● Introdução
As transações entre países estão cada vez mais rápidas e tenderão a evoluir conforme a globalização e a expansão da tecnologia. A necessidade de importar bens de outros países, realizar viagens internacionais ou até mesmo investir no exterior está presente na rotina de várias pessoas, junto com a dúvida de qual é o valor da sua moeda em relação ao do outro país. Com intuito de prover os primeiros passos para aqueles que desejam conhecer os fundamentos do mercado cambial, este artigo abordará como o preço dos bens e do dinheiro afetam a taxa de câmbio. Vale lembrar que existem diversas óticas para observar o mercado de câmbio a longo prazo, como a análise das transações internacionais através do balanço de pagamentos, dos efeitos da política fiscal e monetária no modelo de Mundell-Fleming conforme o regime cambial e também através da construção de portfólios, mas compreender a paridade do poder de compra e a paridade de juros é um bom começo.
A taxa de câmbio é um indicador macroeconômico que evidencia o elo econômico entre os países e representa um dos mercados mais voláteis do mundo, com baixos custos de transação, alta liquidez e velocidade de negociação. A pesquisa feita pelo Banco de Compensações Internacionais (BIS) em 2016 aponta que a captação média diária no mercado cambial foi de US$ 5,1 trilhões, sendo que os pares negociados euro-dólar e dólar-yene corresponderam a 41% de todo o mercado cambial negociado nesse ano. Por ser um ativo extremamente volátil, o dólar é considerado um instrumento de hedge pelos investidores brasileiros principalmente por ter, na maioria das vezes, correlação negativa com a bolsa brasileira. Ao atuar no mercado cambial com intuito de especular moedas e gerar lucros, é importante saber que a moeda adquirida não se multiplica pela mesma unidade monetária aplicada na transação, o investimento não gerará fluxos provenientes da aplicação. É possível lucrar através das oscilações, mas diferentemente das ações, que geram valor à uma empresa, ou uma debênture cujo investimento agregará em capital, ao comprar esse ativo de hedge o retorno estará sujeito apenas à paridade de valor com a moeda negociada bilateralmente.
Define-se taxa de câmbio como o preço de uma moeda em relação a outra. Quando se diz que o câmbio dólar real é de US$/R$ 5,00, isso significa que é necessário R$ 5,00 para comprar US$1,00 e alcunha-se a cotação em termo direto, isto é, quando a unidade monetária estrangeira é expressa em relação à unidade monetária nacional. Como a taxa de câmbio é a relação de troca entre duas moedas diferentes, ela é definida a partir da oferta de divisas -provenientes dos exportadores, entrada de turistas e capital externo e dos demais agentes que trocam dólares por reais – em comparação com a demanda por divisas entregue pelos importadores, pela saída de turistas e capitais externos e de outros agentes que trocam reais por dólares. A oscilação da cotação do câmbio pode ocorrer de duas formas: Quando há uma maior oferta de divisas, significa que tem mais moeda internacional em circulação do que moeda nacional e a taxa de câmbio é reduzida, esse fenômeno é chamado de valorização cambial. Caso aumente a demanda por divisas, a cotação do câmbio aumenta e ocorre a desvalorização na taxa de câmbio.
● Paridade de poder de Compra
A paridade de poder de compra (PPC), ou lei do preço único, tem o conceito de que em um mundo ausente de barreiras ao livre comércio entre países o preço de um mesmo bem deverá ser o mesmo em qualquer lugar ao mesmo tempo. Proveniente disso, a taxa de câmbio oscilará em torno de um valor de equilíbrio a longo prazo para garantir a igualdade dos preços dos bens em diferentes moedas. As principais hipóteses para PPC ser válida são:
- Não há barreiras comerciais ou arbitragem entre os bens
- Não há custo de transações entre os países
- Os bens negociados entre os países são perfeitamente homogêneos
Ou seja, como a taxa de câmbio é o preço que equilibra as ofertas e demandas por moeda estrangeira no mercado de câmbio, a paridade de poder de compra é uma forma de garantir que os negociantes não pratiquem arbitragem de moedas entre os países. Define-se arbitragem o processo de comprar um ativo por um preço mais barato e vendê-lo mais caro em outro mercado, o mecanismo funciona da seguinte forma: Considere que a taxa de câmbio entre dólar e euro seja de US$/€ 1,10 em Nova York e em Londres a taxa de câmbio seja US$/€ 1,20. O investidor poderá converter US$ 1,1 milhão para euros em Nova York e receberá € 1 milhão conforme a taxa de câmbio local, em seguida ele converterá todo o euro recebido para dólar vendendo-o no mercado de câmbio em Londres, recebendo US$ 1,2 milhão graças à taxa de câmbio local e auferirá um lucro de US$ 100 mil apenas arbitrando entre duas moedas. Essa é uma estratégia que investidores exploram sempre que possível pelo simples fato de que pessoas preferem mais dinheiro ao invés de menos e, apesar do exemplo considerar o mercado de moedas, a arbitragem poderá ser explorada para qualquer ativo quando a hipótese do preço único de que dois fluxos de caixa idênticos devem ter o mesmo preço for quebrada. Ao abrir essa janela de oportunidade, o investidor fará um short selling e auferirá lucro positivo com risco zero.
Ao lidar com o mercado cambial de dois países nem sempre será possível arbitrar, o mais provável será explorar a desvalorização relativa condicionada quando a taxa de câmbio não estiver em seu equilíbrio de longo prazo conforme a PPC. Aqui vale o exemplo de um comprador que deseja adquirir uma moto negociada tanto na Alemanha quanto na República Tchéquia, dado a hipótese de que a moto é um produto homogêneo entre os países e equivale a cesta de bens definitiva para PPC ser válida. O consumidor observa que a taxa de câmbio entre os países está em Kč/€ 20, verifica os preços e percebe que a moto vale € 10.000 na Alemanha e Kč 100.000 na República Tchéquia, então a taxa de câmbio de equilíbrio entre o euro e a coroa tchéquia será de €/Kč 10. As hipóteses implicam que a coroa tchéquia está significativamente desvalorizada em relação à PPC e deve-se apreciar ao passar do tempo, permitindo ao comprador em euro adquirir o produto na República Tcheca por um preço menor. Essa vantagem comercial será inibida quando todos os consumidores perceberem que a moeda tchéquia está mais barata que o euro, aumentando a demanda por bens desse país através de uma maior oferta de euro, levando a apreciação da moeda local até o nível de equilíbrio de longo prazo. Ao abstrair esse exemplo numa situação onde o preço dos bens oscila dentro do próprio país, o consumidor considerará a taxa de câmbio real para tomar decisão por desejar descontar os efeitos inflacionários, esse comportamento trará uma relação intrínseca entre paridade de poder de compra e taxa de câmbio real. Se a PPC é válida no longo prazo, então a taxa de câmbio real será constante pelo fato da PPC garantir o diferencial de preços entre os países com os ajustes devidos da taxa de câmbio nominal e, salvo os impactos econômicos proveniente desses ajustes no curto prazo, a taxa de câmbio real sempre tenderá a sua média histórica enquanto a PPC for válida. Quando a taxa de câmbio real é constante, a competitividade dos preços dos bens transacionados entre os países é mantida pelo seguinte mecanismo: Quando um país sofre um aumento inflacionário, os bens negociáveis tornam-se menos competitivos por apresentarem preços maiores e, ao invés de tomar a depreciação da taxa de câmbio nominal para “contrabalancear” o efeito, a taxa de câmbio real deixa de apreciar (através do aumento inflacionário) por manter-se constante ao longo do tempo. Vale esclarecer o argumento pelo fato de que se ganha competitividade não através de uma desvalorização nominal do câmbio, mas através da desvalorização real da taxa de câmbio.
Nas condições práticas, o investidor deve reconhecer que outros fatores influenciam na taxa de câmbio e que as premissas da PPC são frágeis. É de amplo conhecimento que não existe livre negociação entre os países, a exemplo da guerra comercial entre Estados Unidos e China, assim como os mecanismos de ajustamento da taxa de câmbio não são necessariamente imediatos por conta de que não apenas os bens – cujos preços não são necessariamente flexíveis – afetam na oferta e demanda por câmbio, mas também os ativos financeiros transacionados entre os países, sem contar que a heterogeneidade dos bens fará com que a cesta de bens analisada entre os dois países seja inconsistente para determinar a verdadeira PPC. Essas condicionantes devem ser consideradas no curto prazo, mas a longo prazo a PPC é uma boa ferramenta para determinar a taxa de câmbio de equilíbrio. O método de PPC mais conhecido entre os analistas é o Big Mac Index desenvolvido pela revista The Economist, .
● Mecanismo de transmissão e a Paridade de Juros.
A Teoria Quantitativa da Moeda afirma que os preços de uma determinada economia estarão relacionados com a quantidade de moedas em circulação. Através desse pilar da teoria clássica pode-se assumir que a política monetária – determinada pelo Banco Central – translada efeitos entre oferta monetária e preços e, conforme observado anteriormente, os preços dos bens em um país influenciarão na PPC e em sua respectiva taxa de câmbio de longo prazo, ou seja, a política monetária fornece um mecanismo de transmissão que impacta taxa de câmbio através dos preços. Ao determinar o quanto de moeda deseja distribuir na economia, a autoridade monetária irá precificá-la ao equilibrar a oferta à demanda exigida. Ao depararem-se com a taxa de juros definida do seu país em relação ao mundo num cenário de livre mobilidade de capitais, as pessoas escolhem entre manter parte do dinheiro em mãos ou aplicá-los em títulos de investimento proporcionais às taxas de juros. Isto é, as pessoas sempre comparam quais as taxas de juros mais atrativas para elas e aplicam seu dinheiro onde for mais rentável, dado o quanto ela é propensa ao risco, e optam por manterem em mãos parte do dinheiro que pretendem usufruir para consumirem bens e serviços. Caso o investidor enxergue uma taxa de juros mais atrativa no exterior, ele oferecerá sua moeda em troca da estrangeira e irá adquirir o título de investimento estrangeiro que lhe for conveniente, desvalorizando a moeda onde reside. Por esses fatores, a política monetária também é um mecanismo de transmissão que impacta taxa de câmbio através da taxa de juros. Na prática, esse mecanismo de transmissão não é instantâneo e esse atraso afetará na tomada de decisão de um investidor.
Resumindo, o preço dos bens define a taxa de câmbio e parte da condição de equilíbrio é dada pela paridade de poder de compra, assim como a taxa de juros também afeta taxa de câmbio. Antes de descrever qual a condição de equilíbrio da taxa de câmbio pela ótica monetária, entenda o raciocínio dos investidores: Se o investimento no exterior depende da taxa de câmbio e da taxa de juros externa e o investimento interno apenas da taxa de juros interna, como definir qual terá o maior retorno? Simplificando a questão, considere um investidor nos Estados Unidos que compara entre investir no seu país ou investir na Europa, se ele usar dólares para comprar um depósito em euro, quantos dólares receberá após um ano? Ele observa as seguintes condições de mercado:
Considerando que a expectativa da taxa de câmbio esteja correta, o investidor seguirá os seguintes passos: Primeiro, ele converterá US$ 1,10 em euro e terá € 1,00. Sabendo que o título europeu renderá 5% ao ano, então no final do período obterá € 1,05. Como o investidor aguarda uma desvalorização, então ele converterá esse euro em dólar cujo resultado será a multiplicação da expectativa do câmbio com a rentabilidade obtida (€ 1,05 vezes US$/€ 1,20 = US$ 1,26). Ao final dessa operação, o retorno do investimento foi de 14,54% ao ano e será mais vantajoso investir na Europa do que nos Estados Unidos, pois mesmo a taxa de juros exterior sendo menor ela é compensada por uma desvalorização significativa da taxa de câmbio.
Os incentivos para se investir no exterior é que os depósitos externos tenham retornos esperados maiores com base nas expectativas de desvalorização cambial e taxa de juros, mas existe uma condição que acalma os ânimos dos mercados e impõe indiferença entre os investimentos dos países e iguala. Essa neutralização ocorre quando o mercado de câmbio está em equilíbrio, isto é, os depósitos em todas as moedas oferecem a mesma taxa de retorno esperada. A condição de paridade de juros implica que os detentores potenciais de depósitos em moeda estrangeira consideram esses depósitos como ativos igualmente atraentes e, nesse ponto, não há excessos de oferta e de demanda, os depósitos ficam equilibrados e todas as taxas de retorno esperada são iguais. Em termos gerais, a paridade de juros – Interest Rate Parity – assume que a variação da taxa de juros é igual à taxa de câmbio futura em função do prêmio ou desconto ao investir no estrangeiro, implicando que o câmbio futuro – termo referente quando a liquidação do contrato se dá em dois dias ou mais – entre duas moedas deve se igualar ao diferencial de juros conforme o prêmio ou desconto do país. Como os contratos futuros são instrumentos sujeitos às condições de oferta e demanda do mercado, o prêmio ou desconto podem oscilar da sua condição de equilíbrio e oferecem uma janela de arbitragem nessa ocasião.
No cenário de ruptura da paridade de juros, pode-se aplicar a estratégia de carry trade ilustrada no seguinte exemplo: Suponha que títulos brasileiros tenham maiores rendimentos que os títulos chilenos por conta do desequilíbrio entre o diferencial de juros e taxa de câmbio, isso implica que os chilenos irão se endividar em moeda local (pois eles apresentam taxas de juros menores) e demandarão títulos brasileiros, nessa operação a rentabilidade deles oferecerá margem suficiente para pagar os empréstimos tomados e e ainda obter lucros positivos. Enquanto essa janela estiver aberta, os chilenos continuarão a realizar essa operação e os preços dos títulos brasileiros se elevará ao ponto de reduzir o diferencial de juros ao nível de equilíbrio, exaurindo a oportunidade ao voltar à paridade de juros. Na realidade, essa estratégia é complexa de ser aplicada e requer uma compreensão minuciosa de como calcular o prêmio de risco na curva de juros. Através desses insights, podemos entender como a paridade de juros e a paridade de poder de compra se relacionam.
● Considerações sobre a Paridade de Juros e Paridade de Poder de Compra
Descrevemos que a paridade de juros relaciona o preço da moeda com a taxa de câmbio e que a paridade de poder de compra estabelece a relação entre o preço dos bens com a taxa de câmbio, essas condições clássicas de paridade permitem a expansão de teorias entorno dos mercados de bens, monetário e cambial. Uma dessas combinações é a famosa extensão do efeito Fisher: a variação entre taxas de juros no modelo nacional é igual à variação da inflação e, no modelo internacional, a variação entre taxa de juros é igual a variação da expectativa da taxa de câmbio. As relações impostas pelo efeito Fisher permitem as projeções da taxa de câmbio e inflação dada a taxa de juros caso as paridades clássicas sejam válidas.
Cumby e Obstefeld (1982) afirmam que o mercado de bens e de ativos são cruciais para a determinação da taxa de câmbio, sendo necessário um estado de equilíbrio entre os dois mercados para que haja a determinação do terceiro, dado que a paridade do poder de compra determina a relação entre nível de preços e taxa de câmbio e a paridade de juros mantém a taxa de câmbio futura conexa à taxa nominal de juros. O pressuposto da pesquisa assume que se ambas as condições clássicas de paridade são verdadeiras no curto prazo, a política monetária não poderá influenciar a taxa de juros real ex ante, isto é, o rendimento real dos ativos não será abalada por qualquer decisão da autoridade monetária. Entretanto, caso uma das relações de paridade venham a falhar por conta de incertezas ou aversão a riscos, a política monetária terá efeitos sobre a taxa de juros real ex ante e poderá haver um desequilíbrio entre a taxa de juros internacional e a do seu próprio país. A pesquisa traz consigo aplicações reais das teorias de paridade e conclui a necessidade de outros métodos para a formulação de uma taxa de câmbio de equilíbrio que correspondam a macroeconomia atual, mas mantém a validade delas em economias pequenas e abertas. Por mais que as paridades clássicas não se adequem de forma perfeita à realidade e necessitem de outras métricas para estimarem a taxa de câmbio, elas são os pilares para a compreensão do mecanismo básico que rege as leis da oferta e demanda no mercado monetário de qualquer país. Essas teorias são utilizadas principalmente para desvendar os rumos da taxa de câmbio a longo prazo, onde os efeitos de seus mecanismos de transmissão são observáveis, e devem ser complementadas conforme o horizonte temporal de quem deseja estimar o preço relativo das moedas.
Referências:
Rudiger Dornbusch, 1980. “Exchange Rate Risk and the Macroeconomics of Exchange Rate Determination,” NBER Working Papers 0493, National Bureau of Economic Research, Inc.
Rudiger Dornbusch, 1976. “Expectations and Exchange Rate Dynamics,” The Journal of Political Economy, Volume 84, issue 6(Dec.,1976), 1161-1176.
Callum Henderson, 2012. Currency Strategy: The Practitioner’s Guide to Currency Investing, Hedging and Forecasting, 2º edição. John Wiley & Sons Ltd, The Atrium, Southern Gate, Chichester, West Sussex PO19 8SQ, England.
CUMBY, R. E. OBSTFELD, M. (1982). International Interest-Rate and Price-Level Linkages Under Flexible Exchange Rates: A Review of Recent Evidence, NBER Working Papers, n. 0921, National Bureau of Economic Research.
Cristina Terra, 2014. Finanças Internacionais: Macroeconomia Aberta, 1º edição. Elsevier Editora LTDA.