Month: December 2022

Curva de Juros: Estimação, Modelos e Métodos de Otimização

Curva de Juros: Estimação, Modelos e Métodos de Otimização

A Estrutura a Termo da Taxa de Juros (ETTJ), também conhecida como Curva de Juros, expressa uma relação temporal entre a taxa de juros e a maturidade do investimento. O juros expressa o valor do dinheiro no tempo, e é um instrumento fundamental para a atividade econômica, atuando como responsável por reger as escolhas intertemporais entre consumo e poupança dos agentes em níveis microeconômicos, e como principal ferramenta para condução da política monetária no ambiente macroeconômico. 

A Curva de juros é um conceito fundamental da teoria econômica e financeira, utilizada como base para precificação de ativos de renda fixa e como benchmark na determinação de taxas no mercado de dívida, além de ser um excelente mecanismo capaz de inferir acerca das expectativas do mercado e auxiliar nos processos de prescrição de políticas econômicas.

A curva de juros possui implicações importantes para a atividade econômica, uma vez que é um instrumento dinâmico, capaz de refletir, diariamente, as expectativas do mercado. A partir de sua observação, é possível inferir, por exemplo, sobre as percepções de risco fiscal pelo agentes e como estas surtem efeito sobre as expectativas futuras das variáveis macroeconômicas.

Historicamente, o processo de inversão da Curva de Juros antecede um período de recessão econômica. A inversão mais recente ocorrida no mercado doméstico foi em novembro de 2021, mediante o anúncio das políticas de estímulo fiscal que foram adotadas pelo governo e pela tramitação da PEC dos Precatórios, fatores estes que, somados a má comunicação do governo para com o mercado, tendo em vista os bons resultados da arrecadação pública, eclodiram numa maior percepção de risco fiscal pelo mercado. Este cenário, aliado com o forte ciclo de alta dos juros, visando retrair a escalada dos níveis de preço, culminaram na inversão da curva de juros, fenômeno este que se mantém até o presente momento, tendo em vista o cenário persistente de alta de juros e a piora conjuntural e do cenário prospectivo, com ênfase, sobretudo, ao âmbito fiscal.

Neste cenário, durante o mês de junho de 2022, a Curva de Juros doméstica adquiriu maior inclinação a partir de períodos de maturidade superiores a três anos, com ênfase na ponta longa da curva. O aumento dos gastos públicos impacta as expectativas de inflação do mercado, uma vez que geram estímulos à demanda agregada da economia, uma expectativa maior de inflação para o médio e longo prazo pressupõe a necessidade de uma política monetária contracionista, para redução do processo inflacionário, o que gera impactos, por sua vez, sobre a atividade.

Adicionalmente, também por meio da Curva de Juros, é possível extrair o cálculo da Inflação implícita, dado importante na calibração de modelos de precificação de ativos, a partir de uma relação econômica importante conhecida como Identidade de Fisher, que considera que a taxa de juros nominal é uma composição entre a taxa de juros real e a expectativa de inflação para o período.


Base de Dados

A ETTJ não é diretamente observável e precisa ser estimada a partir de cotações de mercado para títulos de renda fixa ou instrumentos derivativos, a partir das cotações é possível obter os vértices, que serão pares ordenados de taxa de juros e maturidade. A Curva de Juros é obtida a partir da cotação de títulos que não possuem o pagamento de cupons, ou a partir de taxas implícitas de instrumentos derivativos. A utilização de zero coupon bonds para modelagem da Estrutura a Termo ocorre pela necessidade, em caso da utilização de títulos com pagamento de cupons, de incorporar ao modelo a hipótese de que os cupons são reinvestidos à mesma taxa, fato que dificilmente ocorre. 

Desta forma, os instrumentos de Renda Fixa que não possuem pagamento de cupons são, em geral, inerentes a três tipos de riscos: risco de mercado, risco de crédito e risco de liquidez. Para a mensuração da ETTJ “livre de risco”, também denominada como Curva Base, utiliza-se dados de mercado de títulos considerados isentos de riscos de crédito e liquidez. Neste cenário, a literatura sugere o uso de cotações de mercado de títulos de renda fixa emitidos pelo governo, cujos quais são, teoricamente, os títulos com menor risco de crédito da economia.

Para mercados mais líquidos, a utilização de dados de títulos de renda fixa para a estimação da curva de juros é uma prática recorrente, fato este que não ocorre no cenário brasileiro, cujo qual apresenta escassez nos instrumentos de renda fixa prefixados e baixa liquidez no mercado secundário, fatores que dificultam o processo de extrapolação, que é a modelagem da curva para prazos mais longos. Desta forma, uma melhor modelagem da ETTJ para o mercado nacional pode ser obtida por meio das taxas implícitas de instrumentos derivativos.


Interpolação e Extrapolação

Os vértices constituem um conjunto discreto de dados, sendo que, para a concepção da curva em termos contínuos, utiliza-se duas técnicas: Interpolação, que consiste na estimação de uma curva entre dois vértices consecutivos, sendo capaz de obter taxas contínuas para prazos intermediários, produzindo o melhor ajuste aos dados, e Extrapolação, que é a modelagem da curva em pontos fora do conjunto de dados, para um horizonte longo de tempo, em função muitas vezes, da baixa liquidez para horizontes de longo prazo.

Existem alguns métodos diferentes para interpolação dos vértices, como o linear, que consiste na interligação de cada vértice consecutivo por uma reta e pode ser facilmente mensurado por meio da Equação da Reta; o Log-Linear, que utiliza a mesma função de interpolação linear, mas com a aplicação de logaritmos neperianos aos vértices; e a Interpolação Spline, que consiste em um conjunto de polinômios de baixo grau, unidos em nós (vértices) capazes de formar uma função contínua em um dado intervalo, ou seja, por meio dos vértices e de uma forma funcional com grau predefinido e sujeita a certas restrições, que garantam continuidade e diferenciação, é possível obter a estimação da curva.

A Interpolação Log-Linear possui um maior sentido econômico para a interpolação da Curva de Juros brasileira, já que o país utiliza do regime composto de capitalização. A metodologia Spline, apesar de ter vasta utilização no mercado, pode apresentar certas instabilidades, principalmente quando a distribuição dos vértices apresenta certa heterogeneidade.

O procedimento mais comum para a estimação da curva é impor, inicialmente, uma forma funcional com K parâmetros para a estrutura a termo, o próximo passo consiste na estimação destes parâmetros, por meio do método de Mínimos Quadrados Ordinários, que consiste na minimização da soma dos quadrados da diferença entre os dados estimados e observados, esta diferença é denominada como erro ou resíduo do modelo.

As formas funcionais estimadas podem ser polinômios, splines, funções exponenciais, ou uma combinação destas ou outras funções. Atualmente, os métodos mais proeminentes e amplamente utilizados pelo mercado e por diversos bancos centrais ao redor do mundo são os propostos por Nelson & Siegel (1987), Svensson (1994).


Modelo de Nelson-Siegel

Os modelos propostos por Nelson-Siegel e Svensson estabelecem formas funcionais que buscam aproximar a estrutura de taxas a termo por meio de uma soma de funções exponenciais, a diferença entre os modelos está na quantidade de parâmetros para a forma funcional. O modelo de Nelson-Siegel é capaz de gerar, de forma simples e efetiva, estruturas a termo com formatos muito próximos aos observados no mercado, por meio de uma forma funcional com quatro parâmetros. As taxas a termo deste modelo são dadas pela equação:

Texto Descrição gerada automaticamente

Os parâmetros β0β1 e β2 podem ser interpretados como fatores dinâmicos que exercem influência em horizontes de prazos distintos na curva de taxas a termo, sendo que, os termos que multiplicam esses fatores são denominados de cargas de fatores:

  • βס pode ser interpretado como um fator de longo prazo, a carga que multiplica este parâmetro é igual a um, uma constante, ou seja, não varia à medida que o horizonte de maturidade aumenta;
  • β1 pode ser visto como um fator de curto prazo, já que a carga que multiplica este fator é uma função que inicia em um e decai rápida e monotonicamente (a taxas constantes) a zero à medida que cresce o prazo de maturidade;
  • A carga que multiplica o fator β2 é uma função que inicia em zero, assume valores positivos no médio prazo, e decai a zero novamente à medida que o prazo de maturidade tende a infinito, β2 pode, portanto, ser interpretado como um fator de médio prazo.

É possível observar, com base nos valores assumidos pelos parâmetros que compõe o modelo, algumas importantes variações na estrutura funcional, por exemplo, quando β1 < 0, a curva é crescente no curto prazo, no entanto, caso β1 > 0 a curva torna-se decrescente neste mesmo horizonte de tempo. O fator β2, caracterizado como de médio prazo, quando positivo produz uma corcova para cima, trazendo certa concavidade para a estrutura, já quando negativo, a função assume uma corcova para baixo, assumindo um certo grau de convexidade. O parâmetro β2 é responsável, juntamente com o λ, pela transição entre as taxas de curto e longo prazo, sendo que, para haver sentido econômico, é necessário que λ seja maior que zero.

Os três parâmetros β0β1 e β2 podem ser interpretados como fatores de nível, inclinação e curvatura, respectivamente (Diebold & Li, 2006).

Gráfico Descrição gerada automaticamente com confiança média


Modelo de Svensson

O modelo de Svensson, como já mencionado, é uma expansão do modelo proposto por Nelson-Siegel, sendo capaz de apresentar estimações significativamente superiores, sobretudo em estruturas de curva de juros mais complexas. Amplamente utilizado por diversos bancos centrais, o modelo proposto por Svensson estende o modelo anterior por meio da adição de um novo termo exponencial à estrutura funcional da curva de taxas a termo, contendo dois parâmetros (β3 e λ2). Este novo termo é interpretado, juntamente com o β2, como um fator de longo prazo, permitindo a formação de uma segunda corcova na função da curva de juros.


Adicionalmente, o novo parâmetro pode ser interpretado também como um fator de curvatura, responsável pela dinâmica de médio prazo, bem como, pelo processo de transição entre as taxas de curto e longo prazo. Similarmente, o parâmetro λ2 adquire um papel próximo ao já desempenhado por λ1, como fatores de decaimento e de transição. Pode-se observar como os parâmetros interferem na estrutura em diferentes prazos de maturidade por meio da aplicação dos limites na expressão, obtendo:


O limite da expressão quando o prazo de maturidade tende a zero são os componentes de longo e de curto prazo da curva, já quando a função tende a infinito, a expressão tende somente ao parâmetro de longo prazo.


Objeto de Estimação

Após a definição da estrutura funcional, é necessário a estimação dos parâmetros. Como já mencionado, esta estimação é obtida através da minimização do somatório dos erros quadráticos. Inicialmente, para a estimação dos parâmetros do modelo, é necessário definir se o objeto de estimação é o preço do título, a taxa de juros à vista (spot) ou a taxa a termo (forward). Esta etapa é importante para o processo, já que dependendo do objeto de estimação, os resíduos podem apresentar heterocedasticidade.

A heterocedasticidade é um efeito estatístico que ocorre quando os erros do modelo apresentam variâncias distintas, ou seja, a dispersão dos dados em relação à curva estimada não é regular à medida que se altera o horizonte de maturidade. Caso os erros do modelo apresentem variâncias distintas (heterocedasticidade), os estimadores podem perder eficiência, ou seja, mesmo que não tendenciosos, podem estimar os parâmetros com uma variância maior, de forma menos precisa. Neste caso, a heterocedasticidade é causada pela natureza das variáveis, já que os preços dos instrumentos financeiros de curta maturidade são menos sensíveis a variações nas taxas de juros, ou seja, pequenas alterações nos preços dos títulos de curto prazo implicam em grandes alterações nas taxas de juros, o contrário acontece para títulos de longo prazo.

Quando o objeto de estimação for o preço do título, os resíduos serão homocedásticos nos preços e heterocedásticos nas taxas, já que o modelo apresentaria erros elevados para as taxas à vista de curto prazo, no entanto, caso o objeto de estimação seja a taxa de juros à vista (spot), os erros serão homocedásticos nas taxas e heterocedásticos nos preços, já que haveria erros elevados para os preços dos títulos de longo prazo. Uma abordagem possível para corrigir o problema de heterocedasticidade nas taxas à vista é ponderar o erro quadrático do preço de cada título pelo inverso da duration de Macaulay, dando mais relevância para os erros dos títulos de curto prazo, a utilização deste ponderador é bastante frequente para o mercado doméstico.

Na construção do intervalo indicativo, a otimização é realizada com base nos quatro parâmetros, pois os componentes de decaimento λ1 e λ2 são mantidos fixos. Em muitos casos, o processo de otimização da função objetivo torna-se bastante complexo, apresentando uma alta não linearidade no modelo. Nestes casos, a utilização de métodos de otimização tradicionais, como mínimos quadrados não lineares ou máxima verossimilhança, apresentam um alto risco de falsa convergência, uma vez que a alta não linearidade do modelo traz o risco de que a otimização não atinja o mínimo global, mas sim um mínimo local. Estes métodos tradicionais apresentam muita sensibilidade aos parâmetros inicialmente fornecidos (“chute inicial”), podendo apresentar resultados viesados, que levam à alta volatilidade das séries históricas dos parâmetros, à presença de valores estimados infactíveis e a uma grande frequência de alterações estruturais na curva.


Processo de Otimização

Neste contexto, foi desenvolvido um método de otimização de algoritmo genético para estimação dos parâmetros do modelo de Svensson. Atualmente, o método mais proeminente é a utilização de um método tradicional, capaz de refinar os parâmetros encontrados, aliado ao método de algoritmo genético, possibilitando uma varredura melhor do espaço e definindo com melhor exatidão a região inicial de otimização, já que o método de algoritmo genético possui certa dificuldade na realização de um ajuste fino local. Desta forma, torna-se possível obter resultados mais satisfatórias, eliminando os riscos de falsa convergência, e obtendo séries históricas menos voláteis e com melhor ajuste aos dados.

Um método tradicional de otimização não linear Quasi-Newton apresenta bons resultados no processo, já que, assim como o método iterativo de Newton, eles possuem alta eficiência na obtenção de um ótimo local. Em síntese, um problema genérico de otimização não linear consiste em encontrar um vetor que minimize uma dada função objetivo, sujeita a algumas restrições.

O método de algoritmos genéticos, introduzido nas áreas das ciências biológicas por John Holland (1975), consiste em algoritmos de buscas baseados em mecanismos de seleção natural e genética. A teoria dos algoritmos genéticos é inspirada na teoria Darwiniana de evolução das espécies, onde o princípio de seleção privilegia os indivíduos mais aptos com maior longevidade e, portanto, com maior probabilidade de reprodução, este processo garante que, à medida que o tempo passa, as gerações tornam-se melhores e mais adaptadas ao meio que as anteriores.

O algoritmo genético aplicado a solução do problema de otimização da Curva de Juros tomou como base o trabalho de Gimeno e Nave (2006), do Banco Central da Espanha, cuja ideia básica consiste em criar uma população de cromossomos que representem candidatos à solução do problema. Essa população evolui ao longo do tempo através de novas gerações, sendo que, a cada evolução, os melhores indivíduos (candidatos a ótimos do problema) são selecionados e submetidos a processos de recombinação (crossover) e mutação.

O escopo teórico da teoria Darwiniana fornece embasamento e fundamenta, de forma análoga, o processo computacional. Este processo ocorre até a população convergir para a solução ótima do problema, chamado de estágio estacionário, este ponto é utilizado como valor inicial do algoritmo Quasi-Newton, que será responsável por realizar o ajuste fino local e encontrar o ponto de mínimo global do modelo. Portanto, com a resolução do modelo por meio da estimação dos parâmetros, é possível obter a estrutura funcional estimada da Curva de Juros.



Referências bibliográficas

Svensson, L. E. O. (1994), ‘Estimating and interpreting forward interest rates: Sweden 1992-1994’, International Monetary Fund Working Paper.

Nelson, C. R. & Siegel, A. F. (1987), ‘Parsimonious modeling of yield curves’, The Journal of Business, University of Chicago.

Franklin Jr., Duarte, Neves e Melo (2012), ‘A Estrutura a termo de taxas de juros no Brasil: Modelos, Estimação e Testes.

Anbima (2010), “Estrutura a Termo das Taxas de Juros Estimada e Inflação Implícita Metodologia”.

SUSESP (2010), “Interpolação e Extrapolação das ETTJ no Brasil”.

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Mercado Futuro de Cupom Cambial (DDI e FRC)

Mercado Futuro de Cupom Cambial (DDI e FRC)

Mercado Futuro de Cupom Cambial (DDI e FRC)

Esse artigo tem por objetivo explorar o funcionamento do mercado futuro de cupom cambial, o qual pertence ao complexo de derivativos de juros e se mostra extremamente importante para montagem de hedges por parte de empresas que têm de lidar com a variação cambial em suas operações, bem como para investidores institucionais, como fundos de investimento, bancos, family offices, seguradoras e fundos de pensão, os quais buscam gerar retornos ao operar os instrumentos desse mercado.

 

O QUE É O CUPOM CAMBIAL?

O cupom cambial é a denominação dada à taxa de juros calculada pelo diferencial entre a taxa de juros interna e a variação cambial, ambos referentes a um mesmo período. Portanto, trata-se de uma taxa de juro em dólar. Em outras palavras, o cupom cambial representa a remuneração de um título expresso ou indexado em dólares no mercado financeiro nacional. De uma maneira mais simplificada, é o rendimento em dólares para estrangeiros que assumem o risco de investir no Brasil.

 

Vamos a um exemplo simples para um melhor entendimento:

Exemplificação Cupom Cambial


Assim sendo, fica claro que a rentabilidade dos recursos estrangeiros investidos no mercado nacional, quando da repatriação destes, pode divergir do retorno obtido na moeda local a depender da variação cambial do período. E esse verdadeiro rendimento dos recursos estrangeiros é representado pelo cupom cambial, o qual é calculado da seguinte maneira:

Equação Cupom Cambial

Sendo:

iaa = taxa de juros do investimento em moeda local expressa em percentual ao ano

du = período em dias úteis

ΔCambial = US$final/US$inicial 

dc = período em dias corridos (variável necessária já que o cupom cambial é uma taxa de juros expressa em percentual ao ano e base 360 dias corridos)

Observe que a taxa do cupom é diretamente proporcional à taxa de juros interna, enquanto que a variação cambial atua de forma inversamente proporcional. Ou seja, aumentos na taxa de juros interna a qual o capital está exposto e uma valorização do real frente ao dólar no período resultam num maior cupom cambial.

Para o exemplo anterior, o cálculo do cupom cambial se daria da seguinte forma: 

Exemplo Cálculo Cupom Cambial

CUPOM CAMBIAL ENTRE HOJE E UMA DATA FUTURA

A partir das cotações dos contratos futuros de DI de 1 dia (código de negociação DI1) e de taxa de câmbio de Reais/Dólar dos Estados Unidos (código de negociação DOL), é possível obter a expectativa do mercado para o cupom cambial para diversos períodos futuros – diferentemente do que foi feito no exemplo anterior, no qual calculou-se o cupom cambial para um evento passado. 

 

Para tanto, calcula-se o diferencial entre:

·   a taxa de juros negociada pelo mercado para um determinado vértice da ETTJ (Estrutura a Termo da Taxa de Juros) através dos contratos futuros de DI

·    e a variação cambial implícita no contrato futuro de dólar para o mesmo período em questão, ou seja, a quociente entre o Dólar Futuro e o Dólar Spot (também chamado de dólar “à vista” ou “pronto”).

Observe:
CUPOM CAMBIAL ENTRE HOJE E UMA DATA FUTURA

Sendo:

iaa = taxa de juros negociada no DI1 do vértice equivalente ao período em questão, em percentual ao ano

du = período em dias úteis entre o dia da negociação, inclusive, e o último dia de negociação dos contratos futuros (ou seja, o último dia útil do mês anterior ao mês de vencimento), inclusive 

dc = período em dias corridos entre o dia da negociação, inclusive, e o último dia de negociação dos contratos futuros (ou seja, o último dia útil do mês anterior ao mês de vencimento), inclusive

US$ Fut = cotação do câmbio negociada no contrato futuro de dólar para o período em questão

US$ Spot =  taxa de câmbio do dia da negociação no mercado spot

PU do DI1 = preço unitário do contrato futuro de DI para o período em questão no dia da negociação (isso porque o valor final de liquidação do contrato (valor de face) do DI1 é de R$100.000,00 e, assim, seu PU (preço do contrato em uma determinada data) é obtido a partir do desconto do valor de face pela taxa negociada. Desse modo, ao dividir o valor de face pelo preço unitário do contrato no dia da negociação, encontra-se o mesmo resultado de (1 + iaa)du/252 ).


CONTRATO FUTURO DE CUPOM CAMBIAL (DDI)

Com isso em mente, podemos tratar do contrato futuro de cupom cambial (código de negociação DDI) propriamente dito.

 

Sua negociação teve início em 1998 na BM&F, quando veio substituir o uso combinado, pelos agentes do mercado, dos contratos futuros de dólar e de DI de 1 dia. Os principais agentes que negociam esse contrato são investidores institucionais, instituições financeiras e investidores estrangeiros.

 

Esse derivativo financeiro tem como objeto de negociação a taxa de juro obtida a partir do cálculo do diferencial entre:

·   a expectativa de acumulação da taxa DI no período compreendido entre a data de operação, inclusive, e a data de vencimento do contrato futuro, exclusive (encontrada, como abordado anteriormente, por meio da taxa negociada no contrato futuro de DI de vencimento equivalente)

·   e a expectativa de variação da taxa de câmbio (considerando a PTAX de venda como base) observada entre o dia útil anterior à data da operação, inclusive, e a data de vencimento do contrato, exclusive

 

Como pode ser notado, o cálculo do cupom cambial utilizado como objeto de negociação no DDI diverge – de modo sutil – daquele abordado anteriormente, uma vez que ele não toma como base o Dólar Spot para determinar da expectativa do mercado em relação a variação cambial para o período, mas, sim, a taxa PTAX (índice de taxa de câmbio calculado e divulgado diariamente pelo Bacen) do dia anterior, mais especificamente, a de venda.

 

Esse padrão foi adotado pelo fato de ser mais conveniente e menos complicado negociar uma taxa de juros em dólar (cupom cambial) com base numa taxa de câmbio que já está dada (PTAXD-1) em detrimento de uma que está constantemente sofrendo variações no momento da negociação (Dólar Spot). 

 

Desse modo, existe uma clara defasagem ocasionada pela variação da taxa de câmbio entre o dia anterior e o dia da negociação do contrato e, por causa disso, convencionou-se no mercado financeiro brasileiro que, quando calculado pela PTAXD-1, denomina-se o cupom cambial como “cupom cambial sujo”. De forma oposta, chama-se de “cupom cambial limpo” aquele que é calculado com base no dólar à vista e, dessa maneira, não é contaminado pela volatilidade diária da taxa de câmbio, isto é, sem o efeito da defasagem de um dia presente no cupom sujo.

 

Ainda em relação a sua operacionalização, os contratos futuros de cupom cambial são negociados em taxa de juro, referente à cotação do cupom cambial para determinado período no momento da operação, a qual é expressa em percentual ao ano, linear, base 360 dias corridos, com até três casas decimais. Já o registro da operação é feito pelo seu Preço Unitário (PU), sendo este expresso com duas casas decimais. Em outras palavras, todas as operações de compra e venda de DDI são contratadas em taxa, mas são transformadas automaticamente em posições, em PU, de natureza contrária ao que foi transacionado durante o pregão, situação essa que será melhor abordada alguns parágrafos à frente, não se preocupe!

 

É importante entender, também, que, no vencimento do contratos futuros de cupom cambial, assim como ocorre com os contratos futuros de DI – como já abordado, de modo breve, no presente artigo –, seu PU vale, por regra, 100.000 pontos, ou seja, o valor final de liquidação do contrato (Valor de Face) é igual a cem mil pontos.

 

Contudo, diferentemente do que acontece com o DI1, cujos pontos valem, cada um, R$1,00 (resultando num valor de face de R$100.000,00), nos futuros de cupom cambial cada ponto do contrato é igual a US$0,50 e, assim, o PU no vencimento equivale a US$50.000,00. 

Assim sendo, tão logo a montagem de posição em DDI é realizada, gera-se um PU da operação, o qual é, então, calculado ao trazer os 100.000 pontos do valor de face do contrato a valor presente utilizando como taxa de desconto a taxa do cupom ao ano negociada (i), conforme a seguinte fórmula:

Cálculo da PU do contrato DDI

Sendo:

n = o número de dias corridos desde a data da negociação, inclusive, até o vencimento do contrato, exclusive

Fica claro, dessa maneira, a relação inversamente proporcional que é mantida entre a taxa do cupom cambial e o preço unitário do contrato futuro de cupom cambial e, portanto:

·        compra de taxa gera uma posição vendida em PU

·        a venda de taxa gera uma posição comprada em PU


A razão dessa característica é facilmente compreendida quando a relação inversa das duas variáveis (taxa e PU) é atentamente analisada. Vamos lá:

·    Caso se deseje, independentemente do motivo, ganhar com a alta da taxa de cupom cambial, compra-se taxa, ou seja, compra-se DDI. Contudo, como essa compra de taxa é registrada em PU, e essa variável é inversamente proporcional a i, gera-se uma posição vendida em PU, porque, desse modo, uma variação positiva na taxa (cenário considerado na montagem dessa posição hipotética) gerará uma diminuição no preço unitário do contrato, e uma posição vendida em PU condiz com essa realidade.

·     De maneira oposta, caso se deseje ganhar com uma queda na taxa de cupom cambial, entra-se short em taxa, ou seja, monta-se uma posição vendida em taxa e, para tanto, vende-se DDI. Porém, como essa venda de taxa é registrada em PU, e essa variável é inversamente proporcional a i, gera-se uma posição long em PU, porque, desse modo, uma variação negativa na taxa (cenário considerado na montagem dessa posição hipotética) gerará uma valorização no preço unitário do contrato, e uma posição comprada em PU se beneficia desse acontecimento.


Depois das compras e vendas de DDI terem sido transformadas em posições shortlong em PU, respectivamente, no final de cada pregão essas posições serão ajustadas com base no preço de ajuste do dia, determinado segundo regras estabelecidas pela B3, com movimentação financeira no dia da sessão de negociação subsequente. Esses ajustes diários são realizados automaticamente pelo sistema da B3, uma vez que ela se responsabiliza pela intermediação entre compradores e vendedores dos derivativos pertencentes ao mercado futuro, ou seja, a B3 atua como contraparte central e, portanto, age como uma proteção frente ao risco da contraparte não arcar com suas responsabilidades e obrigações (counterparty risk).

 

O valor do ajuste diário calculado pela B3:

·  se positivo, será creditado ao comprador da posição em PU (vendedor original em taxa) e debitado ao vendedor da posição em PU (comprador original em taxa), ou seja, o agente comprado em PU (vendido em DDI) recebe o valor financeiro equivalente ao ajuste do agente vendido em PU (comprado em DDI);

·   se negativo, o fluxo contrário acontecerá, ou seja, será debitado ao comprador da posição em PU o montante equivalente ao valor do ajuste diário e, então, creditado ao agente short em PU.


FRA DE CUPOM CAMBIAL (FRC)

Como já explorado, o DDI tem como objeto de negociação o cupom cambial dito “sujo”, pois utiliza em seus cálculos a taxa PTAXD-1 e, portanto, possui uma grande desvantagem em seu uso ao se mostrar exposto à variação cambial ocorrida entre o dia anterior e o data da negociação do contrato propriamente dita.

 

Assim sendo, em janeiro de 2001, a BM&F lançou uma modalidade operacional no mercado futuro de cupom cambial com o propósito de permitir e facilitar a realização de FRA (Forward Rate Agreement) de cupom cambial, cujo código de negociação é FRC, pelos agentes do mercado interessados.

 

FRA de cupom cambial (ou FRC) é uma operação sintética que utiliza dois contratos de DDI de vencimentos diferentes, e naturezas opostas, para retirar a variação cambial do dia anterior, e, desse modo, tal operação limpa o cupom sujo presente no DDI. A taxa resultante é uma taxa forward, livre da exposição à volatilidade diária da taxa de câmbio presente em um contrato de cupom cambial individual.

 

Esse contrato, além de possibilitar a negociação do diferencial de duas taxas futuras de cupom cambial e, portanto, gerar uma cupom cambial limpo, ou seja, mostrar-se como uma alternativa à defasagem da variação cambial de um dia existente no DDI, também se apresenta como um instrumento de muito mais liquidez no mercado quando comparado ao DDI, sendo, assim, bem mais presente no dia a dia dos bancos, gestoras, family offices etc.

 

Para efeito de negociação, as operações de FRC são realizadas como se fosse um novo contrato, ou seja, têm código de negociação próprio e se sujeita a todas as regras de pregão existentes para os demais contratos futuros. A diferença é a de que, em vez de gerar posições em um novo tipo de contrato, as operações de FRC são automaticamente transformadas pelo sistema da B3 em duas outras operações de DDI: 

·   a primeira, uma posição em DDI de mesma natureza e com vencimento idêntico ao negociado no FRC (ponta longa)

·     e a segunda, uma posição em DDI de natureza inversa, para o primeiro vencimento de DDI existente (ponta curta)

A partir do penúltimo dia de negociação do primeiro vencimento de DDI, a segunda operação (ponta curta) será gerada no segundo vencimento de DDI, mantendo-se esse vencimento até o penúltimo dia de negociação desse novo contrato, quando o processo se repetirá. Ou seja, a Bolsa se encarrega de fazer essa rolagem da ponta curta automaticamente para o comprador/vendedor de FRC.

 

Em outras palavras, por meio desta operação, as partes assumem uma posição no vencimento do FRA (que corresponde a uma posição longa em DDI, com vencimento em t2) e, automaticamente, a Bolsa abre uma posição inversa no primeiro vencimento em aberto de DDI (com liquidação em t1). 

O exemplo abaixo representa de modo ilustrativo uma situação hipotética em que se buscou montar uma posição comprada em FRC para t2

Sendo assim, a operação de compra desse contrato foi realizada normalmente pelo agente de mercado, porém essa posição foi automaticamente convertida em uma posição long em DDI para vencimento em t2 (equivalente a ponta longa da operação) e uma posição short em DDI para o vencimento de data mais próxima ao momento da operação, nesse caso, t1 (equivalente a ponta curta da operação). 


As partes, portanto, negociam uma taxa de juro anual linear, base 360, para um período futuro entre t1 e t2, ou seja, entre o dia da liquidação do DDI da ponta curta e o dia de liquidação do DDI de vencimento mais distante.


CONCLUSÃO

O mercado futuro de cupom cambial possui uma importância ímpar para o mercado financeiro brasileiro e os agentes que atuam nele. Esse artigo buscou, portanto, traçar uma linha de raciocínio de fácil entendimento para abordar e esclarecer, de modo introdutório, seus principais conceitos e os instrumentos financeiros que o compõe, bem como os detalhes acerca do funcionamento e da operacionalização destes derivativos.

Gostaria, por fim, de deixar registrado um agradecimento especial a Marilia Fontes, sócia-fundadora e analista de Renda Fixa na Nord Research, a qual se mostrou muito gentil e solícita em nossa breve conversa sobre o tema deste artigo, bem como sobre o material que foi produzido. A Marilia iniciou sua carreira na Mauá Capital sendo responsável pelas Mesas de Renda Fixa e de Câmbio e, assim, operou por muito tempo cupom cambial. Portanto, agradeço imensamente o feedback que me foi dado! 

REFERÊNCIAS

MUNHOZ, Ygor. Os determinantes macroeconômicos da estrutura a termo das taxas de juros em dólar no brasil. Fundação Getúlio Vargas, São Paulo, 2015. Disponível em: <https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/13994/Os%20determinantes%20macroecon%C3%B4micos%20da%20estrutura%20a%20termo%20das%20taxas%20de%20juros….pdf>. Acesso em: 20 de novembro de 2021.

 

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