“Crédito é a parte mais importante e menos entendida da economia” Ray Dalio.
O crédito possui seu mercado como qualquer outro, como o de peixes ou de refrigerantes, onde existem os compradores e os vendedores. Os compradores no mercado de crédito são chamados de devedores, que são aqueles que pegam recursos emprestados prometendo pagá-los em uma data futura acrescida de juros. Já os vendedores são chamados de credores, ou seja, são aqueles que emprestam os recursos para os devedores esperando receber seu capital acrescido de juros. Quando um credor e devedor fecham um contrato, ocorre a transferência desse dinheiro, sendo necessário o pagamento em uma data futura acordada, assim cria-se uma dívida onde o credor a detém como ativo e o devedor como passivo. Os principais credores de uma nação são os bancos, e estes conseguem “criar” crédito, este fato, têm uma relevância indubitável para a economia de modo geral.
Os bancos conseguem criar crédito a partir do sistema de reservas bancárias fracionárias, pois não há a necessidade de todos os depósitos feitos no banco ficarem como forma de reservas, apenas uma fração dos mesmos. Imagine que você deposite R$100,0 no Banco X, onde apenas 10% dos depósitos fiquem na forma de reserva e os outros R$90,00 fossem usados para conceder crédito ao João. Agora João decide depositar seu dinheiro no Banco Y, onde o mesmo teria R$90,00 em depósitos, R$9,00 em reservas e assim R$81,00 para poder emprestar, e que Enzo pegasse o dinheiro emprestado e depositasse em outro banco e assim por diante, ao final desse somatório infinito, o depósito inicial de João, teria se tornado R$900,00 passíveis de empréstimo, a tabela abaixo exemplifica de maneira ilustrativa.
Agora pense na implicação econômica desse fato. Se R$100,00 se transformaram em R$900,00 na forma de crédito para financiar a atividade econômica de um país, seja para empréstimos pessoais, financiamento imobiliário ou qualquer outra modalidade, a economia de uma forma geral conseguirá consumir mais bens e serviços caso o mesmo não existisse, como o consumo de uma pessoa representa a renda de outra, o crédito consegue estimular a economia, pois as pessoas conseguem consumir mais, possuir mais renda, fazer mais investimentos, e assim, aumentar o “tamanho do bolo” econômico, caso o mesmo não existisse.
Como exemplo, o gráfico abaixo mostra os principais títulos de dívida Americana negociados dentro do sistema financeiro, percebe-se que os treasury´s do governo, dívidas corporativas e títulos de hipoteca, juntos representam cerca de 36 Trilhões de dólares ao final de 2019, ao passo que a quantidade de dinheiro circulando na economia (M1) era de pouco menos que 4 Trilhões de dólares. Nota-se assim, que a quantidade de dinheiro na economia é inferior à quantidade de crédito existente.
Corporate Bonds – dívidas contraídas por empresas americanas, emitidas no mercado de capitais americano.
Asset-Backed securities – é uma dívida securitizada, onde diversas modalidades de dívida como: empréstimo para carro, dívida estudantil, recebíveis de empresas etc. são agrupadas e lançadas ao mercado como um veículo de investimento, onde um investidor pode comprar um Asset-Backed security e receber os juros e amortização dessas diversas pequenas dívidas ilíquidas em um único investimento.
Treasury – são as dívidas do governo americano, para financiar seus gastos de forma geral, o governo emite o título a mercado e investidores compram esse título de dívida.
Municipal Bonds – semelhante aos treasury´s do governo, porém de emissão de municípios.
Mortgage Related securities – toda e qualquer dívida hipotecária americana existente no mercado de capitais, os mais conhecidos são os Mortgage Backed Securities, com funcionamento semelhante às Asset-Backed security, porém, apenas com hipotecas.
Federal Agency securities – são emissões feitas por entidade federais do governo americano, criadas com o propósito de diminuir as taxas de juros pagas em alguns setores da economia, a diminuição deste juros é decorrente do menor risco de se emprestar dinheiro para o governo americano, algumas dessas entidades são: Small Business Administration (SBA), Student Loan Marketing Association (SLMA).
Money Markets – são os empréstimos de menor juros e maior liquidez da economia, empréstimos feitos entre bancos com prazo de 1 dia útil ou menos. Uma maneira de se investir nessa modalidade, porém no Brasil, são os fundos DI.
M1 (money supply 1) – É a base monetária de determinado país, são considerados constituintes da base monetária o papel-moeda e depósitos bancários à vista.
A partir desta etapa o artigo encaminhará para uma compreensão do crédito para empresas, vendo os principais usos para o mesmo, fontes alternativas de financiamento e o mercado de Corporate bonds brasileiro.
Crédito corporativo
O crédito corporativo, ou mais conhecido como corporate bonds, são emissões de dívida feita por empresas, onde a empresa busca com esse financiamento: compor seu capital de giro (dívidas de curto prazo), promover seu crescimento a partir da expansão de suas operações (dívidas de médio-longo prazo), a construção de ativos, sejam eles geradoras elétricas, bases industriais etc. (dívida de prazo alongado) ou ainda, aquisições de outras operações já existentes. De modo sempre a promover um crescimento, desde que a taxa de retorno de seu investimento seja maior que o custo de sua dívida.
Forma de empresas financiarem suas operações
Não é só a partir da contração de dívida que as empresas conseguem financiar suas operações e atividades, em suma, existem três meios que as empresas conseguem se financiar. Vale ressaltar que as empresas geralmente não têm apenas um método, e sim um mix dos 3.
Geração de caixa – as empresas podem financiar suas operações e expansão a partir de sua própria geração de caixa, de modo que o caixa gerado pela empresa seja suficiente para cobrir as suas obrigações e, ainda, sobre uma quantidade substancial de caixa livre de modo que a empresa consiga reinvestir no negócio e proporcionar crescimento.
Os principais benefícios das empresas usarem seu caixa, é que ela não gera uma dívida com terceiros, isto é, não precisa ter uma saída de caixa futura para pagamento de amortização e juros, além de mostrar uma boa capacidade operacional, pelo fato da empresa conseguir se manter e crescer apenas com o seu próprio caixa. Porém, há desvantagens, a primeira, é que não há benefício fiscal nessa modalidade, pois a empresa ao auferir lucros, necessita pagar impostos, e ainda, muitas vezes ela necessita manter uma grande quantidade em caixa para investir em seus projetos, o que acaba gerando um custo de oportunidade desse dinheiro.
Aumento no capital social – outra forma das empresas conseguirem se financiar é via o aumento de capital social, que consiste basicamente nas empresas emitirem novas ações, aumentando assim, seu Patrimônio Líquido. Quando os sócios financiam a companhia via essa modalidade, um benefício de imediato é que todos esses recursos levantados vão para o caixa, podendo financiar as atividades que a empresa propôs no prospecto de emissão de novas ações, e assim como a geração de caixa, a entidade não terá saída de recursos para pagamento de dívida, a tornando menos alavancada e diminuindo riscos de insolvência.
Entretanto, como na geração de caixa, não terá benefício fiscal via essa modalidade, e todos os lucros auferidos com os recursos da emissão serão tributados. E ainda, ao uma empresa emitir novas ações, quando os acionistas colocam seus recursos nesta emissão, esses acabam exigindo um retorno implícito maior do que um credor por exemplo, pois é muito mais arriscado você comprar um negócio do que a dívida do mesmo. Vale ressaltar também que, ao fazer aumento no capital social, acionistas que não entrarem com dinheiro para esse aumento, serão diluídos, detendo menos participação acionária com a mesma quantidade de ações, podendo assim, prejudicar acionistas que não aderirem à oferta.
Emissão de dívida – a contração de dívidas para financiar suas atividades, diferente de dívidas contraídas por pessoas físicas, é extremamente vantajosa para as empresas pois elas têm benefício fiscal em cima, isto é, ao se contrair uma dívida há a necessidade de pagar juros e amortizações em cima da mesma, porém, não incidem impostos sobre esses recursos pagos, diminuindo assim o LAIR* e consequentemente, a quantidade de impostos paga. Geralmente, o financiamento através de dívida tende a ser o mais barato entre os três, mesmo tendo a necessidade de saída de caixa para pagar os recursos contraídos, outro ponto positivo a ser considerado é que os atuais acionistas, continuam com a mesma porcentagem da empresa que anteriormente, apenas há um credor com direitos sobre a companhia.
*Lucro antes do imposto de renda
Como pontos negativos, a empresa precisa ter um controle muito rigoroso da dívida, pois ela representa saída de recursos e caso a mesma se alavanque muito, pode afetar sua capacidade de pagá-la, afetando assim o seu credit score, podendo assim, exigirem juros mais altos e ainda, se tornar insolvente. Para entender mais sobre o que é credit score e risco de crédito, o artigo Ratings de Crédito, desenvolvido por um integrante do Clube de Finanças, aborda com clareza o tema.
Os principais credores das empresas são os bancos, podendo também ser o mercado, caso a empresa seja uma Sociedade Anônima, sendo de capital aberto ou não. O nome levado para esses instrumentos de dívidas negociáveis são as notas promissórias, caso o prazo seja menor que 1 ano, e Debêntures se for maior.
As Debêntures são o maior mecanismo de captação de recursos dentro do mercado de capitais. Em 2020 até o mês de Outubro, foram captados 275 bilhões de reais dos mais diversos instrumentos financeiros, as debêntures, ficaram na segunda colocação captando cerca de 84.8 bilhões de reais ficando atrás apenas para ações, se considerar tanto os IPO´s quanto os Follow-on´s, captaram 88.4 bilhões de reais. O gráfico abaixo mostra a distribuição da captação, entre os principais veículos existentes ao longo dos últimos 7 anos.
Como visto acima, a emissão de dívida feita por empresas, representa uma parcela relevante no Mercado Financeiro brasileiro, porém, é importante destacar um ponto: a grande maioria das ofertas de debêntures não estão acessíveis aos investidores pessoas físicas, isso ocorre pela modalidade que as emissões são feitas, podendo ser regulamentadas pela instrução CVM 400 e CVM 476.
CVM 400: A partir da instrução CVM 400, são regulamentadas todas as ofertas públicas de valores mobiliários no território brasileiro, sejam ações, fundos de investimento imobiliário ou as próprias debêntures. Essa modalidade de emissão é ainda pouco usada no mercado de crédito, por se tratar de uma oferta pública, ou seja, destinada ao público em geral, requer uma regulamentação e um processo de admissão de maior rigidez, que além de demandar mais tempo, demanda mais recursos. Por esses dois fatores, e outros como a falta de interesse ou até, desconhecimento sobre esse mercado pelas pessoas físicas, as empresas acabam se afastando desse tipo de oferta na hora de emitir suas dívidas.
CVM 476: Instituída 6 anos após a CVM 400, a CVM 476 foi criada com o intuito de agilizar os processos de emissões e ao mesmo tempo reduzir seus custos. Ao ser acessível apenas a investidores profissionais, aqueles que detém patrimônio investido igual ou superior a 10 milhões de reais, atestados conforme a instrução normativa CVM nº55/2014, seja esse investidor de natureza física ou jurídica. Esse modelo de emissão é mais rápido e menos custoso por não necessitar de fatores como: análise prévia da CVM e prospecto de emissão. Por se tratar de uma oferta mais restrita, podem ser oferecidas apenas para 75 investidores dos quais apenas 50 podem aderir à oferta.
No ano de 2020, ocorreu apenas uma operação regulamentada pela CVM 400, ao passo que pela regulamentação mais recente, ocorreram 204. Isso mostra a maior vantagem para as empresas de emitirem dívidas via CVM 476, além da falta de interesse dos investidores comuns acerca dessa classe de ativos, ainda muito sub-penetrada no mercado brasileiro. O gráfico abaixo mostra a evolução da quantidade de operações emitidas por cada uma das normas nos últimos 7 anos.
Visto a regulamentação das Debêntures e prós e contras de cada modalidade, é importante entender quais são as garantias existentes quando se compra as dívidas de uma empresa. Em caso das empresas não honrarem seus compromissos, e ainda, ter uma atratividade maior dos investidores, muitas empresas, ao emitirem debêntures, fornecem algumas modalidades de garantias diferentes, pois além de passar mais confiança e interesse para os investidores, consegue diminuir os juros exigidos. O artigo Corporate bonds escrito por outro membro do Clube de Finanças, trás em detalhe sobre as garantias existentes bem como o funcionamento para precificação desses ativos.
O gráfico abaixo mostra a distribuição das emissões por tipo de garantia:
Nesse sentido, a garantia mais utilizada nas emissões de Debêntures é a quirografária. De Janeiro a Outubro de 2020, apenas esse modelo representou mais de 85% de todas as emissões. Por ser uma emissão pouco restritiva para empresas, não tendo a alienação de ativos e a impossibilidade de negociar os mesmos, e ainda há a possibilidade de aliená-la com garantia Fidejussória, o que acaba tornando atrativo para as empresas emitirem nessa modalidade, sob uma óptica de curto-médio prazo.
Como as debêntures são títulos de renda fixa, ou seja, possuem regras pré acordadas que definem sua remuneração, é importante entender como essa remuneração pode ser acordada. Nesse sentido, as debêntures podem ser tanto pré-fixadas ou pós-fixadas. As debêntures pré-fixadas têm por características o conhecimento prévio da remuneração que será recebida por aqueles que investirem nesses títulos, já as pós-fixadas possuem a característica de sua remuneração está atrelada a algum indicador macroeconômico + spread ou ainda uma porcentagem sobre esse indicador, geralmente o CDI.
Quando é olhado para os dados desse mercado no Brasil, é possível observar a relevância de dois principais indexadores: o CDI e o IPCA. O gráfico abaixo, mostra os principais indexadores utilizados na emissão de debêntures no Brasil nos últimos 7 anos.
A importância desse mercado para o Brasil
O principal modelo de financiamento para o crescimento econômico brasileiro, desde o século XX, foi a iniciativa pública. Onde o BNDES foi o principal provedor de crédito de longo prazo, para investimentos em infraestrutura, transporte, telecomunicações, energia elétrica, saneamento etc. De 2010 a 2014 em média, o BNDES foi responsável por 14,3% de toda matriz de financiamento nacional, e esse número vem caindo cada vez mais.
Com a grave crise brasileira, que ocorreu de 2014 a 2016, o modelo de financiamento que sustentou o crescimento do Brasil nas últimas décadas, não será capaz de viabilizar um crescimento econômico de longo prazo sustentável, com mudanças políticas e operacionais no BNDES, que vem reduzindo cada vez mais sua participação na matriz de financiamento, refletindo também, a falta de recursos disponíveis.
A importância do mercado de capitais como um todo, principalmente no que tange às dívidas corporativas, é relevado nesses fatos, com a necessidade de reformas fiscais e administrativas para o governo, o mesmo não será capaz de atuar com tanta veemência no que tange financiamento para o crescimento da economia brasileira.
Leis como a 12.431, onde ocorre isenção de tributação sobre a renda para detentores de Debêntures incentivadas, isto é, Debêntures que tem por objetivo investimentos em infraestrutura, e o marco do saneamento, aprovado em 2020, são forma de cada vez mais, a iniciativa privada necessitar de menos capital público, e assim, o mercado de capitais conseguir financiar o crescimento brasileiro, como ocorre em países mais desenvolvidos.
O aumento da participação do mercado de capitais na matriz de financiamento das empresas brasileiras também impacta positivamente os principais indicadores socioeconômicos do país. Pois, esse mercado, consegue canalizar a poupança da sociedade para suprir a necessidade das companhias por recursos, conseguindo fazê-la de maneira eficiente. Retorno mais adequado ao risco do investimento, melhora na governança corporativa e estímulo a práticas socioambientais, são formas que esse mercado gera a longo prazo um benefício à sociedade como um todo.
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Referências:
https://www.investidor.gov.br/menu/Menu_Investidor/valores_mobiliarios/debenture.html
https://www.investopedia.com/terms/d/debt-issue.asp
MANKIW Gregory. Introdução à economia, capítulo 23.
HALL Prentice. Corporate finance, capítulos 23, 24.