Caetano Konrad

Gerente do núcleo de Macroeconomia & Renda-fixa em 2020.2
Gerente do núcleo de Macroeconomia & Renda-fixa em 2020.2
A relação entre inflação, juros e câmbio.

A relação entre inflação, juros e câmbio.

Introdução

As transações entre países estão cada vez mais rápidas e tenderão a evoluir conforme a globalização e a expansão da tecnologia. A necessidade de importar bens de outros países, realizar viagens internacionais ou até mesmo investir no exterior está presente na rotina de várias pessoas, junto com a dúvida de qual é o valor da sua moeda em relação ao do outro país. Com intuito de prover os primeiros passos para aqueles que desejam conhecer os fundamentos do mercado cambial, este artigo abordará como o preço dos bens e do dinheiro afetam a taxa de câmbio. Vale lembrar que existem diversas óticas para observar o mercado de câmbio a longo prazo, como a análise das transações internacionais através do balanço de pagamentos, dos efeitos da política fiscal e monetária no modelo de Mundell-Fleming conforme o regime cambial e também através da construção de portfólios, mas compreender a paridade do poder de compra e a paridade de juros é um bom começo.

A taxa de câmbio é um indicador macroeconômico que evidencia o elo econômico entre os países e representa um dos mercados mais voláteis do mundo, com baixos custos de transação, alta liquidez e velocidade de negociação. A pesquisa feita pelo Banco de Compensações Internacionais (BIS) em 2016 aponta que a captação média diária no mercado cambial foi de US$ 5,1 trilhões, sendo que os pares negociados euro-dólar e dólar-yene corresponderam a 41% de todo o mercado cambial negociado nesse ano. Por ser um ativo extremamente volátil, o dólar é considerado um instrumento de hedge pelos investidores brasileiros principalmente por ter, na maioria das vezes, correlação negativa com a bolsa brasileira. Ao atuar no mercado cambial com intuito de especular moedas e gerar lucros, é importante saber que a moeda adquirida não se multiplica pela mesma unidade monetária aplicada na transação, o investimento não gerará fluxos provenientes da aplicação. É possível lucrar através das oscilações, mas diferentemente das ações, que geram valor à uma empresa, ou uma debênture cujo investimento agregará em capital, ao comprar esse ativo de hedge o retorno estará sujeito apenas à paridade de valor com a moeda negociada bilateralmente.

Define-se taxa de câmbio como o preço de uma moeda em relação a outra. Quando se diz que o câmbio dólar real é de US$/R$ 5,00, isso significa que é necessário R$ 5,00 para comprar US$1,00 e alcunha-se a cotação em termo direto, isto é, quando a unidade monetária estrangeira é expressa em relação à unidade monetária nacional. Como a taxa de câmbio é a relação de troca entre duas moedas diferentes, ela é definida a partir da oferta de divisas -provenientes dos exportadores, entrada de turistas e capital externo e dos demais agentes que trocam dólares por reais – em comparação com a demanda por divisas entregue pelos importadores, pela saída de turistas e capitais externos e de outros agentes que trocam reais por dólares. A oscilação da cotação do câmbio pode ocorrer de duas formas: Quando há uma maior oferta de divisas, significa que tem mais moeda internacional em circulação do que moeda nacional e a taxa de câmbio é reduzida, esse fenômeno é chamado de valorização cambial. Caso aumente a demanda por divisas, a cotação do câmbio aumenta e ocorre a desvalorização na taxa de câmbio.

enter image description here

Paridade de poder de Compra

A paridade de poder de compra (PPC), ou lei do preço único, tem o conceito de que em um mundo ausente de barreiras ao livre comércio entre países o preço de um mesmo bem deverá ser o mesmo em qualquer lugar ao mesmo tempo. Proveniente disso, a taxa de câmbio oscilará em torno de um valor de equilíbrio a longo prazo para garantir a igualdade dos preços dos bens em diferentes moedas. As principais hipóteses para PPC ser válida são:

  1. Não há barreiras comerciais ou arbitragem entre os bens
  2. Não há custo de transações entre os países
  3. Os bens negociados entre os países são perfeitamente homogêneos

Ou seja, como a taxa de câmbio é o preço que equilibra as ofertas e demandas por moeda estrangeira no mercado de câmbio, a paridade de poder de compra é uma forma de garantir que os negociantes não pratiquem arbitragem de moedas entre os países. Define-se arbitragem o processo de comprar um ativo por um preço mais barato e vendê-lo mais caro em outro mercado, o mecanismo funciona da seguinte forma: Considere que a taxa de câmbio entre dólar e euro seja de US$/€ 1,10 em Nova York e em Londres a taxa de câmbio seja US$/€ 1,20. O investidor poderá converter US$ 1,1 milhão para euros em Nova York e receberá € 1 milhão conforme a taxa de câmbio local, em seguida ele converterá todo o euro recebido para dólar vendendo-o no mercado de câmbio em Londres, recebendo US$ 1,2 milhão graças à taxa de câmbio local e auferirá um lucro de US$ 100 mil apenas arbitrando entre duas moedas. Essa é uma estratégia que investidores exploram sempre que possível pelo simples fato de que pessoas preferem mais dinheiro ao invés de menos e, apesar do exemplo considerar o mercado de moedas, a arbitragem poderá ser explorada para qualquer ativo quando a hipótese do preço único de que dois fluxos de caixa idênticos devem ter o mesmo preço for quebrada. Ao abrir essa janela de oportunidade, o investidor fará um short selling e auferirá lucro positivo com risco zero.

Ao lidar com o mercado cambial de dois países nem sempre será possível arbitrar, o mais provável será explorar a desvalorização relativa condicionada quando a taxa de câmbio não estiver em seu equilíbrio de longo prazo conforme a PPC. Aqui vale o exemplo de um comprador que deseja adquirir uma moto negociada tanto na Alemanha quanto na República Tchéquia, dado a hipótese de que a moto é um produto homogêneo entre os países e equivale a cesta de bens definitiva para PPC ser válida. O consumidor observa que a taxa de câmbio entre os países está em Kč/€ 20, verifica os preços e percebe que a moto vale € 10.000 na Alemanha e Kč 100.000 na República Tchéquia, então a taxa de câmbio de equilíbrio entre o euro e a coroa tchéquia será de €/Kč 10. As hipóteses implicam que a coroa tchéquia está significativamente desvalorizada em relação à PPC e deve-se apreciar ao passar do tempo, permitindo ao comprador em euro adquirir o produto na República Tcheca por um preço menor. Essa vantagem comercial será inibida quando todos os consumidores perceberem que a moeda tchéquia está mais barata que o euro, aumentando a demanda por bens desse país através de uma maior oferta de euro, levando a apreciação da moeda local até o nível de equilíbrio de longo prazo. Ao abstrair esse exemplo numa situação onde o preço dos bens oscila dentro do próprio país, o consumidor considerará a taxa de câmbio real para tomar decisão por desejar descontar os efeitos inflacionários, esse comportamento trará uma relação intrínseca entre paridade de poder de compra e taxa de câmbio real. Se a PPC é válida no longo prazo, então a taxa de câmbio real será constante pelo fato da PPC garantir o diferencial de preços entre os países com os ajustes devidos da taxa de câmbio nominal e, salvo os impactos econômicos proveniente desses ajustes no curto prazo, a taxa de câmbio real sempre tenderá a sua média histórica enquanto a PPC for válida. Quando a taxa de câmbio real é constante, a competitividade dos preços dos bens transacionados entre os países é mantida pelo seguinte mecanismo: Quando um país sofre um aumento inflacionário, os bens negociáveis tornam-se menos competitivos por apresentarem preços maiores e, ao invés de tomar a depreciação da taxa de câmbio nominal para “contrabalancear” o efeito, a taxa de câmbio real deixa de apreciar (através do aumento inflacionário) por manter-se constante ao longo do tempo. Vale esclarecer o argumento pelo fato de que se ganha competitividade não através de uma desvalorização nominal do câmbio, mas através da desvalorização real da taxa de câmbio.

Nas condições práticas, o investidor deve reconhecer que outros fatores influenciam na taxa de câmbio e que as premissas da PPC são frágeis. É de amplo conhecimento que não existe livre negociação entre os países, a exemplo da guerra comercial entre Estados Unidos e China, assim como os mecanismos de ajustamento da taxa de câmbio não são necessariamente imediatos por conta de que não apenas os bens – cujos preços não são necessariamente flexíveis – afetam na oferta e demanda por câmbio, mas também os ativos financeiros transacionados entre os países, sem contar que a heterogeneidade dos bens fará com que a cesta de bens analisada entre os dois países seja inconsistente para determinar a verdadeira PPC. Essas condicionantes devem ser consideradas no curto prazo, mas a longo prazo a PPC é uma boa ferramenta para determinar a taxa de câmbio de equilíbrio. O método de PPC mais conhecido entre os analistas é o Big Mac Index desenvolvido pela revista The Economist, .

Mecanismo de transmissão e a Paridade de Juros.

A Teoria Quantitativa da Moeda afirma que os preços de uma determinada economia estarão relacionados com a quantidade de moedas em circulação. Através desse pilar da teoria clássica pode-se assumir que a política monetária – determinada pelo Banco Central – translada efeitos entre oferta monetária e preços e, conforme observado anteriormente, os preços dos bens em um país influenciarão na PPC e em sua respectiva taxa de câmbio de longo prazo, ou seja, a política monetária fornece um mecanismo de transmissão que impacta taxa de câmbio através dos preços. Ao determinar o quanto de moeda deseja distribuir na economia, a autoridade monetária irá precificá-la ao equilibrar a oferta à demanda exigida. Ao depararem-se com a taxa de juros definida do seu país em relação ao mundo num cenário de livre mobilidade de capitais, as pessoas escolhem entre manter parte do dinheiro em mãos ou aplicá-los em títulos de investimento proporcionais às taxas de juros. Isto é, as pessoas sempre comparam quais as taxas de juros mais atrativas para elas e aplicam seu dinheiro onde for mais rentável, dado o quanto ela é propensa ao risco, e optam por manterem em mãos parte do dinheiro que pretendem usufruir para consumirem bens e serviços. Caso o investidor enxergue uma taxa de juros mais atrativa no exterior, ele oferecerá sua moeda em troca da estrangeira e irá adquirir o título de investimento estrangeiro que lhe for conveniente, desvalorizando a moeda onde reside. Por esses fatores, a política monetária também é um mecanismo de transmissão que impacta taxa de câmbio através da taxa de juros. Na prática, esse mecanismo de transmissão não é instantâneo e esse atraso afetará na tomada de decisão de um investidor.

Resumindo, o preço dos bens define a taxa de câmbio e parte da condição de equilíbrio é dada pela paridade de poder de compra, assim como a taxa de juros também afeta taxa de câmbio. Antes de descrever qual a condição de equilíbrio da taxa de câmbio pela ótica monetária, entenda o raciocínio dos investidores: Se o investimento no exterior depende da taxa de câmbio e da taxa de juros externa e o investimento interno apenas da taxa de juros interna, como definir qual terá o maior retorno? Simplificando a questão, considere um investidor nos Estados Unidos que compara entre investir no seu país ou investir na Europa, se ele usar dólares para comprar um depósito em euro, quantos dólares receberá após um ano? Ele observa as seguintes condições de mercado:

enter image description here

Considerando que a expectativa da taxa de câmbio esteja correta, o investidor seguirá os seguintes passos: Primeiro, ele converterá US$ 1,10 em euro e terá € 1,00. Sabendo que o título europeu renderá 5% ao ano, então no final do período obterá € 1,05. Como o investidor aguarda uma desvalorização, então ele converterá esse euro em dólar cujo resultado será a multiplicação da expectativa do câmbio com a rentabilidade obtida (€ 1,05 vezes US$/€ 1,20 = US$ 1,26). Ao final dessa operação, o retorno do investimento foi de 14,54% ao ano e será mais vantajoso investir na Europa do que nos Estados Unidos, pois mesmo a taxa de juros exterior sendo menor ela é compensada por uma desvalorização significativa da taxa de câmbio.

Os incentivos para se investir no exterior é que os depósitos externos tenham retornos esperados maiores com base nas expectativas de desvalorização cambial e taxa de juros, mas existe uma condição que acalma os ânimos dos mercados e impõe indiferença entre os investimentos dos países e iguala. Essa neutralização ocorre quando o mercado de câmbio está em equilíbrio, isto é, os depósitos em todas as moedas oferecem a mesma taxa de retorno esperada. A condição de paridade de juros implica que os detentores potenciais de depósitos em moeda estrangeira consideram esses depósitos como ativos igualmente atraentes e, nesse ponto, não há excessos de oferta e de demanda, os depósitos ficam equilibrados e todas as taxas de retorno esperada são iguais. Em termos gerais, a paridade de juros – Interest Rate Parity – assume que a variação da taxa de juros é igual à taxa de câmbio futura em função do prêmio ou desconto ao investir no estrangeiro, implicando que o câmbio futuro – termo referente quando a liquidação do contrato se dá em dois dias ou mais – entre duas moedas deve se igualar ao diferencial de juros conforme o prêmio ou desconto do país. Como os contratos futuros são instrumentos sujeitos às condições de oferta e demanda do mercado, o prêmio ou desconto podem oscilar da sua condição de equilíbrio e oferecem uma janela de arbitragem nessa ocasião.

No cenário de ruptura da paridade de juros, pode-se aplicar a estratégia de carry trade ilustrada no seguinte exemplo: Suponha que títulos brasileiros tenham maiores rendimentos que os títulos chilenos por conta do desequilíbrio entre o diferencial de juros e taxa de câmbio, isso implica que os chilenos irão se endividar em moeda local (pois eles apresentam taxas de juros menores) e demandarão títulos brasileiros, nessa operação a rentabilidade deles oferecerá margem suficiente para pagar os empréstimos tomados e e ainda obter lucros positivos. Enquanto essa janela estiver aberta, os chilenos continuarão a realizar essa operação e os preços dos títulos brasileiros se elevará ao ponto de reduzir o diferencial de juros ao nível de equilíbrio, exaurindo a oportunidade ao voltar à paridade de juros. Na realidade, essa estratégia é complexa de ser aplicada e requer uma compreensão minuciosa de como calcular o prêmio de risco na curva de juros. Através desses insights, podemos entender como a paridade de juros e a paridade de poder de compra se relacionam.

Considerações sobre a Paridade de Juros e Paridade de Poder de Compra

Descrevemos que a paridade de juros relaciona o preço da moeda com a taxa de câmbio e que a paridade de poder de compra estabelece a relação entre o preço dos bens com a taxa de câmbio, essas condições clássicas de paridade permitem a expansão de teorias entorno dos mercados de bens, monetário e cambial. Uma dessas combinações é a famosa extensão do efeito Fisher: a variação entre taxas de juros no modelo nacional é igual à variação da inflação e, no modelo internacional, a variação entre taxa de juros é igual a variação da expectativa da taxa de câmbio. As relações impostas pelo efeito Fisher permitem as projeções da taxa de câmbio e inflação dada a taxa de juros caso as paridades clássicas sejam válidas.

Cumby e Obstefeld (1982) afirmam que o mercado de bens e de ativos são cruciais para a determinação da taxa de câmbio, sendo necessário um estado de equilíbrio entre os dois mercados para que haja a determinação do terceiro, dado que a paridade do poder de compra determina a relação entre nível de preços e taxa de câmbio e a paridade de juros mantém a taxa de câmbio futura conexa à taxa nominal de juros. O pressuposto da pesquisa assume que se ambas as condições clássicas de paridade são verdadeiras no curto prazo, a política monetária não poderá influenciar a taxa de juros real ex ante, isto é, o rendimento real dos ativos não será abalada por qualquer decisão da autoridade monetária. Entretanto, caso uma das relações de paridade venham a falhar por conta de incertezas ou aversão a riscos, a política monetária terá efeitos sobre a taxa de juros real ex ante e poderá haver um desequilíbrio entre a taxa de juros internacional e a do seu próprio país. A pesquisa traz consigo aplicações reais das teorias de paridade e conclui a necessidade de outros métodos para a formulação de uma taxa de câmbio de equilíbrio que correspondam a macroeconomia atual, mas mantém a validade delas em economias pequenas e abertas. Por mais que as paridades clássicas não se adequem de forma perfeita à realidade e necessitem de outras métricas para estimarem a taxa de câmbio, elas são os pilares para a compreensão do mecanismo básico que rege as leis da oferta e demanda no mercado monetário de qualquer país. Essas teorias são utilizadas principalmente para desvendar os rumos da taxa de câmbio a longo prazo, onde os efeitos de seus mecanismos de transmissão são observáveis, e devem ser complementadas conforme o horizonte temporal de quem deseja estimar o preço relativo das moedas.

enter image description here


Referências:

Rudiger Dornbusch, 1980. “Exchange Rate Risk and the Macroeconomics of Exchange Rate Determination,” NBER Working Papers 0493, National Bureau of Economic Research, Inc.

Rudiger Dornbusch, 1976. “Expectations and Exchange Rate Dynamics,” The Journal of Political Economy, Volume 84, issue 6(Dec.,1976), 1161-1176.

Callum Henderson, 2012. Currency Strategy: The Practitioner’s Guide to Currency Investing, Hedging and Forecasting, 2º edição. John Wiley & Sons Ltd, The Atrium, Southern Gate, Chichester, West Sussex PO19 8SQ, England.

CUMBY, R. E. OBSTFELD, M. (1982). International Interest-Rate and Price-Level Linkages Under Flexible Exchange Rates: A Review of Recent Evidence, NBER Working Papers, n. 0921, National Bureau of Economic Research.

Cristina Terra, 2014. Finanças Internacionais: Macroeconomia Aberta, 1º edição. Elsevier Editora LTDA.

Posted by Caetano Konrad in Conjuntura Macro / Renda Fixa, 0 comments
Carta de Conjuntura Mensal – Maio 2020

Carta de Conjuntura Mensal – Maio 2020

  • Política Nacional

A reforma da previdência era a maior, porém não única, reforma promovida pelo governo eleito em 2018. Após ser aprovada, estavam na fila outras também com grande impacto como as reformas tributária e administrativa, bem como autonomia formal do Banco Central e marcos regulatórios. Com a inesperada pandemia, atividades legislativas se voltaram a medidas urgentes e a economia, que começou o ano com esperanças de retomada, já tem um ano negativo pela frente. Apesar disso, o governo puxado pelo Ministério da Economia continua com uma retórica de que as reformas irão passar em breve e com isso o ambiente para recuperação será facilitado com investimentos privados e externos atraídos, essas mesmas que deveriam alavancar a economia que vinha em tímida recuperação agora são prometidas para tirá-la do buraco.

O que parece ficar alheio ao governo é que reformas desse calibre não são simples decretos presidenciais, requerem a construção de uma ampla base de apoio a um conteúdo que seja consenso entre as alas políticas, o que leva tempo e muita discussão. A experiência das últimas vitórias da agenda reformista tem muito a nos ensinar, voltando ao período de Temer na presidência, podemos ver como um governo com consenso formado conseguiu aprovar com rapidez suas propostas.

A PEC do teto de gastos levou seis meses para ser aprovada e teve quantidade de votos favoráveis quase igual àquelas que aprovaram o processo de impeachment de Dilma, tanto na Câmara quanto no Senado, mostrando o embalo de apoio que o novo governo teve. No mesmo mês que o teto era promulgado, as reformas trabalhista e da previdência foram postas em tramitação, sendo que a primeira foi sancionada após um semestre, prazo semelhante à PEC do teto porém com apoio menor nas casas. É preciso destacar que o apoio a Temer não era simples inércia do impeachment, o MDB é um dos maiores partidos do Brasil, com presença essencial em todos os governos desde a redemocratização. Tal histórico de poder entre períodos tão diversos prova que ele só chegou a esse patamar de destaque com grandes ligações entre os demais partidos e capacidade de encontrar consensos para fazer política, mesmo que seja por troca de favores e vias ilícitas. Quando o MDB chegou à presidência da república, ele tinha todos os ministérios para serem montados ao seu dispor. Um governo cujo projeto político não tinha sido escolhido pelo voto direto e que teve impopularidade recorde pouco teve o que prestar de contas ao povo e as nomeações a altos cargos e secretarias puderam ser feitas conforme acordos com demais partidos em troca de alianças. O grande apoio e momento favorável de ruptura com o modelo petista puderam ser aproveitados para passar os dois grandes projetos, porém investigações revelaram esquemas de corrupção envolvendo os partidos governistas, com o MDB de Eduardo Cunha, Romero Jucá, Geddel Vieira Lima e de Michel Temer, no centro da trama. Cada vez mais capital político era gasto na defesa do presidente e seus aliados ao invés de na aprovação de suas reformas. Com o decreto de intervenção federal no Rio de Janeiro em fevereiro de 2018, legalmente a PEC da reforma da previdência ficou impossibilitada de ser aprovada, até foi cogitado suspender a intervenção para uma rápida tramitação da reforma antes do fim do ano, porém não havia mais o apoio necessário.

O começo de 2019 para Bolsonaro foi harmônico com o legado das reformas de Michel Temer. De ideologia conveniente as do presidente eleito, O Partido Social Liberal (PSL) elegeu a segunda maior bancada na câmara dos deputados – maior que a do MDB no final de 2018 -, mostrou sua ampla influência perante outros partidos com a agenda de reformas estruturantes e obteve o apoio dos presidentes do legislativo. Cumprindo a promessa eleitoral em reduzir os ministérios, Bolsonaro os preencheu com critérios técnicos e nomeou tanto militares da reserva quanto civis aclamados pelo público. A popularidade do novo governo permitiu uma das pautas mais complexas de se instaurar em qualquer democracia: a reforma da previdência, desde o início do milênio os presidentes tentaram angariar votos para reestruturar o item de maior peso no orçamento público. A chamada “lua de mel” foi quase inexistente. No início do mandato a família Bolsonaro e seus aliados entraram em atrito com Rodrigo Maia, peça chave para a aprovação de medidas na câmara, as divergências entre a rígida proposta de Paulo Guedes e a bancada de oposição acirrou debates no congresso e dissipou as convicções dos parlamentares de situação com as exigências do governo, esse cenário distinguiu aqueles que realmente apoiavam o governo dos oportunistas eleitos pela onda popular. Após os desgastes promovido pelos governistas, votações adiadas, concessões feitas na proposta original, liberação de emendas parlamentares e até ruptura no PSL, a reforma da previdência foi promulgada nos últimos meses do ano.

Esse longo histórico ainda tem muitas nuances não descritas, mas é suficiente para vermos que, se no cenário favorável no qual Bolsonaro chegou ao Planalto passar uma grande reforma já foi tão lento e desgastante, num ano com pandemia e crise entre os poderes passar uma segunda é quase impensável. A atual situação se acumula a perda de renda da população, que não ficará restrita a poucos meses, e investigações contra o governo, fatores que ainda podem abalar a popularidade do presidente junto com uma certa sazonalidade do fim de ano, quando as negociações partidárias para as eleições municipais e para presidência da câmara dos deputados tomam o espaço da tramitação de projetos não urgentes.

  • Economia

A queda do PIB no primeiro trimestre de 2020 de 1,3% foi em linha com a expectativa de mercado, desde o segundo trimestre de 2015 não é registrado um resultado tão negativo na produção brasileira. Os setores da indústria e serviços foram abalados pela cisão da cadeia produtiva ocasionada pelo lockdown, apenas o setor agrícola sobressaiu com crescimento de 0,6% por conta do aumento de preços do setor alimentício. Ao analisar a demanda, denota-se resquícios nos processos de reformas estruturantes e de consolidação fiscal anteriores à recessão presentes no aumento de 3,1% em investimentos, mas ao compararmos com a queda de 27,5% do indicador de Formação Bruta de Capital Físico (FBCF) entre abril e maio torna-se evidente a queda no consumo de máquinas e equipamentos durante o agravamento da pandemia, sendo esse resultado confluente com a redução abrupta de 2,0% no consumo das famílias. Mesmo com a flexibilização das restrições sociais e uma reabertura gradual da economia, as expectativas apontam para uma queda ainda mais significativa para o segundo trimestre e recuperação nos próximos trimestres devido a redução do Índice de Confiança do Consumidor e pela característica do setor de serviços de demorar para reestruturar sua capacidade ao nível pré-crise.

A redução do consumo também afetou diretamente os preços. Desde agosto de 1998 não se registrava uma deflação tão significativa quanto em abril e maio deste ano, com o IPCA registrando -0,31% e -0,38% nesses meses e acumulando 1,88% em 12 meses. A queda da demanda na economia faz com que o efeito pass-throught do câmbio sobre a inflação fosse nulo durante esse período atípico, também é ela quem protagoniza a redução de preço na maioria dos bens: após o período de maior turbulência, é esperado que os preços de bens duráveis e serviços livres mantenham-se em queda até junho enquanto os preços administrados aumentarão por conta da expectativa de aumento no preço da gasolina derivado dos reajustes nas refinarias. Atrelados a produção, é esperado que os preços se reajustem ao decorrer da retomada econômica, entretanto a expectativa de inflação para o final de ano é menor que 2%, valor abaixo do intervalo inferior de tolerância da meta de inflação.

O resultado fiscal do governo central apresentou um déficit primário de R$ 92,9 bilhões em abril em consequência das medidas de combate ao efeito do coronavírus. As despesas mais significativas desse resultado foram os créditos extraordinários de R$ 41 bilhões e subsídios de R$ 17 bilhões, sendo contabilizado nessas rubricas o auxílio emergencial, despesas adicionais aos ministérios e concessão de pagamento da folha salarial (PESE). A queda na arrecadação federal de R$ 101,5 bilhões representa redução de 29% quando comparado no ano, as receitas tiveram esses resultados por conta da postergação de pagamento de impostos e a utilização do crédito tributário para injeção de liquidez nas empresas. É esperado que a arrecadação continue em baixa enquanto as empresas não retomarem as atividades em forma plena. Apesar das projeções do orçamento do governo mostrarem déficits ainda maiores ao decorrer desse ano, a reabertura gradual da economia e as possibilidades de estímulos monetários permitiram um melhor ajustamento dos ativos financeiros do governo e uma melhora na percepção de risco do Brasil, dado a queda de 11% no CDS de 5 anos entre abril e maio.

No cenário internacional, as tensões políticas entre EUA e China reaqueceram ao longo do mês, dando continuidade ao conflito que se estende desde 2018 e colocando em risco o acordo econômico fechado no início do ano. Desta vez a centelha que provocou a volta da discórdia entre os dois países foram as críticas do presidente Donald Trump, responsabilizando o governo chinês pela pandemia do coronavírus, aliado à essa acusação há também a corrida pelo desenvolvimento e implantação da tecnologia 5G e o apoio dos EUA aos protestos de Hong Kong contra a interferência da China em sua região. Por enquanto a disputa está apenas na área política, no entanto investidores temem que haja uma retomada do conflito na linha econômica com a volta de imposições de barreiras de mercado e tarifas. Já é possível ver a tensão chegando ao mercado, durante o mês de maio certas medidas propostas no senado americano afetariam diretamente as empresas chinesas listadas nas bolsas americanas, essas medidas fariam com que as agências regulatórias locais pudessem exigir acesso sistemático aos documentos de auditoria das empresas, no entanto, a nova lei chinesa que regulamenta investimentos externos proíbe as empresas de seu país de fornecer documentos a agências regulatórias estrangeiras. Caso as medidas entrem em vigor e a agência chinesa regulatória não conseguir fazer um acordo existe a possibilidade da proibição da negociação de ações de empresas do país asiático.


Autores: Arthur Barbosa Magdaleno, Caetano Konrad & Erik Naoki Kawano

Posted by Caetano Konrad in Conjuntura Macro / Renda Fixa, 0 comments
Carta de Conjuntura – Março de 2020

Carta de Conjuntura – Março de 2020

Existem sintomas semelhantes entre as recessões, como maior desemprego e realocação para ativos seguros por parte do mercado financeiro. Apesar desses fatores em comum,  toda recessão é antecedida por uma crise, que pode começar tanto na economia real quanto na financeira. 

A crise do subprime é o exemplo de uma crise que inicia na economia financeira. A bolha começou quando o Federal National Mortgage e o Federal Home Loan Mortgage Corporation elaboram o Mortgage-Backed Securitie (MBS), instrumento cujo valor está atrelado ao valor de várias hipotecas de risco semelhante. Esse instrumento é utilizado atualmente, inclusive o FED realiza política monetária com ele, o problema surge quando os bancos resolvem utilizar “pedaços” desses MBS, misturando hipotecas de baixo risco com os empréstimos imobiliários de mau devedores (subprime mortgage), de forma a oferecer um seguro em caso de inadimplência. Esses seguros são chamados de credit default swap (CDS).

A combinação desses MBS, os Collateralized Obligation Debt (CDO), eram negociados com o mais alto nível de segurança pela Standard & Poors e era cabível à maioria dos investidores pela vasta possibilidade dos bancos em modelarem os CDOs como bem desejassem. O produto teve vasta popularidade entre os hedge fund traders por conta da alta demanda dos investidores. Em meados de 2006 os preços das casas começaram a decair, os hipotecantes depararam-se com taxas de juros exorbitantes e não conseguiam mais vender a propriedade porque a dívida superava o valor da mesma. Já os investidores que possuíam esse CDOs perceberam a perda de valor e acionaram o CDS e, por conta da alta alavancagem, a seguradora AIG quase veio a falência. Bancos como Lehman Brothers, Washington Mutual, CIT Group e várias outras empresas decretaram falência. A recessão não ficou isolada no Estados Unidos, o mundo inteiro negociava os CDOs emitidos por esses bancos e, em consequência da bolha imobiliária, o mundo sofreu uma das maiores recessões já registradas. 

O mercado de equity sofreu grande oscilação quando o banco Bear Stearn decretou falência em março de 2008. O Ibovespa registrou uma queda significativamente maior em relação ao S&P no decorrer da recessão, investidores estrangeiros enxergaram que o momento de investir em mercados emergentes não era adequado e retiraram seus recursos. Entretanto, após alguns meses, o Brasil se recompôs rapidamente.

De certa forma, a recessão estava antecipada quando a curva de juros americana inverteu em 2006 – fenômeno atípico, pois os investidores então exigem maiores retorno no curto prazo por observarem risco iminente – mesmo com o FED aumentando a taxa de juros desde 2004 na tentativa de romper a bolha imobiliária. A falta de liquidez entre os bancos também era evidente no mercado monetário do Reino Unido com a elevação contínua da taxa LIBOR. Veja no gráfico a seguir: os títulos americanos de curto prazo oferecem rentabilidades maiores antes da crise eclodir e, quando ela ocorre, os de longo prazo disparam. O sinal negativo da inversão na curva de juros se repetiu para crise atual.

Apesar dos sintomas de recessão serem os mesmos, é importante distinguir o que diferencia ambas as crises. A crise do Covid-19 surgiu na economia real quando a produção de proteína na China reduziu por conta da gripe suína africana em dezembro de 2019 e, ao importar mais para suprir a demanda interna, aumentou o preço da proteína. O primeiro caso do coronavírus foi identificado no mesmo mês e só tomou proporção epidêmica no final de janeiro de 2020. As expectativas dos mercados eram de restrições comerciais, entretanto, a proliferação da doença forçou a economia global a entrar em recessão de forma repentina. Atualmente, a crise que enfrentamos provém do distanciamento social, fator que provoca queda na cadeia produtiva, restrições de movimentação e acesso através do fechamento de locais públicos.

A consequência do forte impacto sobre serviços e da inatividade do setor produtivo fazem os agentes econômicos postergarem investimentos e correrem por liquidez como forma de precaução, com a incerteza de quanto tempo durará esse lock down. Parte da queda na bolsa pode ser explicada por conta desses fatores, o Brasil foi o país mais afetado e já registra a perda de R$ 1,6 trilhão.

Vale notar que o Brasil tem desempenhado esses resultados em crises por ser um país emergente, é comum que haja saída de capital estrangeiro para ativos de maior segurança, como os treasuries americanos. Veja que a curva de juros brasileira aumentou em 120 p.b na parte longa e reduziu em 78 p.b na parte curta desde o início do ano até o começo de abril. No mês de março a curva empenou por conta das expectativas e teve uma redução considerável após o pronunciamento do Banco Central sobre a liberação de R$ 1,2 trilhão na economia, já a queda na parte curta da curva ocorreu pela sequência de cortes na taxa Selic. É importante que o país mostre celeridade tanto na política monetária quanto na política fiscal para que a curva mantenha estabilidade. Se a curva de juros continuar com essa volatilidade, as empresas enfrentarão dificuldade em acessar os recursos disponibilizados pelo Banco Central.

Em resposta ao grande aumento no número de casos do COVID-19 e à retração dos mercados globais, vários governos colocaram em prática medidas econômicas e de saúde pública com o intuito de amenizar os danos causados pelo vírus. 

No geral, as iniciativas econômicas propostas pelos países que adotaram formas mais rigorosas de isolamento social são semelhantes, no sentido de que grande parte deles focou na liberação incentivos econômicos pelo lado da oferta em uma tentativa de amenizar falências de empresas e demissões em massa. Medidas como diminuição da cobrança de impostos, renegociação de dívidas, possibilidade de dar férias antecipadas durante a quarentena e apoio financeiro governamental para pagamento de funcionários foram essenciais. Também houveram complementos de renda para a população, no Brasil, por exemplo, foi aprovado um auxílio de 600 reais durante três meses a trabalhadores informais, autônomos e MEIs. 

O grau do impacto que medidas econômicas e de saúde causarão ainda é incerto. As projeções atuais da efetividade futura no controle do vírus vão, no cenário mais pessimista, desde a possível falha total na contenção, com a doença se espalhando sem controle até a criação de uma vacina ou até a metade da população ficar infectada; à um cenário otimista em que a resposta das autoridades de saúde seriam altamente eficazes, nesse caso estima-se que o controle da propagação do vírus seria atingido em um prazo de 2 a 3 meses. No caso dos pacotes econômicos, em um cenário pessimista a intervenção das autoridades financeiras não seria suficiente, com um grande número de falência de empresas e inadimplência resultando em uma possível crise no sistema bancário, e no cenário otimista os incentivos liberados seriam eficazes em promover uma rápida recuperação no crescimento econômico após a normalização das atividades.

No Brasil, a estimativa de crescimento para 2020 no fim de fevereiro era de 2,17% de acordo com o boletim Focus, já no dia 3 de abril ela foi para -1,18%, uma queda abrupta que deve se ampliar conforme novos resultados de indicadores são anunciados. Há uma certa volatilidade nas expectativas de crescimento, com o Banco Central projetando expansão de 0,02% enquanto o Santander chega a projetar uma queda de 2,2%. A incerteza não é apenas com o resultado da economia, mas também com o fim do isolamento. Durante o mês de março o Brasil teve a maioria dos estados decretando quarentena, contrariamente à vontade do presidente, cujos prazos vão sendo prorrogados cada vez mais, dificultando o planejamento das empresas e famílias.

Dada a situação de iminente recessão, foi consenso entre os bancos centrais ao redor do mundo cortar as taxas básicas de juros, com destaque para o FED, que em duas sessões extraordinárias levou a sua a níveis nulos. No Brasil não foi diferente, porém a sinalização do nosso BC deixou dúvidas.

Vemos que o Banco Central demonstra-se satisfeito com a Selic reduzida a 3,75%, que falha ao ter excessiva cautela em sua comunicação num momento turbulento que demanda condução das expectativas e, dado a visão pessimista para a ociosidade brasileira, ele possa se ver na necessidade de aplicar novo corte mesmo que a contragosto.

Na penúltima reunião do Copom, o comitê indicou que o ciclo de cortes terminou, com a Selic em estimulativos 4,75% a.a, taxa esperada para ser mantida até o fim do ano. Agora em março, foi feito novo corte de 50 p.bs como resposta ao choque. Houve uma comunicação dúbia e ampla: apesar de considerar maior o risco de inflação abaixo da meta (justificando o corte), uma redução maior é vista como contraproducente, sendo falado que a variância de expectativas prescreve cautela mas não necessariamente gradualismo.

Em entrevista a integrantes da XP Investimentos no começo de abril, Roberto Campos Neto teve que negar repetidas vezes quando questionado se a Selic deveria cair mais. O presidente enfatizou que o papel do BC é assegurar a liquidez e solidez do sistema financeiro, para evitar principalmente a quebra de contratos entre empresas e bancos, objetivo que um conjunto de medidas busca atingir. Segundo ele, tais medidas (como a redução do compulsório) já reduzem suficientemente o custo de crédito (ao tomador) pelo lado de menores custos (para os bancos) de liquidez e de capital, não sendo preciso uma redução pelo custo de fundeio, relacionado à Selic.

Avaliamos que, com projeções de crescimento sendo revistas para baixo a cada semana, e planejamento para contenção do contágio sem unidade nacional e cheio de incertezas, o choque negativo sobre a demanda e emprego  tem grande potencial para reduzir a trajetória de inflação a níveis relevantes para a política monetária já nos próximos meses. Sendo assim, mesmo com todo o dito “arsenal de medidas” do BC para amenizar os danos, é difícil que até a próxima reunião do Copom, no início de maio, não seja incluído nessa lista um novo corte de juros.


    Autores: Erik Kawano, Arthur Magdaleno & Caetano Konrad. 
Posted by Caetano Konrad in Conjuntura Macro / Renda Fixa, 0 comments
Carta de Conjuntura Mensal – Fevereiro 2020

Carta de Conjuntura Mensal – Fevereiro 2020

O coronavírus causou um choque no cenário econômico internacional no mês de fevereiro, resultando em quedas nas bolsas europeias, americanas, asiáticas e brasileira decorrentes da preocupação com os efeitos da doença no mercado. Nesse mês foram registrados novos casos em diversos países, com ênfase na Itália e no Irã, que tiveram a maior taxa de aumento de contaminação fora da Ásia. As medidas que estão sendo adotadas pelos governos para conter a proliferação do vírus, como diminuição na mobilidade, fechamento de portos e paralisação de trabalhadores, vêm causando uma queda nas produções industriais locais, particularmente a queda da produção chinesa se mostra mais perceptível devido à importância que a China tem na cadeia de suprimentos de produtos e serviços em grande parte do mundo. O FMI reduziu para 5,6% a perspectiva de crescimento do PIB chinês, 0,4 pontos percentuais abaixo da projeção feita em janeiro, dando continuidade às séries de desacelerações que aparentavam ter acabado com o fim da guerra comercial. Estima-se que o impacto econômico negativo do vírus será semelhante ao ocasionado pela epidemia da SARS, que representou aproximadamente 0,5% do PIB da china em 2003.O mercado financeiro chinês foi bem agitado, logo no primeiro dia do mês o índice CSI 300 fechou em queda de 7,88% em relação ao fechamento anterior, apesar disso, houve uma recuperação progressiva ao longo do mês acarretada pelo discurso do presidente Xi Jinping, que deu indícios de ter intenção de proporcionar estímulos econômicos em resposta aos danos. O índice terminou fevereiro com queda de apenas 1,57% com 3940 pontos. As bolsas europeias também registraram baixa no mês, com os índices FTSE 100 (britânico) e Stoxx 600 (pan-europeu) tendo perdas de 9,68% e 8,54%, respectivamente, que se devem principalmente ao vírus. A saída do Reino Unido da União Europeia ocorrida não teve grandes efeitos aparentes, no momento o mercado não tem consenso em relação aos efeitos econômicos que o Brexit desencadeará, mais negociações devem ser realizadas ao longo do ano para definir as mudanças efetivas que entrarão em vigor.

No fim de fevereiro foi confirmado o primeiro caso do coronavírus no Brasil, afetando negativamente tanto a bolsa, que no dia teve uma queda de 6,95%, quanto o câmbio brasileiro. O índice Bovespa teve uma queda total de 8,43% no mês, motivada principalmente pelo temor causado pelo coronavírus e pela queda das bolsas internacionais. As vendas brasileiras para a China (responsável por 27% das nossas exportações) não sofreram mudança significativa em razão de grande parte dos produtos exportados serem comumente negociados antecipadamente por meio de mercado futuro (como soja e minério de ferro), no entanto, já é possível perceber uma diminuição nas importações de produtos industrializados chineses consequente da diminuição da atividade industrial. Não se espera que haja uma diminuição drástica nas vendas para a china, pois grãos e carnes compõe quase metade do valor das exportações totais e naturalmente alimentos não costumam ter grande variação de demanda.

Os resultados do IBC-Br de dezembro mostraram um fim de ano mais fraco do que o esperado. Calculado pelo Banco Central e divulgado antes do PIB (IBGE), é um indicador utilizado pelo Copom para estimar a evolução da atividade brasileira, como forma de tendência do PIB, mas não como sua prévia. No mês de dezembro, o IBC-Br teve variação de -0,27% em relação a novembro, acumulando crescimento em 2019 de 0,89%, o resultado anual mais baixo desde 2017. Em relação ao mês de novembro, dezembro apresentou resultados negativos na produção industrial (-0,7%), serviços (-0,1%) e vendas no varejo (-0,1%), o que frustrou as expectativas de maior impacto sobre o consumo da liberação de saques do FGTS, demanda que foi abalada pela forte inflação dos alimentos no mês com destaque para a alta das carnes.

Segundo a PNAD Contínua, a taxa de desemprego caiu para 11,2%, no último trimestre terminado em janeiro, frente a 11,6%, no trimestre de agosto a outubro de 2019. Comparando esse último trimestre com o mesmo intervalo em 2019, a taxa teve queda de 0,8 ponto percentual. Apesar da taxa ainda alta e recuperação gradual, em relação ao trimestre anterior houve uma melhora na composição do índice com aumento do emprego com carteira assinada (acréscimo de 540.000 pessoas) superior à queda no trabalho informal (diminuição de 479.000 pessoas). O aumento da formalização se deve em parte a empregos temporários para a temporada de fim de ano, cabendo avaliar como se sustentará essa estrutura nos primeiros meses de 2020.

Em janeiro se observou uma dinâmica nos preços administrados, alimentos e bebidas diferente do fim de 2019, onde estes sofreram com grande alta no preço das carnes, gasolina e energia elétrica. Nesse primeiro mês do ano, pode se considerar que a reversão no preço dos alimentos (alta de 0,39% em janeiro contra 3,38% em dezembro), aliada a baixo aumento dos demais componentes do índice, em especial os preços administrados, foram responsáveis pela inflação abaixo da esperada pelo mercado. O IPCA de 0,21% foi o menor resultado para um mês de janeiro desde o início do Plano Real, acumulando 4,19% nos últimos 12 meses. O IPCA-15 de fevereiro, considerado uma prévia do IPCA, registrou alta de 0,22%, o menor resultado para o mês em 25 anos. Os componentes com maiores altas refletem reajustes anuais de preços nos transportes públicos e táxis e em educação. Dos nove itens que compõem o índice, três apresentaram deflação, com destaque para alimentação e bebidas, que variou -0,10% frente a 1,83% em janeiro. De maneira geral, tivemos influência da redução do preço da energia elétrica, dado que em fevereiro passou a vigorar a bandeira verde, refletindo as condições hidrológicas mais favoráveis.

Na primeira reunião do Copom no ano, continuou a ser avaliado que as medidas de inflação indicando cumprimento da meta, com expectativas bem ancoradas, o cenário externo favorável com grandes economias também cortando juros e a alta ociosidade interna prescrevem corte na taxa básica de juros. Agora, apesar de o comitê ainda ver a conjuntura como prescritiva para outros cortes, foi priorizada a cautela na condução da política monetária. Como os estímulos do ciclo de cortes agem sobre a economia com defasagem, foi considerado necessário avaliar no futuro como se dará a transmissão para a atividade e inflação, especialmente dado que estamos em um cenário de juros historicamente mínimos e que recentes mudanças na intermediação financeira e mercado de crédito podem afetar a potência e velocidade da política. Dado isso, considera-se que nessa última carta o Copom tenha sinalizado o fim do ciclo de cortes. Pelo boletim de expectativas Focus, é esperado que a Selic se mantenha no patamar atual até o fim do ano. No que tange aos efeitos do coronavírus, o comitê avaliou que há potencial para uma maior desaceleração do crescimento mundial, sendo os efeitos relevantes dependentes de como o surto evoluirá.

A taxa de câmbio no Brasil está sofrendo constantes desvalorizações ao decorrer dos cortes sucessivos na taxa de juros realizados pelo Copom desde agosto do ano passado. No início da política monetária expansionista a volatilidade do dólar estava em 2,21% com mínima de R$/US$ 3,822 e máxima de R$/US$ 3,899 no mês, já em fevereiro deste ano a volatilidade foi de 7,62% com mínima de R$/US$ 4,237 e máxima de R$/US$ 4,498. No balanço de pagamentos está inserido a rubrica ativos de reserva, onde registra-se as operações cujos ativos estão sob controle do BC. O saldo da conta em janeiro apresentou superávit de US$ 705,6 milhões (0,48% do PIB mensal) ante US$ 813,5 (0,55% do PIB mensal) milhões do mesmo período do ano passado. Entretanto, o saldo acumulado em 12 meses vem decaindo desde 2017 e no final de 2019 apresentou um déficit de US$ 26 bilhões (1,42% PIB anual). A autoridade monetária se dispôs a ficar passivo em variação cambial e ativo em SELIC ao realizar leilões tradicionais de contratos de swap cambial com intuito de esterilizar a desvalorização e volatilidade da moeda assim como ofertar instrumentos de hedge cambial às empresas. O mercado aceitou 287,85 mil contratos de compra por parte da autoridade monetária no valor nocional de US$14,3 bilhões, entretanto 70 mil contratos iniciaram em fevereiro com valor nocional de US$ 3,5 bilhões com vencimentos em agosto, outubro e dezembro. Em março iniciarão 3 mil contratos e em abril outros 197,85 mil com valor nocional total de US$ 9,8 bilhões. A última oferta de leilões foi em 2018 no valor de US$ 1,5 bilhões durante a crise econômica na Argentina, a utilização desse instrumento não é usual e é exclusivo em períodos de grande turbulência.

Os Estados Unidos têm crescimentos do PIB há onze anos consecutivos, sendo o maior período de crescimento já registrado no país. Em um aspecto geral, os níveis de emprego e consumo apresentam solidez apesar do declínio recente em manufatura, investimentos e exportações decorrente da guerra comercial com a China. A preocupação atual do Federal Reserve está em elevar o índice de Preços para Gastos de Consumo Pessoal – PCE (Personal Consumption expenditures price index) – próximo à meta de 2% e, em decorrência disso, Jerome Powell deixou claro na primeira reunião do FOMC no ano que haverá pouco espaço para cortes de juros ao longo de 2020. Na reunião de fevereiro sobre panorama econômico, o vice-presidente do Fed, Richard Clarida, disse que o banco central americano ainda está monitorando os efeitos do coronavírus na economia e prefere não especular sobre impactos imediatos, a expectativa é de um choque notável na China, pelo menos neste primeiro semestre. Ele enfatiza a eficácia da política monetária no apoio ao crescimento e manutenção do mercado de trabalho, retoma a persistência do banco central em cumprir a meta de inflação e diz que aplicará medidas para manter a taxa de juros em nível apropriado conforme o surgimento de novas informações desse período de epidemia. Sobre as eleições, em fevereiro iniciou a disputa entre os democratas para decidir quem debaterá com o presidente Donald Trump em setembro. Os candidatos democratas buscam angariar votos tanto dos delegados eleitos pela população quanto da convenção composta por apoiadores (caucus). Na maioria dos casos, os Partidos Democratas de cada estado concedem os votos do colégio eleitoral aos candidatos que apresentaram a melhor performance nas convenções. A primária da eleição americana começou em Iowa, onde o ex-prefeito Pete Buttgieg obteve vantagem com 14 votos e manteve liderança com mais 9 votos em Nova Hampshire, entretanto cedeu o primeiro lugar a Bernie Sanders em Nevada. Por fim, Joe Biden surpreende a todos ao vencer na Carolina do Sul com 39 votos e por conta disso decorre a desistência de Buttgieg da campanha. Biden e Sanders acumulam 54 e 60 votos respectivamente e devem intensificar a disputa no dia 3 de março, onde 16 estados distribuirão seus votos aos candidatos. Essa data é conhecida como “Super-tuesday” e contém estados de grande peso como Califórnia, Texas e Carolina do Norte.

Posted by Caetano Konrad in Conjuntura Macro / Renda Fixa, 0 comments
Carta de Conjuntura Mensal de Novembro 2019

Carta de Conjuntura Mensal de Novembro 2019

  • Economia Internacional

A eleição do novo presidente dos Estados Unidos ocorrerá dia 3 de novembro de 2020 e a corrida eleitoral já iniciou. Poucos foram nomeados para o partido Republicano, como Roque de La Fuente e Bill Weld, mas Donald Trump tem grande vantagem sobre seus concorrentes com o orçamento de US$ 56 milhões registrados em junho. No dia 20 de novembro o partido democrata iniciou o debate para as primárias da eleição e, entre os dez candidatos, destacaram-se Elizabeth Warren, Bernie Sanders e Pete Buttigieg , sendo esperado que participem do próximo debate em dezembro. Caso o partido democrático traga um candidato extremista fará com que boa parte dos votos se direcionem à Donald Trump, as expectativas são de que o candidato seja de centro-esquerda e que traga consigo apoio do establishment democrático e um discurso energizante. Trump teve sucessivas vitórias durante seu mandato que invalidariam qualquer discurso extremista, por exemplo, sua vitória na reforma da justiça criminal que possibilita a ressocialização de ex-detentos e suavização das punições judiciais. Os principais indicadores deste mês evidenciam valorização do dólar, os dados de estoque no atacado dos Estados Unidos, que mensura a variação no valor dos bens não vendidos na posse de atacadistas, atingiu o valor de 0.2% conforme previsto pelo mercado. O núcleo de pedidos de bens duráveis superou o valor previsto pelo mercado ao atingir 0.6%, indicando aumento significativo na atividade desse setor. Já o mercado imobiliário atingiu US$ 100 mil abaixo do esperado, o valor da venda de casas usadas desse mês foi de US$5.46 milhões. Por fim, o PIB do Estados Unidos para o terceiro trimestre superou a expectativa de 1.9% e disparou para 2.1%. Segundo o Chairman Jerome Powell, os resultados otimistas reduziram o risco de recessão no curto prazo. Entre os países vizinhos, o governo chileno de Sebastián Piñera começará a reformulação da constituição de 1980 em detrimento da crise política e social iniciada em outubro. As manifestações no Chile iniciaram por conta do aumento na tarifa do metrô e desencadearam na assembleia constituinte que formulará reformas econômicas, sociais e programas sociais para combater a desigualdade, como o aumento de 20% das aposentadorias. A constituição herdada de Pinochet tem como característica um estado mínimo e com incentivos à privatização, as políticas de saúde, educação e infraestrutura são de responsabilidade do setor privado. Na Bolívia, a presidente interina Jeanine Áñez promulgou a “lei do regime excecional e transitório para a realização de eleições gerais” aprovada por unanimidade pela câmara dos deputados, onde retira os efeitos das eleições realizadas no dia 20 de outubro e permite uma nova eleição presidencial no pais em até vinte dias corridos a partir da aprovação dos regulamentos na assembleia legislativa plurinacional. Já a Argentina está em período de transição para o governo de Alberto Fernández e Cristina Kirchner e nomes como Matiás Kulfas e Guilermo Nielsen são os mais esperados para assumirem a área econômica, Santiago Cafiero assumirá o cargo chefe do gabinete e o ex-governador Felipe Sola assumirá o ministério das relações exteriores. No aspecto geral da américa latina, o Indicador de Clima Econômico (ICE) divulgado pela FGV caiu pelo terceiro trimestre seguido, passando de -26.4 para -28.2 de julho para outubro, assim como o Indicador de Expectativas (IE) reduziu de 17.2 para 15.5, sendo a Argentina o país que mostrou os piores resultados entre todos.

  • Economia Nacional

Destacamos a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) contra a prisão em segunda instância que permite a prisão dos réus condenados somente após o trânsito em julgado, desencadeando na libertação de Lula. Políticos de centro e direita se reuniram para a tramitação de três Propostas de Emenda Constitucional (PECs) com objetivo de inibir a decisão do STF na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). No dia 20 deste mês foi aprovado o relatório favorável à PEC 410/2018 de autoria de Alex Manete, o objetivo desse dispositivo é alterar o artigo 5º da constituição embasando-se na constituição alemã, permitindo a prisão em segunda instância desde que haja evidência de culpa do acusado no ato investigado. Como parlamentares da oposição possuem fortes argumentos de que o dispositivo altera uma cláusula pétrea da constituição, Alex Manete elaborou a PEC 199/2019 que propõe alteração dos artigos 102 e 105 da constituição, semelhante à PEC 411/2018 de autoria do deputado licenciado e atual ministro da casa civil Onyx Lorenzoni. Após os deputados aprovarem a constitucionalidade das propostas apresentadas na CCJ , os textos serão encaminhados conjuntamente à comissão especial onde os parlamentares debaterão o conteúdo que aglutina as PECs. Após as análises, a última etapa será no plenário da Câmara para votação. No âmbito do judiciário, o presidente do STF Dias Toffoli revogou a decisão de pedir à Unidade de Inteligência, o antigo COAF, as cópias de todos os relatórios de inteligência financeira produzido nos últimos três anos. Ao todo eram mais de 19 mil relatórios sigilosos que tinham informações de 600 mil pessoas físicas e jurídicas, incluindo políticos com foro privilegiado. No documento assinado, o presidente declara que a corte não realizou os cadastros necessários para acessar os documentos via sistema eletrônico. Após reforma da previdência, os investidores estão tomando maiores confianças e buscam alternativas para garantir a estabilidade futura. Os fundos de previdência complementar estão cada vez mais em alta, dados da FenaPrevi indicam que as contribuições para essas aplicações somaram R$ 34 bilhões neste terceiro trimestre, representando uma alta de 35.4% em comparação com 2018 e a captação líquida foi de R$16.6 bilhões nesse trimestre, realizando um aumento de 104% em comparação ao mesmo período em 2018. O secretário do Tesouro Nacional Mansueto Almeida apontou que a dívida bruta do governo geral (DBGG) deverá encerrar entorno de 76% a 77% do PIB, sendo um projeção otimista quando comparada ao 80.8% dado no mês passado, decorre da antecipação do ressarcimento de R$ 30 bilhões do BNDES ao tesouro nacional e do baixo nível da taxa de juros da economia que segura o endividamento do governo. Sobre os juros, no dia 30 de outubro o Comitê de Política Monetária (COPOM) realizou o corte de 0.5 pontos base na meta para a Selic, levando a taxa de juros para 5.00% (a.a). A justificativa para essa queda foi embasada no cenário macroeconômico brasileiro atual onde há um maior incentivo à produção atrelado a inflação baixa, com espaço para uma nova queda de juros. Entretanto, a ata do COPOM cautela para os próximos cortes, o previsto é para que em dezembro haja um corte de 0.5 p.p e 0.25pp na reunião de 2020. O câmbio de R$/US$ 4.20 chegou ao patamar histórico em consequência da queda de juros e quedas no saldo em transações correntes de -R$5.3 bilhões para -R$7.8 bilhões e investimento estrangeiro direto de R$7.7 bilhões para R$6.8 em consequência das ocorrências nos países vizinhos.

Posted by Caetano Konrad in Conjuntura Macro / Renda Fixa, 0 comments