Month: July 2021

A situação econômica na Argentina

A situação econômica na Argentina

A pandemia, agravada em 2020, teve um forte impacto sobre as economias mundiais, sendo ainda maior para os países emergentes e principalmente para as economias cujas as quais já vinham fragilizadas. A nossa vizinha, Argentina, é o melhor exemplo desta conjuntura e serve como modelo para outros países sul-americanos, entre eles o Brasil, a não cometerem os mesmos erros econômicos e nem chegarem ao delicado momento vivenciado por lá.


A situação econômica atual argentina é extremamente frágil e percebida pela queda expressiva no PIB durante o último ano de aproximadamente de 10% e a alta taxa de pobreza a qual chegou a atingir mais de 40% da população segundo o Indec (Instituto Nacional de Estatística e Censo da Argentina). A Argentina chegou a essa situação por diversas escolhas equivocadas em sua economia e má administração do próprio governo, neste artigo abordaremos três principais causas para o momento atual do país: a desvalorização da moeda, a alta inflação e o déficit fiscal. 


  1. A desvalorização da moeda e o sistema “bimonetário”


Após a saída do regime militar no final da década de 80, a Argentina saiu com graves sequelas econômicas, como a alta dívida externa, sendo boa parte contraída através do FMI, e a hiperinflação vivenciada durante o período, a qual chegou próxima de 200% em julho de 1989. Para conter a alta generalizada dos preços e estruturar a sua economia, a Argentina tomou diversas medidas cabíveis como o lançamento de um novo plano para a sua moeda, deixando de lado o austral e circulando novamente em sua economia o peso.


Além da nova moeda em circulação, o país decidiu em 1992 através da Lei de Conversibilidade, manter uma política cambial fixa e converter um peso para cada dólar. Ou seja, o governo realizava as trocas cambiais a fim de manter as reservas internacionais em um volume igual ou maior que a base monetária da moeda nacional, com isso mantinha a meta do peso equivalente a um dólar.


Diante deste sistema cambial, por muitos anos o peso argentino se manteve constante em relação ao dólar, o que favoreceu o controle da inflação durante o período e o aumento nas importações. Entretanto, a política cambial fixa trouxe desvantagens à economia argentina entre elas o aumento de empréstimos externos para manter a conversibilidade da moeda e o desequilíbrio na balança comercial, desfavorecendo as exportações dos principais produtos argentinos (trigo, soja, carne e lacticínios) e enfraquecendo a indústria nacional, pois mesmo com o PIB crescendo 6% entre 1991 e 1997, o desemprego aumentou de 6,05% para 13,7% no mesmo período.


O crescimento econômico nos anos 90 não foi o suficiente para o país balancear as suas dívidas entre 2000 e 2001 e com isso a Argentina sofreu uma de suas maiores crises financeiras após a moratória no pagamento de seu financiamento externo. Para reerguer a economia, o país passou a adotar novamente a política de câmbio livre, deixando de lado a política de um peso para um dólar. Mas devido à alta dívida externa, essa mudança levou a uma crise cambial ao desvalorizar em aproximadamente 40% sua moeda nacional em relação à moeda americana. No gráfico abaixo, conseguimos ver a desvalorização da moeda nacional em relação ao dólar até os dias de hoje.


Enquanto antes da Lei de Conversibilidade o peso valia um dólar, hoje o peso equivale a aproximadamente US$0,01, ou seja, uma queda no câmbio na ordem de 100 vezes. Mas o que fez essa desvalorização expressiva durante esse período?



Fonte: Exchanges Rates


        Após a crise no início do milênio, os argentinos acabaram perdendo a confiança na sua moeda devido às más escolhas do Banco Central Argentino em conter a inflação, o que fez os argentinos habituarem-se a comprar dólar para não perderem o poder de compra, o que transformou a economia argentina em um sistema bimonetária. Além disso, as constantes moratórias, o qual serão explicadas posteriormente, aumentaram o risco do país e dificultando ainda mais a entrada de recursos externos.


Ainda assim, a situação da Argentina é ainda mais difícil se analisarmos para o curto prazo. Após o agravamento da pandemia, as reservas cambiais tiveram uma grande queda chegando ao valor bruto de US$ 42,5 bilhões, muitos citam ainda que excluindo o depósito compulsório dos bancos, ouro e swap cambiais, o valor líquido fica próximo de US$ 3,5 bilhões. Para tentar reverter essa situação, o governo argentino aumentou as restrições à venda do dólar, limitando a compra de dólar para US$ 200,00 mensais para cada argentino, já que a hiperinflação é um dos maiores medos da população e leva os argentinos a recorrem à moeda americana frequentemente.


  1. A  inflação descontrolada na Argentina

A assombração dos argentinos com a inflação vem de longa data. O próprio objetivo da política fixa cambial comentada anteriormente, foi de conter a inflação e trazer a estabilidade da sua moeda, entretanto esse fantasma ainda assola os argentinos.


Após a crise cambial em 2001, a Argentina teve um salto em sua inflação, com esse índice próximo dos 35% ao ano e levou à iminente queda do presidente Fernando de la Rúa no poder. Com a fragilidade econômica argentina, o kirchnerismo entrou no poder a fim de reestruturar o país e levar uma melhor situação econômica para a população, o qual conseguiu ter um razoável crescimento econômico, com o PIB aumentando próximo de 6% ao ano de 2003 até 2015. Além disso, o governo de Cristina Kirchner foi marcado por diversas políticas sociais como o aumento da cobertura previdenciária e a implantação do programa  AUH (baseado no Bolsa Família), o que auxiliou a tirar muitos argentinos da linha da pobreza, redução de cerca de 34,1% em 2010.


Entretanto, mesmo com o crescimento do PIB do governo Kirchner, a dívida argentina teve um expressivo crescimento e a inflação também voltou a perseguir no final do segundo mandato de Cristina, sendo próximo dos 22% em 2014. Na imagem a seguir, conseguimos analisar a inflação argentina tendo como base de comparação o próprio Brasil. 


Fonte: INDEC e IBGE


A inflação presenciada durante a era Macri, entre 2015 a 2019, foi ainda maior, o que trouxe mais instabilidade para o país. Mas qual a principal causa deste fenômeno que assola os argentinos?


O principal responsável pela alta generalizada nos preços argentinos é a emissão cada vez maior de moeda na economia para financiar a dívida pública. Com a falta das reformas estruturais e uma política ainda assistencialista, foi necessário mais dinheiro em circulação para o financiamento interno e assim, o peso argentino perdeu seu valor. Como Milton Friedman sempre dizia, a inflação é sempre e em todo lugar um fenômeno monetário.


No período de 2015 ao final de 2019, a base monetária teve um aumento em mais de 300%, já no Brasil o aumento foi de 32%, o que mostra a distorção da quantidade de pesos em circulação. No gráfico abaixo, é possível perceber o aumento da base monetária argentina


Fonte: Banco Central da Argentina 


          Para agravar ainda mais a situação, a pandemia criou um choque entre demanda e oferta o que fez muitas economias se preocuparem com a inflação. No caso da Argentina, o aumento generalizado dos preços foi de 31%, relativamente menor que em 2019, o qual foi 44%, mas ainda continua sendo um grande problema.


A fim de evitar as altas neste ano, o país realizou intervenções na economia, como por exemplo a suspensão da exportação de carne durante o mês de Maio. Esta medida teve como objetivo abastecer o mercado interno e diminuir a inflação de 12 meses que se encontrava em 47%, entretanto essa atitude para o médio e longo prazo pode ser ainda pior ao desestimular a oferta de carne dos produtores. Essa intervenção constante dentro da economia argentina desestimula a economia interna, o que diminui também o crescimento econômico e a arrecadação da máquina pública para o pagamento das suas obrigações atuais.


  1. A Dívida Pública e o Default

           A dívida pública argentina é um dos fatores determinantes para a inflação descontrolada e a grave situação econômica. Historicamente, o país sofre com a alta dívida em relação ao seu PIB e como boa parte deste valor é proveniente de empréstimos no mercado externo, a Argentina possui uma grande dificuldade em aplicar a sua política monetária. O principal fator para isso acontecer é que ao emitir moeda para pagar suas obrigações locais, o peso se deprecia frente ao dólar e aumenta ainda mais a sua dívida externa.

           Os argentinos sofrem com esses ciclos frequentemente, sendo o primeiro deles o default ocorrido em 2001 pela Argentina ao FMI. Após o término da política cambial fixa, os argentinos adotaram a política de câmbio livre o que fez o peso se desvalorizar em 40% ao dólar e com essa forte queda, houve o aumento da sua dívida externa em aproximadamente 4 vezes. A dívida/PIB argentina chegou aos 147%, fazendo os investidores estrangeiros retirarem ainda mais dinheiro e enfraquecendo a economia.


              

Fonte:Banco Central da Argentina 


          Durante o kirchnerismo, o país conseguiu de uma certa forma controlar a sua dívida pública ao alcançar uma dívida em relação ao PIB abaixo de 40%, o que não vinha acontecendo há mais de 10 anos. Mas como o próprio presidente Alberto Fernández citou recentemente em entrevista com Pedro Rosemblat, “A Argentina é um alcoólatra recuperado”, o qual mesmo passando por um momento difícil na dívida pública, continua a se descontrolar após se estabilizar e contraindo ainda mais dívida.

            

Fonte: Banco Central da Argentina 


         Percebe-se nitidamente essa expressão durante o segundo mandato de Cristina Kirchner, onde o déficit público chegou a praticamente 20 bilhões de dólares ao ano. Com as contas públicas deficitárias e o aumento da dívida, o país deu o segundo calote em menos de 13 anos ao estender os prazos para o pagamento de sua dívida externa.


           Após o fim do mandato de Cristina Kirchner e com Macri no poder, existiam esperanças por muitos que a situação poderia melhorar, mas a situação foi ainda pior. Os déficits públicos continuaram e o país teve de recorrer ao FMI para uma ajuda financeira com o intuito de frear a desvalorização do peso em relação ao dólar e no final de seu mandato a dívida pública chegou a 90% do seu PIB.


            Na volta de Cristina Kirchner no poder, agora como vice presidente, o país já estava em uma situação muito extrema e somado a situação sanitária devido a pandemia, não houve outra atitude além de dar o terceiro calote nos fundos exteriores em menos de 20 anos, no que resultou em um estado comprometido totalmente em suas dívidas e com dificuldades para seguir caminhando com as próprias pernas.


           A Argentina chegou até esse ponto de uma economia tão fragilizada por diversos equívocos econômicos como uma política cambial fixa que fez o peso perder valor frente a outras moedas, impressão de mais moeda para financiar a dívida e a má administração das contas públicas ao apresentar déficits consecutivos. Com uma moeda desvalorizada, inflação descontrolada e a dívida pública a aumentar, a situação é muito delicada a ponto de não se ver um futuro próspero no curto e médio prazo.



Referências


Banco Central da Argentina
Disponível em: http://www.bcra.gov.ar/


Agência EFE, La deuda externa de Argentina bajó en 2020 pero aún sigue siendo un lastre

Disponível em: 

https://www.efe.com/efe/espana/economia/la-deuda-externa-de-argentina-bajo-en-2020-pero-aun-sigue-siendo-un-lastre/10003-4500850


Country Economic, Argentina Government budget deficit

Disponível em: https://countryeconomy.com/deficit/argentina


Brookings, Argentina in Default: Why 2014 Is Different from 2001

Disponível em: https://www.brookings.edu/blog/up-front/2014/08/05/argentina-in-default-why-2014-is-different-from-2001/


Governo Argentino, Presentación gráfica de la deuda

Disponível em: https://www.argentina.gob.ar/economia/finanzas/presentaciongraficadeudapublica


José M. Bulacio, El déficit fiscal en Argentina y sus consecuencias macroeconómicas

Disponível em: https://aaep.org.ar/anales/pdf_01/bulacio_ferullo.pdf


Ministerio Trabajo y Economía Social de la España, La inflácion es un problema de todos

Disponível em: https://www.mites.gob.es/ficheros/ministerio/mundo/revista_ais/175/6.pdf


Economipedia, La inflación en Argentina: una explicación monetaria

Disponível em: https://economipedia.com/argentina/la-inflacion-en-argentina-una-explicacion-monetaria.htm


Folha de São Paulo, Câmbio fixo eleva desemprego argentino
Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi1007200016.htm

El País, A crise perpétua da Argentina
Disponível em: 

https://brasil.elpais.com/economia/2021-03-01/a-crise-perpetua-da-argentina.html


Fernando Ulrich:
Por que a Argentina fracassou

O peso argentino está morrendo

Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=vFkmHknmqQ4


A Argentina vai quebrar. De novo.

Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=F1nlOuJZi0A&t=2s


BBC, A derrocada Argentina

Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-49571729


Posted by Ricardo Pering dos Santos in Conjuntura Macro / Renda Fixa, 0 comments
Carta de conjuntura Macro – junho

Carta de conjuntura Macro – junho

O mês de Junho foi marcado principalmente pelas reuniões do FOMC e do Copom sobre a decisão nas taxas de juros, decisões as quais estão sendo acompanhadas de perto em virtude das preocupações com a inflação. Já na última semana do mês, o mercado apresentou bastante volatilidade devido a reforma tributária junto com a possibilidade de tributação dos dividendos e a continuidade no inquérito da CPI da Covid no cenário político.


Além disso, comentaremos sobre os resultados divulgados sobre os empregos nos EUA, o mercado de criptomoedas e também o resultado da inflação no último mês puxado pela crise hídrica que pode encarecer ainda mais a conta de luz dos brasileiros.


Criptomoedas

Neste mês de Junho, o mercado de criptoativos voltou a se animar após meses em queda através da aprovação do Bitcoin como moeda oficial em El Salvador. No dia 24, o país oficializou através de uma nova lei, o uso do Bitcoin como moeda de troca do país junto atualmente com o dólar, sendo o primeiro país no mundo a tomar esta atitude. Isso acabou despertando os olhares de muitos investidores de criptomedas e fez o Bitcoin se valorizar em aproximadamente 10% depois da notícia, além de criar uma oportunidade ainda maior para utilização da moeda mundialmente.


Por trás desta atitude de El Salvador, existe um lado muito importante economicamente. Entre 15% a 20% do PIB de El Salvador é composto por remessas estrangeiras, logo com a oficialização do Bitcoin facilitará ainda mais a entrada de dinheiro para o país e assim aumentar a arrecadação do governo, além de abrir oportunidades para mineradores e empresas de criptoativos se instalarem. O incentivo será ainda maior já que a população irá receber US$ 30 ao utilizarem a carteira digital de criptomoedas oficial, “Chivo”.


Cenário Internacional

Nos Estados Unidos foram criadas 850 mil vagas de emprego no mês de junho, um aumento considerável em relação às 583 mil geradas em maio. Assim, o país chega ao recorde de mais de 8 milhões de vagas em aberto. Mesmo assim, a taxa de desemprego subiu de 5,8% para 5,9% nestes meses. O fechamento das escolas e creches, que aumenta o número (principalmente) de mulheres em casa, bem como os auxílios do governo Biden, e as altas recordes de ações que resultaram em um crescimento nas aposentadorias precoces, são os principais fatores para a falta da alocação de mão de obra nas vagas existentes. É previsto que este cenário se normalize até o final do ano, com a contínua vacinação da população, consequente reabertura das escolas e diminuição dos auxílios.

Os membros do FOMC se reuniram nos dias 15 e 16 de junho, e foi anunciada a manutenção das taxas de juros entre 0% e 0,25%, através de decisão unânime. Também foi mantida a decisão de compra de ativos em US$ 120 bilhões, sendo pelo menos US$ 80 bilhões por mês em Treasuries e US$ 40 bilhões por mês em MBS. Essas decisões buscam dar suporte ao cenário americano na pandemia, enquanto não há maiores progressos em direção à melhoria da taxa de desemprego e estabilidade de preços. 

Apesar disso, ficou clara a preparação para a redução gradual de compra de ativos,  já que a alta liquidez do mercado imobiliário nos Estados Unidos está gerando pressão por valorização, e isso faz com que seja necessário ajustar o volume e a composição dos ativos comprados, principalmente no caso das MBS. Em relação ao futuro, o FED espera que as taxas de juros voltem a aumentar no cenário pós pandemia, a partir de 2023. Além disso, também é esperado que a inflação fique acima de 2% por um período no médio prazo, para que se enquadre na meta de 2% no longo prazo.

No início do mês o mundo foi surpreendido pela decisão inédita do G7 a respeito da criação de uma alíquota tributária mínima global. O objetivo com a mudança, de acordo com o anúncio, é a nivelação da carga tributária ao redor do globo, sendo a alíquota pretendida de pelo menos 15%, e aplicável às multinacionais. O G7 acredita que a receita gerada com o aumento, possibilitará investimentos governamentais em melhoria da qualidade de vida da população nos locais com menor carga tributária. 

Por outro lado, uma das principais formas de atração de investidores por países menores e economias emergentes é através da concorrência tributária. O aumento poderia significar evasão de grandes empresas, como acontece no Brasil, diminuindo os empregos gerados pelas multinacionais e o acesso da população a produtos e tecnologia importada. Economistas acreditam que a medida beneficiará majoritariamente países consolidados, pois o aumento da receita proveniente de impostos depende de posturas do governo para se transformar em melhorias para a população, enquanto que o ponto negativo de perda de investimento externo é certo.

Coronavírus


O ritmo de vacinação vem aumentando rapidamente ao redor do mundo, o que vem facilitando a diminuição no número de casos e uma abertura econômica principalmente nos países mais desenvolvidos. 


Os Estados Unidos iniciaram um forte início de vacinação entre Março e Abril, enquanto os países da União Europeia tiveram um aumento na taxa de vacinação só recentemente. Entre as principais nações desenvolvidas, as que tiveram maior destaque em relação à vacinação até agora foram o Reino Unido, Portugal e a Alemanha. 

Fonte: Our World in Data.


A Europa e os Estados Unidos alcançaram o menor patamar nas últimas 10 semanas no registro de novos casos e mortes decorrentes de coronavírus, devido à forte aceleração na aplicação de vacinas. Por causa dessas quedas, houve um afrouxamento nas políticas de isolamento o que possibilitou a volta de festas e eventos esportivos, sendo um dos principais a Eurocopa.


Entretanto, na última semana, a variante indiana delta vem preocupando muitos países com a possibilidade de uma terceira onda. O Reino Unido, por exemplo, viu o número de casos voltar a aumentar fortemente, quatro vezes no último mês aproximadamente, além de outros países como Portugal, o qual teve impor restrições a turistas ingleses para diminuir o número de novos casos. Com as finais e semifinais da Eurocopa em Wembley e a ascensão da COVID-19 no Reino Unido através da nova variante, a pressão sobre uma possível volta para o fechamento econômico ficou ainda maior.


Já no Brasil, após uma forte segunda onda entre fevereiro e março, o ritmo de vacinação no país surpreendeu muitas projeções feitas inicialmente. Como comentado na carta de maio, o aumento no número de doses em estoques poderia resultar em uma aceleração na vacinação no próximo mês, o que realmente acabou acontecendo. O país conseguiu aplicar 1 milhão de doses diárias em 22 ocasiões entre junho e julho. Assim, o país chegou a marca de 13% da população imunizada totalmente e 38% com uma dose pelo menos. 


Os principais motivos para esse ritmo, além do aumento no número de doses, foi a melhor distribuição do governo federal aos estados, diminuindo os estoques de doses paradas, e a antecipação de vacinação de diversas faixas etárias.


Cenário Nacional

A forte aceleração da vacinação no Brasil, trouxe perspectivas positivas para a retomada econômica, mas as irregularidades na compra da vacina Covaxin por parte do governo Bolsonaro, trouxe novamente instabilidade para o país. A CPI da Covid já vinha analisando irregularidades na gestão do governo como a falta de oxigênio em Manaus e nas últimas semanas a investigação foi mais a fundo ao analisar um suposto superfaturamento na compra das doses no valor de US $15,00, quatro vezes maior que a vacina da  AstraZeneca.


Diante disso, a CPI vem buscando esclarecimentos ao Ministério da Saúde para analisar as negociações feitas pela compra da Covaxin e verificar se houve alguma fraude. Por causa disso, a Procuradoria-Geral da República (PGR) abriu inquérito para saber se o presidente Bolsonaro cometeu prevaricação, ou seja, negligenciou o suposto superfaturamento das doses indianas.


Reforma Tributária


No dia 26 de junho de 2021, o Ministério da Economia enviou ao Congresso Nacional a proposta contendo a Segunda Fase da Reforma Tributária, que diz respeito às mudanças no sistema de Imposto de Renda para Pessoas Físicas, Jurídicas e Investimentos Financeiros. Vale a pena relembrar que a Primeira Fase da reforma já foi apresentada no ano de 2020 e continha a proposta de unificação do PIS/Pasep e Cofins, assim como, a criação da Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços, chamada de CBS.


A Segunda Fase propõe mudanças em quatro frentes tributárias. A primeira consiste na reforma do Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF), na qual o governo se compromete a atualizar a tabela de isenção do imposto. A população isenta do IRPF atualmente concentra-se na faixa de ganhos de até R$1.903,98 e consiste em um total de 10,7 milhões de pessoas. Com a proposta, a faixa de isenção subiria para ganhos de até R$2.500,00 contemplando cerca de 16,3 milhões de pessoas. O valor teto da tabela, para aqueles cuja a alíquota é de 27,5%, também será alterado passando de rendimentos acima de R$4.664,68 para rendimentos acima de R$5.300,01, como pode ser visto abaixo.


Fonte: Ministério da Economia.


Em relação ao desconto simplificado, mecanismo utilizado para facilitar o preenchimento da declaração de imposto de renda, propõe-se que fique restrito aos indivíduos que recebem até R$40 mil por ano. Outro ponto da proposta dentro do IRPF é a atualização do valor dos imóveis, que atualmente ocorre da seguinte forma: o imóvel é declarado em seu valor original, e ao se efetuar a venda do mesmo, o proprietário paga entre 15% e 22,5% sobre o ganho de capital. Na proposta de reforma, será permitido atualizar o valor patrimonial do imóvel na declaração de IR, sendo assim, incidirá uma alíquota de apenas 5% sobre a diferença do valor original do imóvel e o valor atual de mercado. A partir disso, as vendas adiante usarão como valor base do imóvel aquele que foi atualizado pelo proprietário anterior. A alíquota para envio de remessas de dinheiro de indivíduos aos paraísos fiscais passará a ser de 30%.


Entretanto, os pontos mais polêmicos da proposta de reforma estão relacionados ao IRPJ, são eles: a taxação de dividendos e a eliminação dos Juros sobre Capital Próprio (JCP), que afetam tanto as empresas como os indivíduos. No primeiro caso, a equipe econômica do governo pretende taxar os dividendos, atualmente isentos de IR, em 20% diretamente na fonte sem isenção entre os tipos de investidores. A proposta não se estenderá às micro e pequenas empresas com distribuição de proventos mensais de até R$20 mil. Remessas enviadas ao exterior também entrarão nesse quesito.


Vale ressaltar que a taxação de dividendos desestimula as empresas a repassarem os lucros aos acionistas, favorecendo a sua retenção e reinvestimento. Fator que pode desfavorecer empresas de baixo crescimento, como as do setor elétrico, e favorecer empresas de crescimento rápido e que não possuem distribuição de proventos, que também serão beneficiados pela redução do IRPJ, como será descrito adiante. A proposta também prevê a extinção dos JCP, instrumento estritamente brasileiro que possibilita às empresas a dedução dessa distribuição aos acionistas como despesa e, consequentemente, acaba por reduzir o lucro tributável, possibilitando a diminuição da alíquota efetiva de tributação de 34% para até 22% em alguns casos, o que não ocorre com os dividendos que são pagos com base no Lucro Líquido e não entram como despesas.


A segunda frente da proposta consiste na reforma do IRPJ, na qual ocorrerá uma redução progressiva na alíquota que atualmente se encontra em 15%, passando para 12,5% em 2022 e para 10% a partir de 2023. Além disso, o adicional de mais 10% para as grandes empresas permanecerá. Para pagamentos ou gratificações em ações destinadas a dirigentes e sócios também haverão mudanças, esses valores não poderão ser deduzidos como despesas operacionais.


Já a terceira frente de mudanças diz respeito ao IR de investimentos. Será extinto o escalonamento com base no prazo das aplicações em fundos de investimentos de Renda Fixa, que atualmente é de 22,5% para aplicações de até 180 dias e 15% para aplicações com prazo acima de 2 anos, passando a ser unificada em 15%. Os ativos de renda fixa como o Tesouro Direto e o CDB passarão a ter alíquota fixa em 15%, assim como, fundos multimercados.


Será extinto o “come-cotas” do mês de maio, sendo cobrado de forma integral no mês de novembro. O “come-cotas” é um imposto de renda que incide sobre os fundos, em especial de renda fixa, recolhidos de forma semestral (maio e novembro) com base nos rendimentos, nos fundos de curto prazo a alíquota é de 20% e nos de longo prazo é de 15%. Para fundos de ações e clubes de investimentos o “come-cotas” será mantido como está. Propõe-se uma unificação em 15% para todas as alíquotas dos diversos tipos de investimentos, no modelo atual a alíquota de 20% incide sobre Day Trade e FIIs e a alíquota de 15% incide sobre ações. Em relação aos Fundos de Investimento Imobiliário incidirá uma alíquota de 15% sobre os proventos pagos mensalmente a partir de 2022, entretanto, os impostos sobre lucros com as vendas das cotas cairá de 20% para 15%. A proposta também abrange investimentos no exterior, onde será extinta a isenção para as vendas de ações no valor de até R$35 mil.


A proposta da Segunda Fase da reforma não agradou a população em geral e nem o Congresso Nacional, segundo o próprio relator, deputado Celso Sabino (PSDB-PA), há estudos para tentar tornar progressiva a taxa de distribuição de lucros e dividendos das empresas, como uma tabela por faixas nos moldes do IRPF. Afirmou também, que ainda há na reforma “gordurinhas” a serem queimadas. Segundo Luiz Gustavo Bichara, advogado tributarista em Bichara Advogados, com a aprovação do texto original da reforma os rentistas serão tributados em 15%, os assalariados em 27,5% e os empreendedores em cerca de 49%, no pior cenário o imposto incidente sobre as empresas seria dividido da seguinte forma: 20% de IRPJ + 9% de CSLL + 20% sobre dividendos. Vale ressaltar o entendimento do STF, que uma tributação de 50% caracteriza confisco, o que é estritamente proibido pela Constituição brasileira.


Nesse quesito cabe um adendo, o cenário no qual a tributação total poderia alcançar 49% ocorreria caso as empresas viessem a distribuir 100% dos lucros em forma de dividendos. Como a maioria das empresas não possui essa política, o Valor Econômico fez simulações (demonstradas abaixo) na qual considera uma taxa de pagamento de dividendos de 25%. Sendo assim, em 2022 a carga tributária total alcançaria ~35% e em 2023 cerca de ~33%. Ficando abaixo do que se pratica atualmente nos Estados Unidos, onde a alíquota total para empresas é de 41%.



Fonte: Valor Econômico


Com a aprovação da reforma, o Ministério da Economia estima que haverá um aumento de arrecadação em R$32,2 Bi em 2022, R$55,04 Bi em 2023 e R$58,2 Bi em 2024. Por outro lado, há estimativas de perdas de receitas de R$32,02 Bi em 2022, de R$54,71 Bi em 2023 e R$57,61 Bi em 2024 devido aos ajustes nas alíquotas do IR.


Crise hídrica e pressão inflacionária 

A crise hídrica é um assunto que vem ganhando espaço no cenário nacional, alguns dos principais reservatórios para a produção energética do país, localizados no Centro-Oeste e no Sudeste, estão nos menores níveis em 22 anos.


Marcelo Seluchi, meteorologista do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), explica sobre esse recorde de escassez. Ele afirma que o nível de chuvas vem diminuindo ano após ano de forma generalizada no Brasil, e que outro grande problema que contribui para o baixo nível nos reservatórios é a falta de chuva, especificamente nas bacias dos rios, diminuindo a evasão dos mesmos e por consequência o nível dos reservatórios.


Com o baixo nível dos reservatórios, faz-se necessário a busca por produção de energia via outras fontes, dada a dependência da matriz energética brasileira para com as hidrelétricas. Nesse sentido, no curto prazo, é muito usada as usinas termelétricas para suprir a demanda de energia no país. 


Porém, o Ministério de Minas e Energia estima que, este ano, o acionamento de termelétricas resultará em um custo de R$ 9 bilhões ao consumidor, que deverá ser repassado gradativamente aos consumidores ao longo de 2021 e 2022. 


Assim, com a diminuição dos reservatórios das usinas hidrelétricas, e dada a forte dependência dessa fonte na matriz energética, há fortes pressões inflacionárias dado os aumentos de custo para a produção de energia, com a grande maioria dos locais com a bandeira vermelha acionada e reajustes de preço que chegam na ordem dos 100%.


Mudanças no comportamento do Bacen.

Como já sinalizado, o Copom decidiu por unanimidade, elevar a taxa de juros para 4,25% a.a, um aumento de 0,75 p.p. Essa é a terceira alta consecutiva da taxa de juros, retornando ao patamar pré-pandemia. 


O cenário de alta dos juros visa ancorar as expectativas dos agentes econômicos com relação à inflação de 2022, que dá sinais de piora. Os preços internacionais das commodities, o câmbio desvalorizado, a escassez de insumos na cadeia produtiva e o aumento do preço da energia, têm pressionado a inflação.


No acumulado de 12 meses, o IPCA (8,06%) já superou o teto da meta estipulado pelo governo, de 5,25%. Apesar dos dados recentes, o BC manteve o aumento de 0,75 p.p, mas com ajustes em sua comunicação. A mudança de tom do Banco Central veio com a retirada da “normalização parcial da taxa de juros” e indica um movimento mais rápido à taxa neutra, visando cumprir a meta de inflação de 2022: “Neste momento, o cenário básico do Copom indica ser apropriada a normalização da taxa de juros para patamar considerado neutro. Esse ajuste é necessário para mitigar a disseminação dos atuais choques temporários sobre a inflação.”


Em nota, o Copom afirmou que a persistência inflacionária e dados de atividade melhores do que o esperado, além de uma lenta normalização da oferta e aumento da conta de luz, devem pressionar inflação no curto prazo: “A persistência da pressão inflacionária revela-se maior que o esperado, sobretudo entre os bens industriais. Adicionalmente, a lentidão da normalização nas condições de oferta, a resiliência da demanda e implicações da deterioração do cenário hídrico sobre as tarifas de energia elétrica contribuem para manter a inflação elevada no curto prazo, a despeito da recente apreciação do Real.”


Além disso, o Copom ressalta que em seu cenário básico para a inflação permanecem fatores de risco em ambas as direções. De um lado, a recente valorização cambial pode diminuir a pressão sobre a inflação. Por outro, o prolongamento de estímulos fiscais que melhorem a atividade, mas ao mesmo tempo, aumentam o risco fiscal, podem ser fatores que elevem a inflação no curto e médio prazo. 


Nessa perspectiva, em busca de não perder o controle sobre os preços no médio e longo prazo e a sua credibilidade, que tornaria a política monetária menos efetiva, o Banco Central decidiu elevar a taxa de juros básica da economia para 4,25% a.a, e já indicou implicitamente um novo aumento de magnitude semelhante no próximo encontro. 


Assim, o cenário básico do Copom prevê uma inflação em torno de 5,8% para 2021 e 3,5% para 2022. Esse cenário supõe uma trajetória de juros que se eleva para 6,25% a.a. neste ano e para 6,50% a.a. em 2022.

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