Month: December 2020

A importância do crédito na economia e o mercado de debêntures

A importância do crédito na economia e o mercado de debêntures

“Crédito é a parte mais importante e menos entendida da economia” Ray Dalio.

   O crédito possui seu mercado como qualquer outro, como o de peixes ou de refrigerantes, onde existem os compradores e os vendedores. Os compradores no mercado de crédito são chamados de devedores, que são aqueles que pegam recursos emprestados prometendo pagá-los em uma data futura acrescida de juros. Já os vendedores são chamados de credores, ou seja, são aqueles que emprestam os recursos para os devedores esperando receber seu capital acrescido de juros. Quando um credor e devedor fecham um contrato, ocorre a transferência desse dinheiro, sendo necessário o pagamento em uma data futura acordada, assim cria-se uma dívida onde o credor a detém como ativo e o devedor como passivo.  Os principais credores de uma nação são os bancos, e estes conseguem “criar” crédito, este fato, têm uma relevância indubitável para a economia de modo geral. 


   Os bancos conseguem criar crédito a partir do sistema de reservas bancárias fracionárias, pois não há a necessidade de todos os depósitos feitos no banco ficarem como forma de reservas, apenas uma fração dos mesmos. Imagine que você deposite R$100,0 no Banco X, onde apenas 10% dos depósitos fiquem na forma de reserva e os outros R$90,00 fossem usados para conceder crédito ao João. Agora João decide depositar seu dinheiro no Banco Y, onde o mesmo teria R$90,00 em depósitos, R$9,00 em reservas e assim R$81,00 para poder emprestar, e que Enzo pegasse o dinheiro emprestado e depositasse em outro banco e assim por diante, ao final desse somatório infinito, o depósito inicial de João, teria se tornado R$900,00 passíveis de empréstimo, a tabela abaixo exemplifica de maneira ilustrativa.

A taxa mínima da reserva fracionária é definida pelo Banco Central do país, quanto menor a taxa, maior a capacidade de criação de crédito, chama-se multiplicador monetário essa capacidade de aumentar a base monetária, nesse caso o multiplicador seria 10, pois o R$100,00 se transformaram em R$1000,00 (R$100,00 em reservas e R$900,00 na forma de crédito).

  Agora pense na implicação econômica desse fato. Se R$100,00 se transformaram em R$900,00 na forma de crédito para financiar a atividade econômica de um país, seja para empréstimos pessoais, financiamento imobiliário ou qualquer outra modalidade, a economia de uma forma geral conseguirá consumir mais bens e serviços caso o mesmo não existisse, como o consumo de uma pessoa representa a renda de outra, o crédito consegue estimular a economia, pois as pessoas conseguem consumir mais, possuir mais renda, fazer mais investimentos, e assim, aumentar o “tamanho do bolo” econômico, caso o mesmo não existisse.


  Como exemplo, o gráfico abaixo mostra os principais títulos de dívida Americana negociados dentro do sistema financeiro, percebe-se que os treasury´s do governo, dívidas corporativas e títulos de hipoteca, juntos representam cerca de 36 Trilhões de dólares ao final de 2019, ao passo que a quantidade de dinheiro circulando na economia (M1) era de pouco menos que 4 Trilhões de dólares. Nota-se assim, que a quantidade de dinheiro na economia é inferior à quantidade de crédito existente.

Fonte: SIFMA, Fred
  • Corporate Bonds – dívidas contraídas por empresas americanas, emitidas no mercado de capitais americano.

  • Asset-Backed securities – é uma dívida securitizada, onde diversas modalidades de dívida como: empréstimo para carro, dívida estudantil, recebíveis de empresas etc. são agrupadas e lançadas ao mercado como um veículo de investimento, onde um investidor pode comprar um Asset-Backed security e receber os juros e amortização dessas diversas pequenas dívidas ilíquidas em um único investimento. 

  • Treasury – são as dívidas do governo americano, para financiar seus gastos de forma geral, o governo emite o título a mercado e investidores compram esse título de dívida.

  • Municipal Bonds – semelhante aos treasury´s do governo, porém de emissão de municípios.

  • Mortgage Related securities –  toda e qualquer dívida hipotecária americana existente no mercado de capitais, os mais conhecidos são os Mortgage Backed Securities, com funcionamento semelhante às Asset-Backed security, porém, apenas com hipotecas.

  • Federal Agency securities – são emissões feitas por entidade federais do governo americano, criadas com o propósito de diminuir as taxas de juros pagas em alguns setores da economia, a diminuição deste juros é decorrente do menor risco de se emprestar dinheiro para o governo americano, algumas dessas entidades são: Small Business Administration (SBA), Student Loan Marketing Association (SLMA).

  • Money Markets – são os empréstimos de menor juros e maior liquidez da economia, empréstimos feitos entre bancos com prazo de 1 dia útil ou menos. Uma maneira de se investir nessa modalidade, porém no Brasil, são os fundos DI.

  • M1 (money supply 1) –  É a base monetária de determinado país, são considerados constituintes da base monetária o papel-moeda e depósitos bancários à vista.

     A partir desta etapa o artigo encaminhará para uma compreensão do crédito para empresas, vendo os principais usos para o mesmo, fontes alternativas de financiamento e o mercado de Corporate bonds brasileiro.


Crédito corporativo 

   O crédito corporativo, ou mais conhecido como corporate bonds, são emissões de dívida feita por empresas, onde a empresa busca com esse financiamento:  compor seu capital de giro (dívidas de curto prazo), promover seu crescimento a partir da expansão de suas operações (dívidas de médio-longo prazo), a construção de ativos, sejam eles geradoras elétricas, bases industriais etc. (dívida de prazo alongado) ou ainda, aquisições de outras operações já existentes. De modo sempre a promover um crescimento, desde que a taxa de retorno de seu investimento seja maior que o custo de sua dívida.


Forma de empresas financiarem suas operações

   Não é só a partir da contração de dívida que as empresas conseguem financiar suas operações e atividades, em suma, existem três meios que as empresas conseguem se financiar. Vale ressaltar que as empresas geralmente não têm apenas um método, e sim um mix dos 3. 


   Geração de caixa – as empresas podem financiar suas operações e expansão a partir de sua própria geração de caixa, de modo que o caixa gerado pela empresa seja suficiente para cobrir as suas obrigações e, ainda, sobre uma quantidade substancial de caixa livre de modo que a empresa consiga reinvestir no negócio e proporcionar crescimento.


   Os principais benefícios das empresas usarem seu caixa, é que ela não gera uma dívida com terceiros,  isto é, não precisa ter uma saída de caixa futura para pagamento de amortização e juros, além de mostrar uma boa capacidade operacional, pelo fato da empresa conseguir se manter e crescer apenas com o seu próprio caixa. Porém, há desvantagens, a primeira, é que não há benefício fiscal nessa modalidade, pois a empresa ao auferir lucros, necessita pagar impostos, e ainda, muitas vezes ela necessita manter uma grande quantidade em caixa para investir em seus projetos, o que acaba gerando um custo de oportunidade desse dinheiro.


    Aumento no capital social – outra forma das empresas conseguirem se financiar é via o aumento de capital social, que consiste basicamente nas empresas emitirem novas ações, aumentando assim, seu Patrimônio Líquido. Quando os sócios financiam a companhia via essa modalidade, um benefício de imediato é que todos esses recursos levantados vão para o caixa, podendo financiar as atividades que a empresa propôs no prospecto de emissão de novas ações, e assim como a geração de caixa, a entidade não terá saída de recursos para pagamento de dívida, a tornando menos alavancada e diminuindo riscos de insolvência. 


    Entretanto, como na geração de caixa, não terá benefício fiscal via essa modalidade, e todos os lucros auferidos com os recursos da emissão serão tributados. E ainda, ao uma empresa emitir novas ações, quando os acionistas colocam seus recursos nesta emissão, esses acabam exigindo um retorno implícito maior do que um credor por exemplo, pois é muito mais arriscado você comprar um negócio do que a dívida do mesmo. Vale ressaltar também que, ao fazer aumento no capital social, acionistas que não entrarem com dinheiro para esse aumento, serão diluídos, detendo menos participação acionária com a mesma quantidade de ações, podendo assim, prejudicar acionistas que não aderirem à oferta.


    Emissão de dívida – a contração de dívidas para financiar suas atividades, diferente de dívidas contraídas por pessoas físicas, é extremamente vantajosa para as empresas pois elas têm benefício fiscal em cima, isto é, ao se contrair uma dívida há a necessidade de pagar juros e amortizações em cima da mesma, porém, não incidem impostos sobre esses recursos pagos, diminuindo assim o LAIR* e consequentemente, a quantidade de impostos paga. Geralmente, o financiamento através de dívida tende a ser o mais barato entre os três, mesmo tendo a necessidade de saída de caixa para pagar os recursos contraídos, outro ponto positivo a ser considerado é que os atuais acionistas, continuam com a mesma porcentagem da empresa que anteriormente, apenas há um credor com direitos sobre a companhia. 

*Lucro antes do imposto de renda


    Como pontos negativos, a empresa precisa ter um controle muito rigoroso da dívida, pois ela representa saída de recursos e caso a mesma se alavanque muito, pode afetar sua capacidade de pagá-la, afetando assim o seu credit score, podendo assim, exigirem juros mais altos e ainda, se tornar insolvente. Para entender mais sobre o que é credit score e risco de crédito, o artigo Ratings de Crédito, desenvolvido por um integrante do Clube de Finanças, aborda com clareza o tema. 


   Os principais credores das empresas são os bancos, podendo também ser o mercado, caso a empresa seja uma Sociedade Anônima, sendo de capital aberto ou não. O nome levado para esses instrumentos de dívidas negociáveis são as notas promissórias, caso o prazo seja menor que 1 ano, e Debêntures se for maior. 


  As Debêntures são o maior mecanismo de captação de recursos dentro do mercado de capitais. Em 2020 até o mês de Outubro, foram captados 275 bilhões de reais dos mais diversos instrumentos financeiros, as debêntures, ficaram na segunda colocação captando cerca de 84.8 bilhões de reais ficando atrás apenas para ações, se considerar tanto os IPO´s quanto os Follow-on´s, captaram 88.4 bilhões de reais. O gráfico abaixo mostra a distribuição da captação, entre os principais veículos existentes ao longo dos últimos 7 anos.

Emissão doméstica artigo
Fonte: Anbima

 Como visto acima, a emissão de dívida feita por empresas, representa uma parcela relevante no Mercado Financeiro brasileiro, porém, é importante destacar um ponto: a grande maioria das ofertas de debêntures não estão acessíveis aos investidores pessoas físicas, isso ocorre pela modalidade que as emissões são feitas, podendo ser regulamentadas pela instrução CVM 400 e CVM 476.


  CVM 400: A partir da instrução CVM 400, são regulamentadas todas as ofertas públicas de valores mobiliários no território brasileiro, sejam ações, fundos de investimento imobiliário ou as próprias debêntures. Essa modalidade de emissão é ainda pouco usada no mercado de crédito, por se tratar de uma oferta pública, ou seja, destinada ao público em geral, requer uma regulamentação e um processo de admissão de maior rigidez, que além de demandar mais tempo, demanda mais recursos. Por esses dois fatores, e outros como a falta de interesse ou até, desconhecimento sobre esse mercado pelas pessoas físicas, as empresas acabam se afastando desse tipo de oferta na hora de emitir suas dívidas.


  CVM 476: Instituída 6 anos após a CVM 400, a CVM 476 foi criada com o intuito de agilizar os processos de emissões e ao mesmo tempo reduzir seus custos. Ao ser acessível apenas a investidores profissionais, aqueles que detém patrimônio investido igual ou superior a 10 milhões de reais, atestados conforme a instrução normativa CVM nº55/2014, seja esse investidor de natureza física ou jurídica. Esse modelo de emissão é mais rápido e menos custoso por não necessitar de fatores como: análise prévia da CVM e prospecto de emissão. Por se tratar de uma oferta mais restrita, podem ser oferecidas apenas para 75 investidores dos quais apenas 50 podem aderir à oferta. 


  No ano de 2020, ocorreu apenas uma operação regulamentada pela CVM 400, ao passo que pela regulamentação mais recente, ocorreram 204. Isso mostra  a maior vantagem para as empresas de emitirem dívidas via CVM 476, além da falta de interesse dos investidores comuns acerca dessa classe de ativos, ainda muito sub-penetrada no mercado brasileiro. O gráfico abaixo mostra a evolução da quantidade de operações emitidas por cada uma das normas nos últimos 7 anos.

Fonte: Anbima

   Visto a regulamentação das Debêntures e prós e contras de cada modalidade, é importante entender quais são as garantias existentes quando se compra as dívidas de uma empresa. Em caso das empresas não honrarem seus compromissos, e ainda, ter uma atratividade maior dos investidores, muitas empresas, ao emitirem debêntures, fornecem algumas modalidades de garantias diferentes, pois além de passar mais confiança e interesse para os investidores, consegue diminuir os juros exigidos. O artigo Corporate bonds escrito por outro membro do Clube de Finanças, trás em detalhe sobre as garantias existentes bem como o funcionamento para precificação desses ativos.


                                O gráfico abaixo mostra a distribuição das emissões por tipo de garantia:

Fonte: Anbima

   Nesse sentido, a garantia  mais utilizada nas emissões de Debêntures é a quirografária. De Janeiro a Outubro de 2020, apenas esse modelo representou mais de 85% de todas as emissões. Por ser uma emissão pouco restritiva para empresas, não tendo a alienação de ativos e a impossibilidade de negociar os mesmos, e ainda há a possibilidade de aliená-la com garantia Fidejussória, o que acaba tornando atrativo para as empresas emitirem nessa modalidade, sob uma óptica de curto-médio prazo. 


   Como as debêntures são títulos de renda fixa, ou seja, possuem regras pré acordadas que definem sua remuneração, é importante entender como essa remuneração pode ser acordada. Nesse sentido, as debêntures podem ser tanto pré-fixadas ou pós-fixadas. As debêntures pré-fixadas têm por características o conhecimento prévio da remuneração que será recebida por aqueles que investirem nesses títulos, já as pós-fixadas possuem a característica de sua remuneração está atrelada a algum indicador macroeconômico + spread ou ainda uma porcentagem sobre esse indicador, geralmente o CDI.


    Quando é olhado para os dados desse mercado no Brasil, é possível observar a relevância de dois principais indexadores: o CDI e o IPCA. O gráfico abaixo, mostra os principais indexadores utilizados na emissão de debêntures no Brasil nos últimos 7 anos.

Fonte: Anbima

  A importância desse mercado para o Brasil


  O principal modelo de financiamento para o crescimento econômico brasileiro, desde o século XX, foi a iniciativa pública. Onde o BNDES foi o principal provedor de crédito de longo prazo, para investimentos em infraestrutura, transporte, telecomunicações, energia elétrica, saneamento etc. De 2010 a 2014 em média, o BNDES foi responsável por 14,3% de toda matriz de financiamento nacional, e esse número vem caindo cada vez mais.


  Com a grave crise brasileira, que ocorreu de 2014 a 2016,  o modelo de financiamento que sustentou o crescimento do Brasil nas últimas décadas, não será capaz de viabilizar um crescimento econômico de longo prazo sustentável, com mudanças políticas e operacionais no BNDES, que vem reduzindo cada vez mais sua participação na matriz de financiamento, refletindo também, a falta de recursos disponíveis. 


  A importância do mercado de capitais como um todo, principalmente no que tange às dívidas corporativas, é relevado nesses fatos, com a necessidade de reformas fiscais e administrativas para o governo, o mesmo não será capaz de atuar com tanta veemência no que tange financiamento para o crescimento da economia brasileira. 


  Leis como a 12.431, onde ocorre isenção de tributação sobre a renda para detentores de Debêntures incentivadas, isto é, Debêntures que tem por objetivo investimentos em infraestrutura, e o marco do saneamento, aprovado em 2020, são forma de cada vez mais, a iniciativa privada necessitar de menos capital público, e assim, o mercado de capitais conseguir financiar o crescimento brasileiro, como ocorre em países mais desenvolvidos.


   O aumento da participação do mercado de capitais na matriz de financiamento das empresas brasileiras também impacta positivamente os principais indicadores socioeconômicos do país. Pois, esse mercado, consegue canalizar a poupança da sociedade para suprir a necessidade das companhias por recursos, conseguindo fazê-la de maneira eficiente. Retorno mais adequado ao risco do investimento, melhora na governança corporativa e estímulo a práticas socioambientais, são formas que esse mercado gera a longo prazo um benefício à sociedade como um todo.

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Referências:


https://www.anbima.com.br/data/files/96/25/43/1A/5845661086B1AE5678A80AC2/Relatorio-Agenda-Mercado-de-Capitais-ANBIMA-B3-Digital_1_.pdf


https://www.investidor.gov.br/menu/Menu_Investidor/valores_mobiliarios/debenture.html


https://www.investopedia.com/terms/d/debt-issue.asp


MANKIW Gregory. Introdução à economia, capítulo 23.


HALL Prentice. Corporate finance, capítulos 23, 24.

Posted by Artur Roman in Conjuntura Macro / Renda Fixa, 0 comments
Contratos futuros no agronegócio

Contratos futuros no agronegócio

O primeiro registro sobre derivativos de risco ocorreu cerca de 2500 anos atrás. O famoso filósofo Tales de Mileto usou de seu conhecimento sobre astronomia para prever que a safra de olivas que se aproximava seria boa, e sabendo disso ele propôs aos donos de prensas de oliva da região de alugá-las para ele durante a safra. Os donos de prensa tinham interesse na proposta pois estariam mitigando o risco de passar por uma safra ruim, ou seja, fizeram hedge.

A previsão de Tales de Mileto se concretizou e os produtores de oliva tiveram uma farta colheita. Como o filósofo havia alugado todas as prensas de oliva, logo, passou a ser o formador de preço para o uso das prensas, o que fez com que ele auferisse um bom lucro. Desde então, várias formas de derivativos foram criadas para mitigar o risco. Tendo em vista que boa parte do PIB do Brasil origina-se de commodities, é interessante conhecer como o setor agrário se previne de certos riscos.

Tipos de risco:

Assim como em qualquer outro setor da economia, existem os riscos que permeiam o agronegócio, e alguns deles são comuns a outros setores da economia.

• Risco de crédito: Em determinadas negociações, o comprador pode se tornar inadimplente, ou seja, não é capaz de honrar as obrigações pré-estabelecidas. No caso de um contrato futuro o vendedor corre o risco de crédito. Com o intuito de mitigar esse tipo de risco, instituições como Moody’s e Standard & Poor’s criaram grupos de riscos, também conhecidos como ratings, para que sejam cobrados diferentes níveis de prêmio de risco para cada grau de probabilidade de inadimplência. 

• Risco de Liquidez: O risco de liquidez acontece quando a negociação de determinado ativo não atende ao preço de mercado, ou seja, é oferecido um desconto com o intuito de que ele seja negociado mais rápido. Este tipo de risco pode estar presente também no fluxo de caixa das empresas, pois as mesmas podem não ser capazes de liquidar suas despesas de curto prazo, o que destaca uma deficiência no capital de giro da empresa. 

• Risco de mercado: Mudanças em variáveis de mercado, como taxa de juros, câmbio e outros fatores externos como a política podem interferir tanto no exercício de empresas como na gestão de commodities agrícolas. O câmbio pode causar grande impacto aos produtores tendo em vista que alguns insumos são comprados no mercado internacional e caso o dólar esteja alto, importadores incorrem em custos mais altos. 

• Risco Operacional: Os eventos internos da empresa acarretam em riscos operacionais. Esse tipo de risco é caracterizado principalmente por falhas humanas, problemas tecnológicos e acidentes. Este tipo de risco está diretamente ligado a boa parte do setor agrário.

Além dos riscos citados acima, vale ressaltar que o agronegócio é diretamente dependente do clima, logo, algumas commodities podem ser gravemente afetadas por longos períodos de seca ou também por altos níveis de chuva. 

Agora que o leitor já tem conhecimento de alguns dos riscos que o agronegócio envolve, podemos entrar no foco deste artigo – uma das principais ferramentas usadas para minimizar os riscos – os contratos futuros.

Como funciona um contrato futuro:

Os derivativos são ferramentas financeiras que derivam de um ativo e estabelecem uma relação de compra e venda em uma data futura a um preço pré-estabelecido. Neste processo, uma das partes está passando um risco para outra parte e pagando um prêmio por isso. 

O contrato futuro é um derivativo no qual vendedor e comprador negociam determinado ativo objeto para uma data futura por um preço fixado antecipadamente. Normalmente a liquidação destes contratos são feitos de forma financeira, sendo pouco usual a liquidação com entrega fixa da mercadoria, uma das justificativas para tal medida é o aumento da liquidez. 

O sistema da BM&F Bovespa realiza o ajuste diário das posições, logo, para que isso seja possível sem que os negociantes corram risco de crédito, a BM&F exige uma margem de garantia, que pode ser feita com uso de outros ativos financeiros como FII, ações, CDBs e outros. 

O negociante que possui um contrato de compra ou venda e pretende fechar sua posição precisa comprar outro contrato em sentido oposto, ou seja, se um investidor possui 3 contratos de compra de café arábica com vencimento para dezembro de 2020 e quer fechar sua posição, ele precisa vender 3 contratos futuros de café arábica para vencimento em dezembro de 2020. 

O código de negociação consiste em 3 letras iniciais que indicam qual é o ativo objeto, uma quarta letra que indica o mês de vencimento e 2 números que indicam em qual ano o contrato vence.

O contrato futuro de café arábica com vencimento em dezembro de 2020, por exemplo, tem o seguinte código: ICFZ20.

Os contratos futuros são usados geralmente nas seguintes ocasiões:

Hedge: No caso dos produtores, a fixação de preços garante uma margem de lucro e que todos os custos de produção sejam pagos, já no caso de compradores de commodities, a fixação de preço garante que mesmo que ocorra um aumento, o preço final não será afetado. 

  • Produtores podem vender a produção de uma colheita antes mesmo de plantar, vendendo seu produto no mercado futuro; 
  • Produtores com caixa bem estruturado podem estocar as commodities e esperar para vender no período de entressafra, neste caso o produtor pode fazer a venda de contrato futuro para ter certeza que conseguirá garantir um bom preço;
  • Compradores que esperam a alta no preço de determinado produto podem fazer um hedge comprando contratos futuros;

• Especulação: Os investidores que tem familiaridade com o funcionamento de commodities podem usar os contratos futuros para especular com a alta e baixa dos preços; 

• Ganhos com Spread: Spread é o nome que se dá para quando o investidor obtém lucro com a diferença de preço do contrato do mesmo produto para vencimentos em datas diferentes.

Contratos futuros agrários negociadas na BM&F Bovespa e suas particularidades:

Os contratos futuros, além da margem de garantia obrigatória imposta pela BM&F, têm também outras taxas que devem ser levadas em consideração na hora de negociar, como a TOB (Taxa Operacional Básica), taxa de liquidação, taxa de corretagem da corretora, taxa emolumentos e serviços prestados pela BM&F Bovespa além do imposto de renda.

Exemplos:

• Exemplo 1 – Hedge de compra de milho: Uma empresa do ramo alimentício que tem o milho como insumo, teme a alta de preços em um horizonte de 6 meses, logo, a melhor saída é fazer a compra de contrato futuro de milho. Como a empresa terá necessidade de 4500 sacas de milho, precisa comprar 10 contratos.  

A saca de milho com vencimento para daqui 6 meses está cotada a R$77,00 , logo, a empresa comprará 10 contratos por R$346.500 (4500 sacas por R$77,00 cada)

Supondo que a alta temida pela empresa se concretize e que a saca de milho chegue a R$85 na data de vencimento, os ajustes diários resultarão no seguinte valor:

(−77 + 85) ∗ 4500 = R$ 36.000

Então na data de vencimento do contrato a empresa compra no mercado a vista 4500 sacas por R$85:

85 ∗ 4500 = 𝑅$382.500

Levando em consideração a margem obtida pelo hedge, a empresa chega no valor inicial de R$346.500:

382.000 − 36.000 = 𝑅$346.500

• Exemplo 2 – Hedge de venda de boi gordo: Um criador de boi quer se prevenir da queda no preço da arroba de boi gordo para que ele consiga arcar com todos os custos e não tenha nenhuma surpresa. Tendo em vista que em 3 meses o criador terá 8.250 arrobas de boi gordo, o criador precisa vender cerca de 25 contratos futuros.

Com o contrato de futuro de boi gordo cotado a R$273,00/@, a venda de 25 contrato totaliza R$2.252.250,00. 

Supondo que o preço do contrato futuro caia para R$265,00/@, os ajustes diários resultarão no seguinte valor:

(273 − 265) ∗ 8250 = 𝑅$66.000

Na data de vencimento do contrato, a posição do criador é fechada, a venda dos bois no mercado físico rende para ele:

265 ∗ 8250 = 𝑅$2.186.250

Somando ao valor dos ajustes diários feito pelo criador de gados, volta-se ao valor que cobrirá todos os custos e renderá lucro ao produtor:

2.186.250 + 66.000 = 𝑅$2.252.250,00

Apesar de os exercícios acima não abordarem as taxas de serviços da bolsa de valores e o imposto de renda, o investidor que pretende negociar contratos futuros precisa levá-los em consideração, tendo em vista que as taxas podem diminuir a margem de lucro do negociante.

Conclusão:

Os contratos futuros são uma das principais ferramentas de proteção que o investidor ligado ao agronegócio possui hoje. Como foi apresentado no decorrer do artigo, o uso deles pode garantir que os produtores consigam uma margem de lucro mesmo negociando as commodities em um grande horizonte de tempo.

Referências:

Miceli, W. M. (2017). Derivativos de agronegócios: Gestão de riscos de mercado. São Paulo : Saint Paul Editora. 

Contrato Futuro de Milho na BM&F. Disponível em: <https://br.advfn.com/investimentos/futuros/milho> . Acesso em: 14 de outubro de 2020. 

Contrato Futuro de Café na BM&F. Disponível em: <https://br.advfn.com/investimentos/futuros/cafe> . Acesso em: 14 de outubro de 2020. 

Contrato Futuro de Soja na BM&F. Disponível em: <https://br.advfn.com/investimentos/futuros/soja> . Acesso em: 14 de outubro de 2020.

Contrato Futuro de Boi Gordo na BM&F. Disponível em: <https://br.advfn.com/investimentos/futuros/boi-gordo> . Acesso em: 14 de outubro de 2020. 

Contrato Futuro de Etanol Hidratado na BM&F. Disponível em: <https://br.advfn.com/investimentos/futuros/etanol> . Acesso em: 14 de outubro de 2020. 

CONTRATO FUTURO DE AÇÚCAR CRISTAL COM LIQUIDAÇÃO FINANCEIRA. Disponível em: <http://www.bmf.com.br/bmfbovespa/pages/Contratos1/Agropecuarios/pdf/Contrato-Futuro-de-Acucar-Cristal-Especial.pdf> . Acesso em: 14 de outubro de 2020.

Posted by Nelson Gaudêncio Inácio Ambros in Derivativos & Riscos, 2 comments
Valuation de Companhias Financeiras – Parte 1

Valuation de Companhias Financeiras – Parte 1

Atualmente cerca de 27,6% das empresas listadas no índice Ibovespa são do setor financeiro. Na maioria dos países emergentes, como no Brasil, o segmento financeiro possui a maior participação entre as empresas listadas na bolsa de valores. Mesmo em mercados desenvolvidos como o Americano ou o Europeu, as companhias financeiras continuam com uma grande participação entre as empresas listadas, chegando a 15% nos Estados Unidos. Em termos globais, cerca de 20% de todas as companhias de capital aberto são do setor financeiro. Porém as empresas financeiras possuem algumas peculiaridades em relação às outras, o que acaba tornando-as impossível de se avaliar através dos métodos tradicionais. Por isso, para podermos fazer um Valuation das companhias financeiras precisamos fazer algumas mudanças ao modelo tradicional do DCF (Discounted cash flow) ou utilizar outros modelos.

 

OS PROBLEMAS

Podemos dividir os problemas – ou peculiaridades – das empresas do setor financeiro em 3 categorias: Regulação, diferenças contábeis e dívida. Vamos explorar um pouco sobre cada tópico e mais pra frente ver como isso se torna um problema ao fazer o valuation.

Regulação

O setor financeiro é bastante vital para as economias capitalistas, não é à toa que ele é bastante regulado, além de ser o responsável por algumas crises econômicas mundiais, como por exemplo a crise de 2008. Estas regulações limitam a liberdade do setor, por isso é importante tomar cuidado com a regulação ao qual a companhia está sujeita, para não modelar cenários impossíveis.

A principal regulação do setor financeiro é a taxa compulsória, essa taxa é um limite do quanto o banco pode emprestar para os seus clientes. Porém o banco pode por escolha própria ou condições de mercado diminuir ainda mais a quantia emprestada. A soma desses dois fatores é chamada de reserva de capital, ele nada mais é do que uma porcentagem da dívida da companhia que fica reservada para diminuir o chamado multiplicador bancário e os riscos do próprio negócio da companhia. A reserva de capital é fator muito importante para os bancos e será necessário na segunda parte para fazermos o DCF.

Outros dois tipos de regulação que o setor possui é: Limitação nos tipos de produtos que o portfólio do banco pode investir, por isso ao calcularmos o retorno destes portfólios precisamos ser coerentes com os ativos ao qual eles podem investir. E por fim a entrada de novos concorrentes nesse setor é regulado, o que altera um pouco o ambiente competitivo.

Diferenças Contábeis

Grande parte dos ativos financeiros de um banco são marcados a mercado, isso faz com que seja impossível fazer qualquer tipo de comparação entre empresas do setor financeiros e empresas não financeiras, pois as empresas não pertencentes ao setor financeiro tendem a ter a balança patrimonial marcado pelo preço de aquisição.

A marcação a mercado faz com que os indicadores que utilizam a balança patrimonial mudem de sentido, por exemplo o ROA (Return on Assets), numa empresa não financeira ela é o retorno da companhia em cima do preço de aquisição dos ativos, porém em companhias financeira o ROA é o retorno da companhia em cima do preço dos ativos no momento.

Outra questão interessante é que o setor tem grandes provisões de perda, em cima dos produtos adquiridos pelos clientes e do seu portfólio. Estas provisões financeiras afetam o lucro da companhia. Por isso, para projetarmos o lucro da companhia temos que projetar as provisões da companhia, uma maneira de fazer isso é projetar uma perda esperada e assumir que as provisões serão do mesmo valor. É importante ressaltar que isso é uma hipótese e pode não se concretizar.

Bancos conservadores fazem provisões maiores que a perda projetada, ou projetam a perda com premissas mais pessimistas. Por outro lado, existe bancos que fazem provisões relativamente menores, por isso apresentam lucro contábil maior naquele período, porém não sustentável a longo prazo. É importante vermos se a empresa está assumindo provisões condizentes ou se está procurando inflar o seu lucro.

Dívidas e Reinvestimentos

A grande diferença entre companhias financeiras e as demais é a dívida. Para o setor dívida é matéria prima, elas captam dívidas dos seus clientes e transforma isso em produtos, como por exemplo, empréstimos bancários. Dívida para estas empresas não é o que ela captou de terceiros e usou para aumentar ou manter o seu modelo de negócios, mas sim o próprio modelo de negócios da empresa. Esse fato traz certos problemas ao se fazer um valuation no qual vamos explorar mais à frente.

Não é possível definir dívidas de bancos de forma correta, por exemplo, o dinheiro que o cliente depositou na conta poupança entra como uma dívida para o banco, porém não podemos contar um dos produtos do banco como sente uma dívida, isso faz com que saber o que realmente é dívida ou não para um banco se torne algo muito subjetivo e complicado.

O outro problema é que não sabemos o quanto o banco reinveste. Sabemos que reinvestimento é o Capex e a necessidade de Capital de giro, porém empresas financeiras dificilmente gastam muito em ativos imobilizados, na verdade cada vez mais o reinvestimento dos bancos vem sendo através de ativos intangíveis, que são contabilizados como gastos operacionais. E se calcularmos a necessidade de capital de giro com a diferença entre Ativos Circulantes e Passivos Circulantes, vamos ter um valor muito volátil para estas empresas.

 

PROBLEMAS NO VALUATION

As peculiaridades que empresas financeiras possuem trazem certos desafios para o valuation. O fato de não conseguirmos determinar Capex nem a necessidade de capital de giro, faz com que, pelos métodos tradicionais, seja impossível chegar a um Free Cash Flow. Além disso, não saber o grau de reinvestimento da empresa faz com que nós não tenhamos como ter boas estimativas de crescimento para a companhia.

Se quisermos fazer um valuation através do DFC será necessário utilizar o FCFE, pois se utilizarmos o WACC para descontar o fluxos de caixa estaremos sobre avaliando a empresa, isso acontece pelo fato da composição da dívida da empresa conter a poupança dos seus clientes que são remuneradas a taxas baixas, como consequência o WACC também teria uma taxa baixa, porém como já mencionado não podemos contar um serviço financeiro da empresa como dívida, logo não podemos descontar os fluxos de caixa da empresa com este WACC.

Certos analistas procuram substitutos para o Free Cash Flow, como por exemplo, descontar apenas o lucro da empresa, o problema ao fazer isso é que mesmo que a empresa não reinvista nada em ativos imobilizados e distribua 100% dos seus lucros em algum momento a portfólio da companhia irá aumentar, o que fará a empresa por lei ter que aumentar a sua reserva de capital, sendo assim ela não poderá repassar todos os lucros, isso por sua vez fará o modelo refletir com menos precisão o valor da companhia.

Existe analistas que procuram criar um “Pseudo Free Cash Flow”, basicamente o que é feito é procurar estimar uma taxa de reinvestimento, o grande problema é que essa prática só é bem realizada por aqueles que conhecem muito bem a empresa, o que nem sempre é verdade para analistas que tem que olhar para outras companhias além daquela. Caso não se tenha uma forma coerente de se calcular o reinvestimento procure utilizar outros métodos, pois com este você pode chegar a preços muito diferentes do valor da companhia.

Sem dúvida nenhuma o modelo mais utilizado é descontar os dividendos da companhia, porém precisamos ficar atentos a certas coisas e assumir algumas hipóteses, sabemos que existem companhias que pagam menos dividendos do que poderiam pagar, assim como existem companhias que pagam mais dividendos do que podem. Se mantermos estes pagamentos constantes estaremos sub avaliando a companhia no primeiro caso e sobre avaliando no segundo.

Existem vários fatores que podem levar uma empresa em um determinado ano não pagar dividendos correntes com a empresa, podemos citar como exemplo a regra que impossibilita as empresas no ano de 2020 pagar mais do que 25% do lucro em dividendos. Para fazermos um valuation corrente através de dividendos precisamos checar se não há nenhum fato extraordinário que esteja influenciando os dividendos da companhia naquele ano.

Um problema ao descontarmos os dividendos é que companhias com potencial de crescimento não pagam dividendos ou pagam muito pouco, para conseguirmos estabelecer um valor para essas empresas precisamos dividir o modelo em duas ou mais partes e estabelecer períodos os períodos de transição da companhia bem como seu crescimento médio em cada período.

Caso utilizemos como amostra os últimos períodos de dividendos pagos pela companhia podemos estar estimando apenas um ciclo econômico, por exemplo, caso seja avaliado os dividendos pagos nos últimos 3 anos do banco XWZ poderemos estar pegando apenas um cenário de recessão, porém num cenário de boom econômico a companhia reportará maiores lucros, logo pagará mais dividendos. Ao fazermos a análise dos dividendos, lucros, crescimento do portfólio e provisões de perdas, temos que estar atentos para pegarmos a média da performance da companhia num ciclo inteiro.

Não importa o tipo de modelo que iremos escolher todos possuem um problema em comum, o fato do balanço da companhia ser marcado a mercado e quase todos os ativos da companhia serem produtos financeiros nos leva há um problema, como sabemos o mercado erra e esse erro as vezes pode ser grande, por exemplo a crise de 2008 que levou o valor dos títulos hipotecários dos bancos a valores irrisórios. A não ser que seja feito um estudo profundo de todos os ativos financeiros que o banco carrega e livre de viéses, iremos estar sujeitos ao risco de que o valor dos ativos seja substancialmente diferente do preço deles. A melhor forma de nos precaver contra isso é justamente escolher bancos mais conservadores.

Na próxima parte será demonstrado modelos para resolver a maioria destes problemas ou contorná-los, além de exemplos de aplicabilidade dos modelos.

To be Continued

 

Referências Bibliográficas

DAMODARAN, Aswath. The Dark Side of Valuation: Valuing Young, Distressed, and Complex Businesses. 2. ed. New Jersey: Pearson Education, 2010.

MIYAZAKI, Emerson Tetsuo. Valuation Aplicado ao Setor Bancário: Definição de um modelo de avaliação de bancos. Brasília: Universidade de Brasília.  

PÓVOA, Alexandre. Valuation: Como Precificar Ações. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2020.

Posted by Ismael Lohmann in Equity Research, 1 comment