introdutória” 11° ed. Atlas, 2010.

ROBINSON, T. R. “International Statement Financial Analysis” CFA Institute, Wiley.

MURPHY, C. B. “Understanding the Cash Flow Statement” Investopedia, 2020.

HAYES, A. “Cash Flow Statement” Investopedia, 2020.

LOTH, R. “Analyze Cash Flow the Easy Way”, Investopedia, 2020.

Posted by Juneor Sotille in Equity Research, 2 comments