No controle de riscos, medidas estatísticas como o VAR e o beta nos ajudam a estabelecer as probabilidades do comportamento de um portfólio diante de condições esperadas, baseando-se em dados históricos. Contudo, nem sempre os eventos do mercado ocorrem de maneira previsível. Certas vezes, a movimentação é tão brusca que sua chance de ocorrer seria quase nula em uma distribuição de retornos normal, mas sabemos, através das diversas crises mundiais das últimas décadas, que esses eventos são muito mais prováveis do que a curva nos mostra. Em virtude disso, faz-se necessário a existência de um método para controlar o risco nas situações de perdas extremas. Esse método é o stress test.

Um teste de estresse financeiro é um modelo não estatístico de controle de riscos que utiliza a simulação computacional para testar um portfólio sob mudanças bruscas e improváveis em fatores determinantes para o valor da carteira. O método é considerado não estatístico porque ele não busca estabelecer a probabilidade das perdas, ele apenas reconhece que essas perdas são possíveis e foca no impacto gerado caso elas ocorram. Desse modo, o gestor pode identificar vulnerabilidades que não seriam detectadas nos cenários base previstos e tomar medidas de hedge contra os cenários que ele considerar importante estar protegido.

Entre esses cenários, através de uma análise daquilo que é relevante para o negócio, o gestor deve observar para quais situações a empresa quer estar preparada e para quais não vale a pena se preocupar. Entre os possíveis eventos, o gestor pode querer se proteger de, por exemplo, um tsunami no Japão, um terremoto nos Estados Unidos, uma guerra na região do Golfo Pérsico ou uma pandemia global.

Ademais, observando as movimentações do mercado em resposta a crise do coronavírus, temos um caso prático da importância do stress test, já que, apenas no mês março de 2020, tivemos 6 movimentações que excederam 10% no índice Bovespa, valor sete vezes maior que o desvio padrão dos movimentos dos últimos 10 anos. Tal baixa no índice levou muitos fundos a exibirem quedas catastróficas no valor de suas cotas, e aqueles que possuíam uma proteção contra os cenários adversos conseguiram controlar essas perdas.

COMO É APLICADO NO MUNDO?

Companhias que gerenciam ativos e investimentos usam os testes de estresse regularmente para controlar o risco de suas carteiras e, a partir disso, tomar as decisões necessárias para mitigar possíveis perdas. Além de ser utilizado na tomada de decisão de grandes gestoras, projetos de empresas e bancos, os testes de estresse tornaram-se obrigatórios no controle mundial de riscos e passaram a ser exigidos dos bancos que desejam atuar internacionalmente, além da legislação local de certos países que exigirá os testes dependendo do tamanho da instituição. Nesse sentido, as crises mundiais recentes trouxeram à tona o risco excessivo ao qual as instituições financeiras estavam se submetendo e a regulamentação passou a evoluir de acordo.

Após a crise de 2008, novas normas regulatórias surgiram com foco em *stress testing *e adequação de capital, dentre elas temos o Dodd-Frank Act de 2010, que está em vigor até hoje. A norma impõe o uso de testes de estresse na estrutura de capital dos bancos estadunidenses e os cenários de teste são estabelecidos pelo corpo regulatório do FED e supervisionados por comitês independentes. O Federal Reserve gera três cenários – um otimista, um pessimista e um extremamente pessimista – e as instituições devem exibir planos de resposta aos três. Além disso, é pedido que os bancos gerem seus próprios cenários para garantir o controle de riscos individual que não consta nos cenários estabelecidos pelo FED.

Essas regras afetam, pela análise do Comitê de Estabilidade Financeira feita em 2018, 22 bancos mundiais considerados *too big to *fail. Essa lista incorpora os bancos com atuação ao redor do globo que gerenciam mais de U$50bi em ativos.

Dado o conceito do stress test como uma ferramenta complementar no controle de riscos e sua aplicação no contexto mundial, entraremos em detalhes em alguns dos modelos.

MODELOS DE ANÁLISE DE CENÁRIO

Um teste de estresse é composto de três etapas fundamentais: a primeira sendo a definição de um cenário, a segunda a modelagem dos fatores desse cenário e a última o estabelecimento de políticas de resposta baseadas nos dados obtidos.

Tratando da primeira fase de um stress test, existem duas aproximações possíveis, que são definir um cenário hipotético ou basear-se em um cenário histórico de uma crise passada. A vantagem deste é que não é preciso pensar em problemas como a correlação entre fatores no seu cenário – ou seja, toda a segunda etapa do teste se torna imediata – uma vez que, como o evento já ocorreu, o gestor possui todos os dados e variações de preço e índices da época. Por causa disso, o método histórico é mais simples de aplicar o que o torna muito utilizado.

A outra maneira de se definir um cenário é estudar o portfólio, buscando entender quais fatores de risco mais o afetam e gerar um cenário no qual esse fatores seriam negativamente impactados. A partir disso, é possível ter o controle de risco para um cenário possível específico que seria desastroso para a empresa, mas que ainda não está nos livros históricos. O grande problema desse método é saber como tratar as diversas variáveis se movimentando em todas as direções. Afinal, mesmo em um cenário extremo, não se espera que todos os fatores se desloquem na direção mais negativa à carteira, graças a correlação. Buscando resolver esse problema, o analista pode usar os seguintes modelos:

Cenários Unidimensionais

  • Testes de Sensibilidade – são a metodologia tradicional de análise de cenários e focam em apenas uma variável, anulando assim o problema da correlação multidimensional. Os testes mais comuns envolvem movimentações em um único dia de fatores fundamentais, como uma movimentação de 1% na curva de juros, uma alta de 20% na volatilidade implícita, quedas ou altas de 10% no índice da bolsa ou alteração de 20% no câmbio da moeda local contra o dólar.

Cenários Multidimensionais

  • Método da Movimentação de Variáveis – é um modelo extremamente conservador, no qual movimenta-se diversos fatores para cima e para baixo em um certo número de desvios padrão. Feito isso, busca-se a combinação de movimentos que geraria o pior resultado possível ao valor da carteira e assume-se este como o resultado do stress test. Como comentado anteriormente, essa combinação, por desconsiderar a correlação, faz com que as perdas observadas sejam muito maiores do que em um cenário real.
  • Método de Cenários Condicionais – possui uma elaboração sistemática que incorpora a correlação entre as variáveis. Para isso, considera-se dois conjuntos, um conjunto R* composto por variáveis chave sujeitas a movimentos extremos, que serão dados pelo cenário estabelecido, e outro conjunto R composto das demais variáveis, que não está sujeito a nenhuma movimentação inicial. A partir disso, faz-se uma regressão das variáveis R nas variáveis R* e obtemos a variação de R a partir do cenário hipotetizado, através da correlação. Desse modo, conseguimos avaliar o portfólio antes e depois, contudo, essa análise dependerá de uma boa escolha pelo gestor das variáveis chave (R*) e das demais (R), o que sempre parte do entendimento da carteira em questão.

STRESS TESTING APLICADO

Agora que entendemos as metodologias para os testes de estresse, estaremos aplicando o conceito para o risco de uma carteira hipotética nos principais dias de perdas durante a atual crise do coronavírus. Isso implica que estaremos utilizando o método histórico, já que todas as movimentações já são conhecidas.

Abaixo, temos a posição de nossa carteira hipotética, divida entre Ações, moeda, bolsa internacional e títulos públicos:

A partir disso, vamos testar essa carteira nas maiores perdas ocorridas na bolsa brasileira durante a crise, ocorridas nos dias 9, 12, 16 e 18 de março com quedas no índice de 12,5%, 15%, 14,9% e 10,9% respectivamente. Testando o portfólio mencionado nesses dias, a carteira apresentou os seguintes resultados:

Nota: Ativo representa a variação percentual do ativo no dia, PP representa o efeito que o ativo teve na variação do portfólio e Total é a soma das variações ponderadas dos ativos, o resultado do portfólio no dia.

Observa-se que a carteira teve uma performance bem superior ao Bovespa, devido a diversificação em ativos de crise como o dólar e o ouro e a posição em renda fixa. Contudo, se compararmos o resultado do portfólio com o VaR esperado dessa carteira de -0,98% com 99% de certeza, vemos que as perdas excederam muito o esperado em todos os dias. Além disso, o desvio padrão dos retornos da carteira foi de 0,42%, ou seja, nos dias da crise, as perdas variaram de dez a até quase vinte vezes o desvio padrão.

Partindo de uma distribuição normal para calcular a probabilidade do ocorrido, calcula-se que o evento do dia 9 de março – que é o mais otimista dentre as possibilidades – deveria ocorrer uma vez a cada 360 bilhões de bilhões de anos. Não é preciso dizer que qualquer gestor sensato atribuiria uma chance muito maior de ocorrer uma pandemia global do que os retornos da curva normal tentam nos dizer. Essa chance continuaria não sendo muito alta, porém, com o stress test, é possível ter uma ideia do que aconteceria e tomar as medidas de hedge necessárias.

Por fim, concluída a parte matemática de um teste estresse, vamos para a última etapa, as políticas de resposta.

POLÍTICAS DE RESPOSTA

Realizados todos os cálculos do teste, a pergunta que surge é o quê fazer caso o tamanho das perdas esperadas seja grande de mais. Em muitos casos, os resultados de um teste são tão catastróficos que eles passam a ser ignorados e tomados como irrelevantes. É claro que empresa alguma consegue estar preparada para lidar com os infinitos cenários que o mundo pode oferecer. Porém, existem cenários relevantes e possíveis para cada setor que devem ser considerados para tomar medidas de resposta. Posto isso e como colocado já anteriormente, a escolha dos eventos deve partir da experiência prévia da gestão, elencando situações que mais fazem sentido e são potencialmente prejudiciais à firma.

Estabelecidas as posições que a empresa quer proteger, existem inúmeras medidas que podem ser tomadas pelo gestor para se proteger dos cenários, entre elas:

  • Acúmulo de capital suficiente para pagar o prejuízo possível;
  • Comprar proteção de seguros para os eventos analisados;
  • Modificar o portfólio buscando reduzir o impacto de um evento específico, reduzindo a exposição ao risco ou diversificando através de ativos;
  • Reestruturar o negócio ou o produto buscando melhor diversificação;
  • Desenvolver um plano de ações para caso o cenário comece a se desenvolver;
  • Preparar fontes de financiamento alternativas caso a liquidez do portfólio comece a cair.

Dessa forma, conclui-se todas as etapas da metodologia do stress test. Vimos que o teste de estresse é um instrumento não estatístico para controle de riscos e tratamos de exemplos práticos de como ele complementa o Value at Risk, que falha em captar perdas muito acima do normal. Além disso, mostramos que esse plano para situações adversas tem o papel fundamental de garantir a sobrevivência da instituição aos cenários elencados.


REFERÊNCIAS

JORION, Philippe. Financial Risk Manager Handbook. 3. ed. New Jersey: John Wiley & Sons Inc, 2007. p. 241-264
JORION, Philippe. Portfolio Risk: Analytical Methods. Value At Risk: The New Benchmark for Managing Financial Risk. 3. ed. New York: Mcgraw Hill Companies, 2007. p. 357-377
Key Points From the 2015 Comprehensive Capital Analysis and Review (CCAR). Harvard Law School, 22 de março de 2015. Disponível em: https://corpgov.law.harvard.edu/2015/03/22/key-points-from-the-2015-comprehensive-capital-analysis-and-review-ccar. Acesso em: 15 de abril de 2020.
Comprehensive Capital Analysisand Review 2015:Assessment Framework and Results, março de 2015. Disponível em: https://www.federalreserve.gov/newsevents/pressreleases/files/bcreg20150311a1.pdf. Acesso em: 15 de abril de 2020.

Posted by Leonardo de Sá Nicolazzi

Graduando de engenharia mecânica e gerente do núcleo de risco e derivativos no Clube de Finanças.

3 comments

Lucas eduardo rosolem

Excelente artigo, parabéns, eu coincidentemente eu estava fazendo pesquisa sobre stress test, achei muito esclarecedor seu artigo; Pergunta, é possível transformar o stress test em uma rotina com python, para medir risco em ações por exemplo?

Leonardo de Sá Nicolazzi

Valeu Lucas.

Você consegue sim tornar isso uma rotina. Poderia ser executada, por exemplo, sempre que a carteira mudasse, pra obter os novos valores do stress test. Eu usei python para fazer a programção e gerar os resultados desse artigo, embora não tenha exposto o código aqui.

Excelente artigo.

É possível disponibilizar a planilha?

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