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Introdução à Demonstração do Fluxo de Caixa

Introdução à Demonstração do Fluxo de Caixa

A Demonstração do Fluxo de Caixa (DFC) fornece informações sobre todas as transações que movimentaram a conta caixa de uma determinada companhia, ou seja, as entradas e saídas que ocorreram em um período específico.

Mas por que é importante analisar uma demonstração de fluxo de caixa? As outras demonstrações não são suficientes? Estas são algumas questões que serão abordadas ao longo do artigo.

Existem dois métodos de contabilização de resultados, o regime de competência e o regime de caixa. No regime de competência, os eventos (transações) são reconhecidos no momento em que esses ocorrem, sem levar em consideração se houve o recebimento ou pagamento. Ou seja, a receita será contabilizada no momento em que for gerada, independente do recebimento total ou parcial, o mesmo acontece com as despesas. Portanto, o lucro de uma empresa, pelo regime de competência, levará em consideração todas as receitas e despesas que ocorreram durante o período, porém, o resultado pode não estar refletido, de fato, no caixa da companhia. Um exemplo de relatório que é contabilizado pelo regime de competência é a Demonstração do Resultado do Exercício (DRE).

No regime de caixa, os eventos são reconhecidos apenas no momento em que houver o recebimento ou pagamento. Portanto, a receita será considerada apenas quando houver entrada de dinheiro no caixa, e as despesas quando houver saída de dinheiro do caixa. Por exemplo, considere uma venda parcelada, onde uma parte da receita será recebida apenas no ano seguinte, pelo regime de competência o valor total da venda será considerado no ano atual, porém, pelo regime de caixa, apenas as parcelas efetivamente pagas serão consideradas. Dessa forma, o lucro de uma empresa considerará as entradas e saídas de caixa que ocorreram durante o período analisado. A Demonstração do Fluxo de Caixa é desenvolvida a partir do regime de caixa.

Existem movimentações no caixa que não estão diretamente relacionadas às operações, ou atividade-fim da empresa, como é o caso de empréstimos ou pagamento de dividendos. Por outro lado, também existem transações que não afetam diretamente o caixa da companhia, que são contabilizadas como custo ou despesa, mas não correspondem a uma entrada ou saída de dinheiro no caixa, como, por exemplo, depreciação e amortização. Esses são apenas alguns motivos que demonstram a importância dos diversos relatórios contábeis na análise da estrutura financeira de uma companhia.

Estrutura da DFC

A DFC é dividida em três seções, de acordo com a natureza da atividade.

  • Atividades Operacionais
  • Atividades de Investimento
  • Atividades de Financiamento

Fluxo de Caixa das Atividades Operacionais

Fluxos de caixa provenientes das atividades relacionadas a operação da companhia, como a venda de produtos ou prestação de serviços.

A partir da análise do fluxo de caixa operacional, podemos entender melhor se a atividade-fim da empresa está gerando caixa. Mesmo gerando uma quantia significativa de receita, com o fluxo de caixa operacional podemos comparar essa receita com os gastos relacionados e avaliar se a empresa consegue honrar suas obrigações a partir da sua própria receita, ou se são necessários aportes para manter as atividades.

Exemplo de Movimentações:

  • Venda de produtos ou prestação de serviços;
  • Recebimento de juros;
  • Recebimento de dividendos e juros sobre capital próprio;
  • Pagamento de salários;
  • Pagamento de fornecedores;
  • Pagamento de juros;
  • Pagamentos de impostos.

De acordo com o IASB¹ por não haver um consenso, os juros, dividendos e juros sobre capital próprio, pagos e recebidos, podem ser classificados como atividades operacionais ou de financiamento.

Porém, o Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC) recomenda que as entidades classifiquem os juros, recebidos ou pagos, e os dividendos e juros sobre o capital próprio recebidos como atividades operacionais, e os dividendos e juros sobre capital próprio pagos como atividades de financiamento.

Caso optem por uma classificação alternativa, devem evidenciar o fato por meio de nota explicativa.


Fluxo de Caixa das Atividades de Investimento

Fluxo de caixa proveniente das alterações nos ativos de longo prazo, como investimentos não considerados equivalentes de caixa e movimentações relacionadas com despesas de capital (CAPEX), como aquisição ou venda de imobilizados ou intangíveis. O dispêndio de caixa em atividades de investimento possui a finalidade de gerar fluxos de caixa positivos para empresas em crescimento ou, para empresas que não estão expandindo suas operações, será apenas para cobrir sua depreciação no período. Caso o CAPEX seja menor que a depreciação, a empresa está deixando de renovar/manter seus ativos.

Exemplo de Movimentações:

  • Aquisição ou venda de Imobilizado e Intangível;
  • Compra de participação societária em outras empresas;
  • Aplicações financeiras não consideradas equivalentes de caixa.


Fluxo de Caixa das Atividades de Financiamento

Fluxo de caixa decorrente do recebimento e pagamento de financiamentos, que podem ser obtidos através de acionistas ou credores externos. A partir da análise desta seção podemos prever futuras demandas de fluxos de caixa dos fornecedores de capital.

Exemplo de Movimentações:

  • Emissão de ações;
  • Emissão de debêntures;
  • Pagamento de dividendos e juros sobre capital próprio;
  • Recompra de ações;
  • Amortização de empréstimos.


MÉTODO DIRETO

O método direto é elaborado com todas as informações disponíveis na tesouraria, registrando cada entrada e saída no momento em que houve o efetivo recebimento ou pagamento, por fonte. De forma mais simples, as informações contidas na DRE são convertidas para o regime de caixa.

A estrutura dos fluxos de caixa das atividades de investimento e financiamento serão idênticos nos métodos direto e indireto.

A seguir é apresentado um exemplo simplificado da estrutura de uma demonstração de fluxo de caixa pelo método direto.


MÉTODO INDIRETO

O fluxo de caixa pelo método indireto é elaborado a partir da reconciliação entre o lucro líquido e as movimentações de caixa da companhia, usando as informações obtidas através das demonstrações já elaboradas, como DRE e Balanço Patrimonial.

Como vimos anteriormente, o lucro líquido informado na DRE pelo regime de competência pode não refletir exatamente o caixa da companhia, principalmente devido a recebimentos e pagamentos parcelados. Além disso, no lucro líquido são consideradas contas como depreciação e amortização, que não afetam diretamente o caixa. A partir disso, são feitos ajustes de adição ou subtração ao Lucro Líquido.

Independentemente do método utilizado – direto ou indireto – o resultado final deve convergir para o mesmo valor, idêntico ao reportado no Balanço Patrimonial.

O método indireto é o mais utilizado pelas instituições, devido a facilidade de padronização na elaboração da DFC e caso optem pelo método direto, é necessária uma Nota Explicativa evidenciando a conciliação com o Lucro Líquido.

Como exemplo do método indireto, é apresentado a seguir o fluxo de caixa simplificado dos anos de 2018 e 2019 da empresa M. Dias Branco.


Como Analisar um Fluxo de Caixa

Analisar individualmente a DFC pode ajudar o analista a entender melhor a estrutura financeira da companhia e como seus recursos estão sendo geridos. Alguns índices podem ser usados para analisar um fluxo de caixa de uma companhia, e servir como base para uma análise comparativa entre empresas.

O fluxo de caixa da empresa M. Dias Branco, apresentado anteriormente, será usado como base para os exemplos.


Índices de Performance

Fluxo de Caixa Operacional por Receita

Expressado em porcentagem, indica qual foi o percentual da receita operacional líquida convertido em caixa, ou seja, a capacidade da empresa em transformar suas vendas em dinheiro.

Exemplo (M. Dias Branco):

Em 2019, a companhia converteu 11% da sua receita operacional em caixa operacional, houve uma variação negativa de 2%, em comparação com os resultados de 2018. Analisando os valores de receita e fluxo de caixa, percebe-se que o aumento de receita não foi acompanhado pelo fluxo de caixa operacional. Analisando o fluxo de caixa da companhia, é possível notar uma retração do lucro líquido, tal retração está relacionada a diminuição do EBITDA no ano de 2019, que deu-se, principalmente pelo aumento de 13,5% no custo médio do trigo.

IMPORTANTE: Uma análise qualitativa sobre as informações financeiras da empresa é de extrema importância para entender os motivos das variações nos índices. Além disso, a análise se torna mais eficaz quando feita uma comparação com os principais competidores da empresa.

Fluxo de Caixa Operacional por Patrimônio Líquido

Semelhante ao ROE (Return on Equity), porém, nesse caso o lucro líquido é substituído pelo fluxo de caixa operacional, portanto, esse índice permite analisar a eficiência da companhia em gerar caixa a partir dos recursos próprios.

Exemplo (M. Dias Branco):

Analisando o retorno sobre o patrimônio líquido, nota-se uma certa semelhança com o primeiro índice, que usava como base a receita operacional. Porém, podemos perceber que além de o caixa operacional não acompanhar o crescimento do capital, a variação do patrimônio líquido foi maior que a observada na receita operacional, devido a isso, a variação de ano contra ano do índice foi de -3%.

Fluxo de Caixa Livre por Receita

Comparável com o primeiro índice apresentado, a diferença é que nesse caso usamos o fluxo de caixa livre para comparar com a receita operacional líquida, e não o caixa operacional.

O Fluxo de Caixa Livre(FCF) é o caixa gerado após descontada as despesas necessárias para manter as operações da companhia. É calculado subtraindo as despesas de capital do caixa operacional.

Exemplo (M. Dias Branco):

Em 2019, a companhia converteu 6% da sua receita operacional em caixa livre, também houve uma variação negativa de 2% em comparação com os resultados de 2018. Podemos perceber que além do caixa operacional não acompanhar a receita, como mencionado anteriormente, é possível notar um aumento nas despesas de capital devido ao maior pagamento de imobilizado e licenças de software, o que impactou diretamente no fluxo de caixa livre, e consequentemente, no índice analisado.

Fluxo de Caixa Operacional por Ação

Como o próprio nome deixa claro, este índice fornece o quanto de caixa operacional foi gerado por ação da companhia. É comparável com o índice Lucro por Ação (LPA).

Exemplo (M. Dias Branco):

Como os valores do fluxo de caixa estão em milhões, o número de ações também foi ajustado para a mesma base. É importante frisar que a companhia é listada no Novo Mercado, devido a isso, só possui ações ordinárias, portanto, não há pagamento de dividendos preferenciais. Também é necessário tomar cuidado com o número de ações da empresa, muitas vezes ocorrem novas emissões de ações, e estas devem ser levadas em consideração para uma análise mais precisa.

Fluxo de Caixa Livre por Ação

Semelhante ao índice anterior, o fluxo de caixa livre por ação vai nos fornecer a informação de quanto caixa livre foi gerado por ação da companhia.

Exemplo (M. Dias Branco):

Rendimento do Fluxo de Caixa Livre

A partir do fluxo de caixa livre por ação, podemos calcular o Rendimento do Fluxo de Caixa Livre ou Free Cash Flow Yield, um bom indicador de desempenho operacional.

O fluxo de caixa livre indica se a empresa está gerando caixa com suas operações ou consumindo. Portanto, este índice irá indicar a quantidade de retorno que um acionista terá, por ação, considerando apenas o caixa livre. Também é um bom indicador de preço futuro da ação, pois um retorno maior por ação irá atrair novos investidores, pressionando o preço para cima, ou vice-versa.

Exemplo (M. Dias Branco):

Para o exemplo, foi considerado o preço da ação no último dia útil de negociação de cada ano. Quanto maior o percentual, mais interessante é para o investidor. Porém, para uma análise mais precisa, quando se trata de percentuais, é necessária uma análise comparativa com outras companhias, principalmente com as que atuam no mesmo setor.


Conclusão

A Demonstração do Fluxo de Caixa é um importante relatório contábil que, se analisado em conjunto com outras demonstrações contábeis, como a DRE e o Balanço Patrimonial, pode fornecer informações valiosas para uma análise precisa e minuciosa da estrutura financeira e desempenho operacional de uma determinada companhia.


Notas

  1. International Accounting Standards Board (IASB), é a organização internacional que publica e atualiza o IFRS (International Financial Reporting Standards).


Referências

GELBCKE, Ernesto Rubens et al. “Manual de Contabilidade Societária: Aplicável a Todas as Sociedades de Acordo com as Normas Internacionais e do CPC” 3° ed. Atlas, 2018.

CPC. Pronunciamento Técnico CPC 03: Demonstração do Fluxo de Caixa” 2010

IUDÍCIBUS, S. et al. “Contabilidade para Não Contadores” 5° ed. Atlas, 2008.

IUDÍCIBUS, S. et al. “Contabilidade Introdutória” 11° ed. Atlas, 2010.

ROBINSON, T. R. “International Statement Financial Analysis” CFA Institute, Wiley.

MURPHY, C. B. “Understanding the Cash Flow Statement” Investopedia, 2020.

HAYES, A. “Cash Flow Statement” Investopedia, 2020.

LOTH, R. “Analyze Cash Flow the Easy Way”, Investopedia, 2020.

Posted by Juneor Sotille in Equity Research, 2 comments