Conjuntura Macro / Renda Fixa

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A situação econômica na Argentina

A situação econômica na Argentina

A pandemia, agravada em 2020, teve um forte impacto sobre as economias mundiais, sendo ainda maior para os países emergentes e principalmente para as economias cujas as quais já vinham fragilizadas. A nossa vizinha, Argentina, é o melhor exemplo desta conjuntura e serve como modelo para outros países sul-americanos, entre eles o Brasil, a não cometerem os mesmos erros econômicos e nem chegarem ao delicado momento vivenciado por lá.


A situação econômica atual argentina é extremamente frágil e percebida pela queda expressiva no PIB durante o último ano de aproximadamente de 10% e a alta taxa de pobreza a qual chegou a atingir mais de 40% da população segundo o Indec (Instituto Nacional de Estatística e Censo da Argentina). A Argentina chegou a essa situação por diversas escolhas equivocadas em sua economia e má administração do próprio governo, neste artigo abordaremos três principais causas para o momento atual do país: a desvalorização da moeda, a alta inflação e o déficit fiscal. 


  1. A desvalorização da moeda e o sistema “bimonetário”


Após a saída do regime militar no final da década de 80, a Argentina saiu com graves sequelas econômicas, como a alta dívida externa, sendo boa parte contraída através do FMI, e a hiperinflação vivenciada durante o período, a qual chegou próxima de 200% em julho de 1989. Para conter a alta generalizada dos preços e estruturar a sua economia, a Argentina tomou diversas medidas cabíveis como o lançamento de um novo plano para a sua moeda, deixando de lado o austral e circulando novamente em sua economia o peso.


Além da nova moeda em circulação, o país decidiu em 1992 através da Lei de Conversibilidade, manter uma política cambial fixa e converter um peso para cada dólar. Ou seja, o governo realizava as trocas cambiais a fim de manter as reservas internacionais em um volume igual ou maior que a base monetária da moeda nacional, com isso mantinha a meta do peso equivalente a um dólar.


Diante deste sistema cambial, por muitos anos o peso argentino se manteve constante em relação ao dólar, o que favoreceu o controle da inflação durante o período e o aumento nas importações. Entretanto, a política cambial fixa trouxe desvantagens à economia argentina entre elas o aumento de empréstimos externos para manter a conversibilidade da moeda e o desequilíbrio na balança comercial, desfavorecendo as exportações dos principais produtos argentinos (trigo, soja, carne e lacticínios) e enfraquecendo a indústria nacional, pois mesmo com o PIB crescendo 6% entre 1991 e 1997, o desemprego aumentou de 6,05% para 13,7% no mesmo período.


O crescimento econômico nos anos 90 não foi o suficiente para o país balancear as suas dívidas entre 2000 e 2001 e com isso a Argentina sofreu uma de suas maiores crises financeiras após a moratória no pagamento de seu financiamento externo. Para reerguer a economia, o país passou a adotar novamente a política de câmbio livre, deixando de lado a política de um peso para um dólar. Mas devido à alta dívida externa, essa mudança levou a uma crise cambial ao desvalorizar em aproximadamente 40% sua moeda nacional em relação à moeda americana. No gráfico abaixo, conseguimos ver a desvalorização da moeda nacional em relação ao dólar até os dias de hoje.


Enquanto antes da Lei de Conversibilidade o peso valia um dólar, hoje o peso equivale a aproximadamente US$0,01, ou seja, uma queda no câmbio na ordem de 100 vezes. Mas o que fez essa desvalorização expressiva durante esse período?



Fonte: Exchanges Rates


        Após a crise no início do milênio, os argentinos acabaram perdendo a confiança na sua moeda devido às más escolhas do Banco Central Argentino em conter a inflação, o que fez os argentinos habituarem-se a comprar dólar para não perderem o poder de compra, o que transformou a economia argentina em um sistema bimonetária. Além disso, as constantes moratórias, o qual serão explicadas posteriormente, aumentaram o risco do país e dificultando ainda mais a entrada de recursos externos.


Ainda assim, a situação da Argentina é ainda mais difícil se analisarmos para o curto prazo. Após o agravamento da pandemia, as reservas cambiais tiveram uma grande queda chegando ao valor bruto de US$ 42,5 bilhões, muitos citam ainda que excluindo o depósito compulsório dos bancos, ouro e swap cambiais, o valor líquido fica próximo de US$ 3,5 bilhões. Para tentar reverter essa situação, o governo argentino aumentou as restrições à venda do dólar, limitando a compra de dólar para US$ 200,00 mensais para cada argentino, já que a hiperinflação é um dos maiores medos da população e leva os argentinos a recorrem à moeda americana frequentemente.


  1. A  inflação descontrolada na Argentina

A assombração dos argentinos com a inflação vem de longa data. O próprio objetivo da política fixa cambial comentada anteriormente, foi de conter a inflação e trazer a estabilidade da sua moeda, entretanto esse fantasma ainda assola os argentinos.


Após a crise cambial em 2001, a Argentina teve um salto em sua inflação, com esse índice próximo dos 35% ao ano e levou à iminente queda do presidente Fernando de la Rúa no poder. Com a fragilidade econômica argentina, o kirchnerismo entrou no poder a fim de reestruturar o país e levar uma melhor situação econômica para a população, o qual conseguiu ter um razoável crescimento econômico, com o PIB aumentando próximo de 6% ao ano de 2003 até 2015. Além disso, o governo de Cristina Kirchner foi marcado por diversas políticas sociais como o aumento da cobertura previdenciária e a implantação do programa  AUH (baseado no Bolsa Família), o que auxiliou a tirar muitos argentinos da linha da pobreza, redução de cerca de 34,1% em 2010.


Entretanto, mesmo com o crescimento do PIB do governo Kirchner, a dívida argentina teve um expressivo crescimento e a inflação também voltou a perseguir no final do segundo mandato de Cristina, sendo próximo dos 22% em 2014. Na imagem a seguir, conseguimos analisar a inflação argentina tendo como base de comparação o próprio Brasil. 


Fonte: INDEC e IBGE


A inflação presenciada durante a era Macri, entre 2015 a 2019, foi ainda maior, o que trouxe mais instabilidade para o país. Mas qual a principal causa deste fenômeno que assola os argentinos?


O principal responsável pela alta generalizada nos preços argentinos é a emissão cada vez maior de moeda na economia para financiar a dívida pública. Com a falta das reformas estruturais e uma política ainda assistencialista, foi necessário mais dinheiro em circulação para o financiamento interno e assim, o peso argentino perdeu seu valor. Como Milton Friedman sempre dizia, a inflação é sempre e em todo lugar um fenômeno monetário.


No período de 2015 ao final de 2019, a base monetária teve um aumento em mais de 300%, já no Brasil o aumento foi de 32%, o que mostra a distorção da quantidade de pesos em circulação. No gráfico abaixo, é possível perceber o aumento da base monetária argentina


Fonte: Banco Central da Argentina 


          Para agravar ainda mais a situação, a pandemia criou um choque entre demanda e oferta o que fez muitas economias se preocuparem com a inflação. No caso da Argentina, o aumento generalizado dos preços foi de 31%, relativamente menor que em 2019, o qual foi 44%, mas ainda continua sendo um grande problema.


A fim de evitar as altas neste ano, o país realizou intervenções na economia, como por exemplo a suspensão da exportação de carne durante o mês de Maio. Esta medida teve como objetivo abastecer o mercado interno e diminuir a inflação de 12 meses que se encontrava em 47%, entretanto essa atitude para o médio e longo prazo pode ser ainda pior ao desestimular a oferta de carne dos produtores. Essa intervenção constante dentro da economia argentina desestimula a economia interna, o que diminui também o crescimento econômico e a arrecadação da máquina pública para o pagamento das suas obrigações atuais.


  1. A Dívida Pública e o Default

           A dívida pública argentina é um dos fatores determinantes para a inflação descontrolada e a grave situação econômica. Historicamente, o país sofre com a alta dívida em relação ao seu PIB e como boa parte deste valor é proveniente de empréstimos no mercado externo, a Argentina possui uma grande dificuldade em aplicar a sua política monetária. O principal fator para isso acontecer é que ao emitir moeda para pagar suas obrigações locais, o peso se deprecia frente ao dólar e aumenta ainda mais a sua dívida externa.

           Os argentinos sofrem com esses ciclos frequentemente, sendo o primeiro deles o default ocorrido em 2001 pela Argentina ao FMI. Após o término da política cambial fixa, os argentinos adotaram a política de câmbio livre o que fez o peso se desvalorizar em 40% ao dólar e com essa forte queda, houve o aumento da sua dívida externa em aproximadamente 4 vezes. A dívida/PIB argentina chegou aos 147%, fazendo os investidores estrangeiros retirarem ainda mais dinheiro e enfraquecendo a economia.


              

Fonte:Banco Central da Argentina 


          Durante o kirchnerismo, o país conseguiu de uma certa forma controlar a sua dívida pública ao alcançar uma dívida em relação ao PIB abaixo de 40%, o que não vinha acontecendo há mais de 10 anos. Mas como o próprio presidente Alberto Fernández citou recentemente em entrevista com Pedro Rosemblat, “A Argentina é um alcoólatra recuperado”, o qual mesmo passando por um momento difícil na dívida pública, continua a se descontrolar após se estabilizar e contraindo ainda mais dívida.

            

Fonte: Banco Central da Argentina 


         Percebe-se nitidamente essa expressão durante o segundo mandato de Cristina Kirchner, onde o déficit público chegou a praticamente 20 bilhões de dólares ao ano. Com as contas públicas deficitárias e o aumento da dívida, o país deu o segundo calote em menos de 13 anos ao estender os prazos para o pagamento de sua dívida externa.


           Após o fim do mandato de Cristina Kirchner e com Macri no poder, existiam esperanças por muitos que a situação poderia melhorar, mas a situação foi ainda pior. Os déficits públicos continuaram e o país teve de recorrer ao FMI para uma ajuda financeira com o intuito de frear a desvalorização do peso em relação ao dólar e no final de seu mandato a dívida pública chegou a 90% do seu PIB.


            Na volta de Cristina Kirchner no poder, agora como vice presidente, o país já estava em uma situação muito extrema e somado a situação sanitária devido a pandemia, não houve outra atitude além de dar o terceiro calote nos fundos exteriores em menos de 20 anos, no que resultou em um estado comprometido totalmente em suas dívidas e com dificuldades para seguir caminhando com as próprias pernas.


           A Argentina chegou até esse ponto de uma economia tão fragilizada por diversos equívocos econômicos como uma política cambial fixa que fez o peso perder valor frente a outras moedas, impressão de mais moeda para financiar a dívida e a má administração das contas públicas ao apresentar déficits consecutivos. Com uma moeda desvalorizada, inflação descontrolada e a dívida pública a aumentar, a situação é muito delicada a ponto de não se ver um futuro próspero no curto e médio prazo.



Referências


Banco Central da Argentina
Disponível em: http://www.bcra.gov.ar/


Agência EFE, La deuda externa de Argentina bajó en 2020 pero aún sigue siendo un lastre

Disponível em: 

https://www.efe.com/efe/espana/economia/la-deuda-externa-de-argentina-bajo-en-2020-pero-aun-sigue-siendo-un-lastre/10003-4500850


Country Economic, Argentina Government budget deficit

Disponível em: https://countryeconomy.com/deficit/argentina


Brookings, Argentina in Default: Why 2014 Is Different from 2001

Disponível em: https://www.brookings.edu/blog/up-front/2014/08/05/argentina-in-default-why-2014-is-different-from-2001/


Governo Argentino, Presentación gráfica de la deuda

Disponível em: https://www.argentina.gob.ar/economia/finanzas/presentaciongraficadeudapublica


José M. Bulacio, El déficit fiscal en Argentina y sus consecuencias macroeconómicas

Disponível em: https://aaep.org.ar/anales/pdf_01/bulacio_ferullo.pdf


Ministerio Trabajo y Economía Social de la España, La inflácion es un problema de todos

Disponível em: https://www.mites.gob.es/ficheros/ministerio/mundo/revista_ais/175/6.pdf


Economipedia, La inflación en Argentina: una explicación monetaria

Disponível em: https://economipedia.com/argentina/la-inflacion-en-argentina-una-explicacion-monetaria.htm


Folha de São Paulo, Câmbio fixo eleva desemprego argentino
Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi1007200016.htm

El País, A crise perpétua da Argentina
Disponível em: 

https://brasil.elpais.com/economia/2021-03-01/a-crise-perpetua-da-argentina.html


Fernando Ulrich:
Por que a Argentina fracassou

O peso argentino está morrendo

Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=vFkmHknmqQ4


A Argentina vai quebrar. De novo.

Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=F1nlOuJZi0A&t=2s


BBC, A derrocada Argentina

Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-49571729


Posted by Ricardo Pering dos Santos in Conjuntura Macro / Renda Fixa, 0 comments
Carta de conjuntura Macro – junho

Carta de conjuntura Macro – junho

O mês de Junho foi marcado principalmente pelas reuniões do FOMC e do Copom sobre a decisão nas taxas de juros, decisões as quais estão sendo acompanhadas de perto em virtude das preocupações com a inflação. Já na última semana do mês, o mercado apresentou bastante volatilidade devido a reforma tributária junto com a possibilidade de tributação dos dividendos e a continuidade no inquérito da CPI da Covid no cenário político.


Além disso, comentaremos sobre os resultados divulgados sobre os empregos nos EUA, o mercado de criptomoedas e também o resultado da inflação no último mês puxado pela crise hídrica que pode encarecer ainda mais a conta de luz dos brasileiros.


Criptomoedas

Neste mês de Junho, o mercado de criptoativos voltou a se animar após meses em queda através da aprovação do Bitcoin como moeda oficial em El Salvador. No dia 24, o país oficializou através de uma nova lei, o uso do Bitcoin como moeda de troca do país junto atualmente com o dólar, sendo o primeiro país no mundo a tomar esta atitude. Isso acabou despertando os olhares de muitos investidores de criptomedas e fez o Bitcoin se valorizar em aproximadamente 10% depois da notícia, além de criar uma oportunidade ainda maior para utilização da moeda mundialmente.


Por trás desta atitude de El Salvador, existe um lado muito importante economicamente. Entre 15% a 20% do PIB de El Salvador é composto por remessas estrangeiras, logo com a oficialização do Bitcoin facilitará ainda mais a entrada de dinheiro para o país e assim aumentar a arrecadação do governo, além de abrir oportunidades para mineradores e empresas de criptoativos se instalarem. O incentivo será ainda maior já que a população irá receber US$ 30 ao utilizarem a carteira digital de criptomoedas oficial, “Chivo”.


Cenário Internacional

Nos Estados Unidos foram criadas 850 mil vagas de emprego no mês de junho, um aumento considerável em relação às 583 mil geradas em maio. Assim, o país chega ao recorde de mais de 8 milhões de vagas em aberto. Mesmo assim, a taxa de desemprego subiu de 5,8% para 5,9% nestes meses. O fechamento das escolas e creches, que aumenta o número (principalmente) de mulheres em casa, bem como os auxílios do governo Biden, e as altas recordes de ações que resultaram em um crescimento nas aposentadorias precoces, são os principais fatores para a falta da alocação de mão de obra nas vagas existentes. É previsto que este cenário se normalize até o final do ano, com a contínua vacinação da população, consequente reabertura das escolas e diminuição dos auxílios.

Os membros do FOMC se reuniram nos dias 15 e 16 de junho, e foi anunciada a manutenção das taxas de juros entre 0% e 0,25%, através de decisão unânime. Também foi mantida a decisão de compra de ativos em US$ 120 bilhões, sendo pelo menos US$ 80 bilhões por mês em Treasuries e US$ 40 bilhões por mês em MBS. Essas decisões buscam dar suporte ao cenário americano na pandemia, enquanto não há maiores progressos em direção à melhoria da taxa de desemprego e estabilidade de preços. 

Apesar disso, ficou clara a preparação para a redução gradual de compra de ativos,  já que a alta liquidez do mercado imobiliário nos Estados Unidos está gerando pressão por valorização, e isso faz com que seja necessário ajustar o volume e a composição dos ativos comprados, principalmente no caso das MBS. Em relação ao futuro, o FED espera que as taxas de juros voltem a aumentar no cenário pós pandemia, a partir de 2023. Além disso, também é esperado que a inflação fique acima de 2% por um período no médio prazo, para que se enquadre na meta de 2% no longo prazo.

No início do mês o mundo foi surpreendido pela decisão inédita do G7 a respeito da criação de uma alíquota tributária mínima global. O objetivo com a mudança, de acordo com o anúncio, é a nivelação da carga tributária ao redor do globo, sendo a alíquota pretendida de pelo menos 15%, e aplicável às multinacionais. O G7 acredita que a receita gerada com o aumento, possibilitará investimentos governamentais em melhoria da qualidade de vida da população nos locais com menor carga tributária. 

Por outro lado, uma das principais formas de atração de investidores por países menores e economias emergentes é através da concorrência tributária. O aumento poderia significar evasão de grandes empresas, como acontece no Brasil, diminuindo os empregos gerados pelas multinacionais e o acesso da população a produtos e tecnologia importada. Economistas acreditam que a medida beneficiará majoritariamente países consolidados, pois o aumento da receita proveniente de impostos depende de posturas do governo para se transformar em melhorias para a população, enquanto que o ponto negativo de perda de investimento externo é certo.

Coronavírus


O ritmo de vacinação vem aumentando rapidamente ao redor do mundo, o que vem facilitando a diminuição no número de casos e uma abertura econômica principalmente nos países mais desenvolvidos. 


Os Estados Unidos iniciaram um forte início de vacinação entre Março e Abril, enquanto os países da União Europeia tiveram um aumento na taxa de vacinação só recentemente. Entre as principais nações desenvolvidas, as que tiveram maior destaque em relação à vacinação até agora foram o Reino Unido, Portugal e a Alemanha. 

Fonte: Our World in Data.


A Europa e os Estados Unidos alcançaram o menor patamar nas últimas 10 semanas no registro de novos casos e mortes decorrentes de coronavírus, devido à forte aceleração na aplicação de vacinas. Por causa dessas quedas, houve um afrouxamento nas políticas de isolamento o que possibilitou a volta de festas e eventos esportivos, sendo um dos principais a Eurocopa.


Entretanto, na última semana, a variante indiana delta vem preocupando muitos países com a possibilidade de uma terceira onda. O Reino Unido, por exemplo, viu o número de casos voltar a aumentar fortemente, quatro vezes no último mês aproximadamente, além de outros países como Portugal, o qual teve impor restrições a turistas ingleses para diminuir o número de novos casos. Com as finais e semifinais da Eurocopa em Wembley e a ascensão da COVID-19 no Reino Unido através da nova variante, a pressão sobre uma possível volta para o fechamento econômico ficou ainda maior.


Já no Brasil, após uma forte segunda onda entre fevereiro e março, o ritmo de vacinação no país surpreendeu muitas projeções feitas inicialmente. Como comentado na carta de maio, o aumento no número de doses em estoques poderia resultar em uma aceleração na vacinação no próximo mês, o que realmente acabou acontecendo. O país conseguiu aplicar 1 milhão de doses diárias em 22 ocasiões entre junho e julho. Assim, o país chegou a marca de 13% da população imunizada totalmente e 38% com uma dose pelo menos. 


Os principais motivos para esse ritmo, além do aumento no número de doses, foi a melhor distribuição do governo federal aos estados, diminuindo os estoques de doses paradas, e a antecipação de vacinação de diversas faixas etárias.


Cenário Nacional

A forte aceleração da vacinação no Brasil, trouxe perspectivas positivas para a retomada econômica, mas as irregularidades na compra da vacina Covaxin por parte do governo Bolsonaro, trouxe novamente instabilidade para o país. A CPI da Covid já vinha analisando irregularidades na gestão do governo como a falta de oxigênio em Manaus e nas últimas semanas a investigação foi mais a fundo ao analisar um suposto superfaturamento na compra das doses no valor de US $15,00, quatro vezes maior que a vacina da  AstraZeneca.


Diante disso, a CPI vem buscando esclarecimentos ao Ministério da Saúde para analisar as negociações feitas pela compra da Covaxin e verificar se houve alguma fraude. Por causa disso, a Procuradoria-Geral da República (PGR) abriu inquérito para saber se o presidente Bolsonaro cometeu prevaricação, ou seja, negligenciou o suposto superfaturamento das doses indianas.


Reforma Tributária


No dia 26 de junho de 2021, o Ministério da Economia enviou ao Congresso Nacional a proposta contendo a Segunda Fase da Reforma Tributária, que diz respeito às mudanças no sistema de Imposto de Renda para Pessoas Físicas, Jurídicas e Investimentos Financeiros. Vale a pena relembrar que a Primeira Fase da reforma já foi apresentada no ano de 2020 e continha a proposta de unificação do PIS/Pasep e Cofins, assim como, a criação da Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços, chamada de CBS.


A Segunda Fase propõe mudanças em quatro frentes tributárias. A primeira consiste na reforma do Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF), na qual o governo se compromete a atualizar a tabela de isenção do imposto. A população isenta do IRPF atualmente concentra-se na faixa de ganhos de até R$1.903,98 e consiste em um total de 10,7 milhões de pessoas. Com a proposta, a faixa de isenção subiria para ganhos de até R$2.500,00 contemplando cerca de 16,3 milhões de pessoas. O valor teto da tabela, para aqueles cuja a alíquota é de 27,5%, também será alterado passando de rendimentos acima de R$4.664,68 para rendimentos acima de R$5.300,01, como pode ser visto abaixo.


Fonte: Ministério da Economia.


Em relação ao desconto simplificado, mecanismo utilizado para facilitar o preenchimento da declaração de imposto de renda, propõe-se que fique restrito aos indivíduos que recebem até R$40 mil por ano. Outro ponto da proposta dentro do IRPF é a atualização do valor dos imóveis, que atualmente ocorre da seguinte forma: o imóvel é declarado em seu valor original, e ao se efetuar a venda do mesmo, o proprietário paga entre 15% e 22,5% sobre o ganho de capital. Na proposta de reforma, será permitido atualizar o valor patrimonial do imóvel na declaração de IR, sendo assim, incidirá uma alíquota de apenas 5% sobre a diferença do valor original do imóvel e o valor atual de mercado. A partir disso, as vendas adiante usarão como valor base do imóvel aquele que foi atualizado pelo proprietário anterior. A alíquota para envio de remessas de dinheiro de indivíduos aos paraísos fiscais passará a ser de 30%.


Entretanto, os pontos mais polêmicos da proposta de reforma estão relacionados ao IRPJ, são eles: a taxação de dividendos e a eliminação dos Juros sobre Capital Próprio (JCP), que afetam tanto as empresas como os indivíduos. No primeiro caso, a equipe econômica do governo pretende taxar os dividendos, atualmente isentos de IR, em 20% diretamente na fonte sem isenção entre os tipos de investidores. A proposta não se estenderá às micro e pequenas empresas com distribuição de proventos mensais de até R$20 mil. Remessas enviadas ao exterior também entrarão nesse quesito.


Vale ressaltar que a taxação de dividendos desestimula as empresas a repassarem os lucros aos acionistas, favorecendo a sua retenção e reinvestimento. Fator que pode desfavorecer empresas de baixo crescimento, como as do setor elétrico, e favorecer empresas de crescimento rápido e que não possuem distribuição de proventos, que também serão beneficiados pela redução do IRPJ, como será descrito adiante. A proposta também prevê a extinção dos JCP, instrumento estritamente brasileiro que possibilita às empresas a dedução dessa distribuição aos acionistas como despesa e, consequentemente, acaba por reduzir o lucro tributável, possibilitando a diminuição da alíquota efetiva de tributação de 34% para até 22% em alguns casos, o que não ocorre com os dividendos que são pagos com base no Lucro Líquido e não entram como despesas.


A segunda frente da proposta consiste na reforma do IRPJ, na qual ocorrerá uma redução progressiva na alíquota que atualmente se encontra em 15%, passando para 12,5% em 2022 e para 10% a partir de 2023. Além disso, o adicional de mais 10% para as grandes empresas permanecerá. Para pagamentos ou gratificações em ações destinadas a dirigentes e sócios também haverão mudanças, esses valores não poderão ser deduzidos como despesas operacionais.


Já a terceira frente de mudanças diz respeito ao IR de investimentos. Será extinto o escalonamento com base no prazo das aplicações em fundos de investimentos de Renda Fixa, que atualmente é de 22,5% para aplicações de até 180 dias e 15% para aplicações com prazo acima de 2 anos, passando a ser unificada em 15%. Os ativos de renda fixa como o Tesouro Direto e o CDB passarão a ter alíquota fixa em 15%, assim como, fundos multimercados.


Será extinto o “come-cotas” do mês de maio, sendo cobrado de forma integral no mês de novembro. O “come-cotas” é um imposto de renda que incide sobre os fundos, em especial de renda fixa, recolhidos de forma semestral (maio e novembro) com base nos rendimentos, nos fundos de curto prazo a alíquota é de 20% e nos de longo prazo é de 15%. Para fundos de ações e clubes de investimentos o “come-cotas” será mantido como está. Propõe-se uma unificação em 15% para todas as alíquotas dos diversos tipos de investimentos, no modelo atual a alíquota de 20% incide sobre Day Trade e FIIs e a alíquota de 15% incide sobre ações. Em relação aos Fundos de Investimento Imobiliário incidirá uma alíquota de 15% sobre os proventos pagos mensalmente a partir de 2022, entretanto, os impostos sobre lucros com as vendas das cotas cairá de 20% para 15%. A proposta também abrange investimentos no exterior, onde será extinta a isenção para as vendas de ações no valor de até R$35 mil.


A proposta da Segunda Fase da reforma não agradou a população em geral e nem o Congresso Nacional, segundo o próprio relator, deputado Celso Sabino (PSDB-PA), há estudos para tentar tornar progressiva a taxa de distribuição de lucros e dividendos das empresas, como uma tabela por faixas nos moldes do IRPF. Afirmou também, que ainda há na reforma “gordurinhas” a serem queimadas. Segundo Luiz Gustavo Bichara, advogado tributarista em Bichara Advogados, com a aprovação do texto original da reforma os rentistas serão tributados em 15%, os assalariados em 27,5% e os empreendedores em cerca de 49%, no pior cenário o imposto incidente sobre as empresas seria dividido da seguinte forma: 20% de IRPJ + 9% de CSLL + 20% sobre dividendos. Vale ressaltar o entendimento do STF, que uma tributação de 50% caracteriza confisco, o que é estritamente proibido pela Constituição brasileira.


Nesse quesito cabe um adendo, o cenário no qual a tributação total poderia alcançar 49% ocorreria caso as empresas viessem a distribuir 100% dos lucros em forma de dividendos. Como a maioria das empresas não possui essa política, o Valor Econômico fez simulações (demonstradas abaixo) na qual considera uma taxa de pagamento de dividendos de 25%. Sendo assim, em 2022 a carga tributária total alcançaria ~35% e em 2023 cerca de ~33%. Ficando abaixo do que se pratica atualmente nos Estados Unidos, onde a alíquota total para empresas é de 41%.



Fonte: Valor Econômico


Com a aprovação da reforma, o Ministério da Economia estima que haverá um aumento de arrecadação em R$32,2 Bi em 2022, R$55,04 Bi em 2023 e R$58,2 Bi em 2024. Por outro lado, há estimativas de perdas de receitas de R$32,02 Bi em 2022, de R$54,71 Bi em 2023 e R$57,61 Bi em 2024 devido aos ajustes nas alíquotas do IR.


Crise hídrica e pressão inflacionária 

A crise hídrica é um assunto que vem ganhando espaço no cenário nacional, alguns dos principais reservatórios para a produção energética do país, localizados no Centro-Oeste e no Sudeste, estão nos menores níveis em 22 anos.


Marcelo Seluchi, meteorologista do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), explica sobre esse recorde de escassez. Ele afirma que o nível de chuvas vem diminuindo ano após ano de forma generalizada no Brasil, e que outro grande problema que contribui para o baixo nível nos reservatórios é a falta de chuva, especificamente nas bacias dos rios, diminuindo a evasão dos mesmos e por consequência o nível dos reservatórios.


Com o baixo nível dos reservatórios, faz-se necessário a busca por produção de energia via outras fontes, dada a dependência da matriz energética brasileira para com as hidrelétricas. Nesse sentido, no curto prazo, é muito usada as usinas termelétricas para suprir a demanda de energia no país. 


Porém, o Ministério de Minas e Energia estima que, este ano, o acionamento de termelétricas resultará em um custo de R$ 9 bilhões ao consumidor, que deverá ser repassado gradativamente aos consumidores ao longo de 2021 e 2022. 


Assim, com a diminuição dos reservatórios das usinas hidrelétricas, e dada a forte dependência dessa fonte na matriz energética, há fortes pressões inflacionárias dado os aumentos de custo para a produção de energia, com a grande maioria dos locais com a bandeira vermelha acionada e reajustes de preço que chegam na ordem dos 100%.


Mudanças no comportamento do Bacen.

Como já sinalizado, o Copom decidiu por unanimidade, elevar a taxa de juros para 4,25% a.a, um aumento de 0,75 p.p. Essa é a terceira alta consecutiva da taxa de juros, retornando ao patamar pré-pandemia. 


O cenário de alta dos juros visa ancorar as expectativas dos agentes econômicos com relação à inflação de 2022, que dá sinais de piora. Os preços internacionais das commodities, o câmbio desvalorizado, a escassez de insumos na cadeia produtiva e o aumento do preço da energia, têm pressionado a inflação.


No acumulado de 12 meses, o IPCA (8,06%) já superou o teto da meta estipulado pelo governo, de 5,25%. Apesar dos dados recentes, o BC manteve o aumento de 0,75 p.p, mas com ajustes em sua comunicação. A mudança de tom do Banco Central veio com a retirada da “normalização parcial da taxa de juros” e indica um movimento mais rápido à taxa neutra, visando cumprir a meta de inflação de 2022: “Neste momento, o cenário básico do Copom indica ser apropriada a normalização da taxa de juros para patamar considerado neutro. Esse ajuste é necessário para mitigar a disseminação dos atuais choques temporários sobre a inflação.”


Em nota, o Copom afirmou que a persistência inflacionária e dados de atividade melhores do que o esperado, além de uma lenta normalização da oferta e aumento da conta de luz, devem pressionar inflação no curto prazo: “A persistência da pressão inflacionária revela-se maior que o esperado, sobretudo entre os bens industriais. Adicionalmente, a lentidão da normalização nas condições de oferta, a resiliência da demanda e implicações da deterioração do cenário hídrico sobre as tarifas de energia elétrica contribuem para manter a inflação elevada no curto prazo, a despeito da recente apreciação do Real.”


Além disso, o Copom ressalta que em seu cenário básico para a inflação permanecem fatores de risco em ambas as direções. De um lado, a recente valorização cambial pode diminuir a pressão sobre a inflação. Por outro, o prolongamento de estímulos fiscais que melhorem a atividade, mas ao mesmo tempo, aumentam o risco fiscal, podem ser fatores que elevem a inflação no curto e médio prazo. 


Nessa perspectiva, em busca de não perder o controle sobre os preços no médio e longo prazo e a sua credibilidade, que tornaria a política monetária menos efetiva, o Banco Central decidiu elevar a taxa de juros básica da economia para 4,25% a.a, e já indicou implicitamente um novo aumento de magnitude semelhante no próximo encontro. 


Assim, o cenário básico do Copom prevê uma inflação em torno de 5,8% para 2021 e 3,5% para 2022. Esse cenário supõe uma trajetória de juros que se eleva para 6,25% a.a. neste ano e para 6,50% a.a. em 2022.

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Carta de conjuntura Macro – maio

Carta de conjuntura Macro – maio

Criptomoedas

A volatilidade, sempre comum diante das criptomoedas, foi ainda mais forte durante este mês de maio. A moeda mais comercializada, o bitcoin, teve uma rentabilidade negativa de aproximadamente 50% no período, sendo um dos piores meses desde o seu surgimento, e influenciou a queda de outros ativos digitais como ETFs (HASH11), Etherium e outras criptomoedas.

O primeiro motivo para a volatilidade neste mês veio após um tweet de Elon Musk, surpreendendo o mercado ao suspender a compra de seus veículos por meio do Bitcoin. Segundo o CEO da Tesla, essa decisão foi tomada pela preocupação com o uso crescente de combustíveis fósseis para mineração de bitcoins, aumentando as emissões de gás carbônico na atmosfera. Além disso, Musk citou “A criptomoeda é uma boa ideia em muitos níveis e acreditamos que ela tem um futuro promissor, mas isso não pode ter um grande custo para o meio ambiente” e comentou também que repensaria essa decisão caso a mineração fizesse a transição para uma energia mais sustentável.

Já a segunda causa para a queda dos cripto ativos veio da repressão do governo chinês na mineração e comercialização do Bitcoin. A China vem buscando formas de limitar a circulação da moeda há um bom tempo, por exemplo em 2017 baniu ofertas iniciais de criptomoedas com o objetivo de proteger investidores e coibir riscos financeiros. Já em Maio deste ano, o governo chinês proibiu instituições e companhias financeiras de prover serviços de criptomoedas, como troca e vendas, além de pagamentos por meio destas moedas.

A China busca criar a sua própria moeda digital, o DCEP, sendo emitido pelo Banco do Povo da China (PBoC), o qual pode ser um dos fatores para a restrição das criptos dentro do país. Outros países também buscam criar sua própria moeda digital, inclusive o Brasil onde o Bacen já estuda a possibilidade para criação deste novo meio de pagamento.

Inflação Americana

A inflação estadunidense vem demonstrando aumentos consideráveis desde o início da pandemia de Covid-19, tendo disparado no mês de abril de 2021. O Consumer Price Index (CPI) que consiste de uma cesta de produtos da economia americana, parecido com o IPCA utilizado no Brasil, alcançou o maior patamar desde 2008 para o acumulado dos últimos 12 meses, cerca de 4,15%. Já a variação mensal do mesmo índice totalizou 0,8%, a maior elevação desde 2009, enquanto o consenso de mercado era 0,2%.

CPI 12-month percent change, Apr 2021

Fonte: U.S. Bureau of Labor Statistics; Elaboração própria.

CPI for all urban consumers: all items in U.S. city average

Fonte: U.S. Bureau of Labor Statistics; Elaboração própria

Ao analisar o Core CPI, índice sem o impacto dos preços de energia e alimentação, é possível observar um aumento de 2,96% no acumulado dos últimos 12 meses, maior patamar desde 2006, já na variação mês a mês do índice foi de 0,91%, maior patamar encontrado desde setembro de 1981. Esses dados expressam uma variação maior na perda de valor do dinheiro (Dólar), podendo ser uma consequência direta de fatores estruturais (ESG e aumento dos preços de energia, desglobalização e protecionismo) e conjunturais (pandemia, liquidez, déficit fiscal, choque de oferta das commodities) do cenário atual da economia americana e global, assim como, um reflexo das rodadas de QE.

Core CPI 12-month percent change, Apr 2021

Fonte: U.S. Bureau of Labor Statistics; Elaboração própria.

Como as medidas tomadas em 2020 de elevação de liquidez monetária feitas pelo FED e pelo Tesouro acabaram chegando à economia real e não ficaram represadas nos balanços dos bancos como ocorreu na crise financeira de 2008 é possível perceber o enorme aumento da Base Monetária que alcançou US$5.4 Trilhões no mês de fevereiro de 2021, uma elevação de 57,7% em relação aos últimos 12 meses.

Monetary Base

Fonte: Board of Governors of the Federal Reserve System (US); Elaboração própria.

Já em relação ao agregado monetário M2 que demonstra o total de dinheiro que está circulando na economia, chegou ao valor de US$20 Trilhões no final de 2020. Já em relação ao déficit do Tesouro, vale citar a acentuada elevação nos últimos anos, que saiu de -US$215 Bi no começo de 2018 para -US$864 Bi em junho de 2020 e -US$659 Bi em março de 2021. Fatores que demonstram a grande preocupação com a inflação americana que pode se acentuar ainda mais com a continuação dos projetos de estímulos do governo Biden.

M2 Growth (US$ Bi)

Fonte:  Board of Governors of the Federal Reserve System (US); Elaboração própria.

Fiscal Deficit (Treasury)

Fonte: U.S. Department of the Treasury (Fiscal Service); Elaboração própria.

Desemprego – dificuldade de contratação de mão de obra por parte das empresas

As expectativas do mercado em relação a criação de empregos no mês de abril estava acima de 1 milhão de contratações. Entretanto, o relatório de criação de empregos, payroll report, demonstrou a criação de apenas 266 mil. Já o consenso de mercado em relação à taxa de desemprego era de 5,8%, porém, o que se apresentou no mês foi um aumento da taxa de desemprego, alcançando cerca de 6,1%.

Job Creation

Fonte: U.S. Bureau of Labor Statistics; Elaboração própria.

Outro índice que reflete a situação do mercado de trabalho é o civilian labor force level, ou seja, a quantidade de pessoas que estão no mercado de trabalho (trabalhando ou buscando por emprego). No início de 2020 o valor era de 165 Mi de pessoas e no mês de abril de 2021 o valor é de 160,9 Mi de pessoas.

Civilian Labor Force (Millions)

Fonte: U.S. Bureau of Labor Statistics; Elaboração própria.

Porém, esse índice não reflete as pessoas que possuem condições de trabalhar, mas que não estão procurando emprego. Esse fato pode ser observado pela expressiva queda na taxa de participação da força de trabalho no início da pandemia e que até o momento não demonstrou grande recuperação. Esse índice está nos mesmos patamares de 1976. A consequência disso pode ser vista na economia real, onde está havendo muita dificuldade de contratação por parte das empresas, no estado da Flórida o McDonald ‘s está  oferecendo US$50 para que pessoas compareçam às entrevistas de emprego. Muitos economistas vêm atribuindo esse paradoxo ao programa de renda básica de Joe Biden, o que desestimula as pessoas a trabalharem, segundo eles.

Labor Force Participation Rate (%)

Fonte: U.S. Bureau of Labor Statistics; Elaboração própria.

No gráfico abaixo é possível perceber o aumento acentuado da renda dos trabalhadores no mês de abril de 2020 com o primeiro auxílio, assim como em março de 2021 com mais um auxílio do governo.

Personal Income of Workers (US$ Bi)

Fonte: U.S. Bureau of Economics Analysis; Elaboração Própria.

Aumento no preço dos imóveis

Os preços das moradias norte-americanas não expressavam um aumento tão acentuado desde o final de 2005. O índice da S&P de valorização das propriedades apresentou uma elevação de 13,2% em março deste ano se comparado a 2020. 

Em 20 cidades do país os preços das moradias ultrapassaram 13,3% de aumento, o maior patamar alcançado desde dezembro de 2013. Na cidade de Kingston no estado de Nova York, a elevação alcançou 36% em relação ao mesmo período do ano anterior. Isso se deve a maior procura por casas com taxas de hipoteca menores, assim como, as rodadas de QE e massivas compras de mortgage-backed securities pelo governo. 

Fonte: S&P Dow Jones Indices; Elaboração própria.

Quantitative Easing

Outro tópico bastante discutido devido ao aumento da inflação americana no mês de maio é a possível redução do Quantitative Easing do governo americano. O vice-presidente do FED, Richard Clarida, comentou que pode haver  algum momento nas próximas reuniões em que se discuta a diminuição na compra de ativos, porém ressaltou que dependerá dos próximos dados divulgados, o qual buscam mais progresso substancial no emprego e na estabilidade de preços. Já o presidente distrital do FED na Filadélfia, Patrick Harker, posicionou mais fortemente em relação a esta discussão ao defender que é necessário a redução do Quantitative Easing “antes cedo do que tarde” e citou como exemplo, a escalada de custos no mercado imobiliário residencial. 

A inflação não só preocupa nos Estados Unidos, como também em outros países da Europa. No último mês, o CPI (índice de preço ao consumidor) alemão subiu 0,5%, antes de uma previsão de 0,3%, sendo acima das expectativas o que gerou um sinal de alerta para muitos. Com isso, aumenta a pressão do Banco Central Europeu para discutir uma redução do Quantitative Easing, porém alguns membros do BCE ainda enxergam um aumento no atual momento como prematuro

Índia 

Após o Brasil ser o epicentro do COVID-19 no mundo, a Índia tomou este posto no final de abril ao ver o crescimento no número de casos, chegando a preocupante marca de 400 mil novos casos diários. Em maio, o país teve seu auge no número de mortes ao chegar na marca de 4 mil mortes diárias devido a densidade populacional, a lotação dos hospitais e a falta de médicos na linha de frente. Além disso, este número pode ser ainda maior por causa da grande quantidade de subnotificações por muitos morrerem sem um laudo médico ao serem dispensados dos hospitais.

A Índia, atualmente, é um dos maiores fornecedores de Insumo Farmacêutico Ativo (IFA) junto com a China, sendo que os dois países correspondem a dois terços do abastecimento mundial. Com o agravamento indiano na pandemia durante os últimos dois meses, houve uma escassez ainda maior da matéria prima para a produção de vacinas no Brasil, dificultando ainda mais a vacinação no país.

Pandemia no Brasil

Maio se tornou o terceiro mês mais letal desde o início da pandemia no Brasil, foram registradas 59.010 mortes pelo novo coronavírus neste mês. Mesmo que a situação no Brasil continue lamentável, observa-se uma tendência de baixa, dado que na comparação houve uma queda de 28% em número de mortes em relação ao mês anterior e uma queda também na quantidade de casos, como podemos ver no gráfico abaixo:

Casos de covid – média móvel de 7 dias

Vemos que o Brasil ainda se recupera do seu pior momento da pandemia, que foi em meados de abril, onde chegou a mais de 3 mil mortes em apenas um único dia. Desde o pior momento, vários estados impuseram lockdown e restrições de circulação, assim como os próprios municípios. E como os dados acima mostram, as medidas restritivas fizeram efeito, conseguindo aliviar o número de casos e principalmente a ocupação de leitos de UTI.

Porém, o que chamou atenção no mês de maio foi a desaceleração do ritmo de vacinação. Depois de administrar em média 815 mil doses de vacina por dia no mês de abril, maio foi marcado por uma diminuição nesse número, chegando a apenas 678 mil doses da vacina, uma diminuição de 16,8% na aplicação de doses diárias.

Essa queda ocorreu exclusivamente na aplicação das segundas doses, que passou de 10,6 milhões em abril para 6,6 milhões em maio — mês em que o Instituto Butantan e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) paralisaram suas linhas de produção temporariamente por falta de insumos, respectivamente, das vacinas Coronavac e Oxford/AstraZeneca.

Até o momento, o Brasil vacinou 21,5% da população com uma dose contra a covid-19, mas menos da metade (10,5%) com as duas doses, segundo dados do Ministério da Saúde. O ritmo lento da campanha de imunização, advém da falta de insumos.

O maior problema no atraso da segunda dose diz respeito à Coronavac, devido a uma escassez de doses no país em decorrência da falta do insumo farmacêutico ativo (IFA) enviado pela China ao Butantan. 

Apesar desse ruído a respeito das vacinas, as perspectivas são positivas para a desaceleração da pandemia. Para o mês de junho, o ministério tem a expectativa de entregar aos estados 41,9 milhões de doses, sendo 5 milhões de doses da Coronavac; 20,9 milhões de doses da vacina da AstraZeneca; 12 milhões de doses da vacina da Pfizer; e 4 milhões de vacinas a ser recebidas por meio do programa global Covax. Quando todas essas doses tiverem sido aplicadas, será possível começar a acontecer a chamada imunização de rebanho, dando possibilidade da maior retomada da atividade econômica. 

MP da Eletrobrás

A medida provisória da Eletrobrás (ELET3) foi aprovada no dia 20 de maio na Câmara dos Deputados, essa medida busca a privatização  da companhia em linha com a agenda de privatizações do atual governo. Porém, caso seja aprovada no Senado, ainda não será uma companhia totalmente privada.

Como mencionado anteriormente, caso a MP passe pelo Senado, será necessário fazer uma cisão da empresa para então a venda de controle, semelhante com a BR Distribuidora. Isso advém da companhia possuir ativos que não podem ser privatizados por questões constitucionais, como usinas nucleares e a própria usina de Itaipu, então, seria feito uma cisão da companhia onde nessa NewCo ficariam esses ativos “estratégicos” e na Eletrobrás o restante, podendo assim privatizá-la.

O modelo para privatização será a venda das ações de forma progressiva por parte do governo, o qual deixa de ser automaticamente o principal acionista. Porém, na MP possui um mecanismo de certa forma semelhante ao da privatização da Vale, o qual prevê a criação das chamadas “Golden Shares”, ou seja, o governo irá possuir essas ações e mesmo com a venda da maioria das ações “tradicionais” ele ainda participará de decisões estratégicas da companhia e direito a cadeira no conselho de administração, semelhante a outras companhias privatizadas como Embraer.

 PIB e situação fiscal

Na última Carta de Conjuntura, citamos que a projeção do PIB brasileiro para o final de 2021 era de 3,09%, porém no mês de maio já foi divulgada uma nova projeção de crescimento. No Boletim Macrofiscal, publicado no dia 18, o Ministério da Economia divulgou que esperava uma projeção de crescimento do PIB em 2021 de 3,5%. No dia 31, a previsão ainda aumentou para 3,7%. Isso se deve a uma melhora do resultado econômico do primeiro trimestre de 2021, além de ser esperada uma aceleração no setor de serviços, com a contínua vacinação no país.

Observando a situação fiscal do país, é possível perceber que houve melhoria no resultado primário do país entre as previsões de maio e abril. O relatório extemporâneo citado na última Carta de Conjuntura  indicava que o déficit do governo neste ano passaria de R$ 286 bilhões (3,5% do PIB), e o novo relatório prevê déficit de R$ 187,7 bilhões (2,2% do PIB). Essa melhoria se deve à melhoria na receita, impulsionada pela retomada do crescimento, já que houve um acréscimo de R$ 11,7 bilhões entre os dois relatórios. Porém, a maior parte desse valor, cerca de R$ 10 bilhões, servirá para pagar o programa de manutenção do emprego, o BEm. A previsão total de despesas primárias praticamente não se alterou, ficando em R$ 1,621 trilhão, ante R$ 1,631 bilhão da publicação anterior. Por fim, o teto de gasto para este ano é de R$ 1,485 trilhão e as despesas sujeitas ao teto projetadas estão em R$ 1,490 trilhão.

Desemprego, Copom e inflação

Foi aprovado no dia 26 a MP nº 1021, que reajustou o valor do salário mínimo de 2021 de R$ 1.045 para R$ 1.100. O valor não repõe a inflação, já que o salário deveria ser reajustado para no mínimo R$ 1.102,00 para que isso ocorresse, porém, o aumento torna-se preocupante devido ao cenário de crise no país: com salários mínimos maiores, as empresas estarão mais propensas a demitir seus funcionários. A taxa de desemprego no Brasil atingiu 14,7% no primeiro trimestre deste ano, um novo recorde histórico, sendo o maior nível dos últimos dez anos. O número implica um crescimento de 2,5 pontos percentuais em relação ao mesmo período do ano passado e supera o recorde anterior de 14,6%, registado no período entre julho e setembro de 2020.

Na última Ata do Copom, publicada no dia 11, foi relatada a evolução positiva da atividade econômica brasileira, apesar da incerteza acerca do crescimento da economia ainda permanecer acima do usual. Além disso, foi indicado que a expectativa de inflação para 2021, 2022 e 2023 apuradas pela pesquisa Focus encontra-se em torno de 5,0%, 3,6% e 3,25%, respectivamente, sendo que para este ano encontra-se no topo do intervalo compatível com o cumprimento da meta para a inflação. Assim, definiu-se nessa reunião pela elevação de 0,75% na taxa de juros, elevando a taxa Selic de 2,75% para 3,5%. Dependendo da evolução da atividade econômica, o balanço de riscos, e as projeções e expectativas de inflação, é considerado pelo Copom um ajuste na taxa de juros da mesma magnitude na próxima reunião.

De acordo com o IBGE, a prévia da inflação de maio ficou em 0,44%. O índice ficou abaixo da taxa de abril (0,60%) e acumula alta de 3,27% no ano. Nos últimos 12 meses, a variação está em 7,27%, acima dos 6,17% registrados nos 12 meses anteriores. O maior impacto na prévia da inflação foi o grupo saúde e cuidados pessoais, que subiu 1,23%, influenciado pelo reajuste de 10,08% nos medicamentos. Porém, individualmente, o maior impacto veio da alta na energia elétrica, que subiu 2,31%, dentro do grupo habitação, que teve aumento de 0,79%. O único grupo que teve deflação em maio foi o de transportes (-0,23%), influenciado pela queda de 28,85% nas passagens aéreas. 

Relacionado com o aumento do custo da energia elétrica, está a atual crise hídrica no Brasil: foram registrados no período entre setembro e maio de 2021 os piores níveis de chuvas em 91 anos de histórico no reservatório das hidrelétricas, principal fonte de geração de energia do país. Com a escassez de chuvas, está sendo considerado pelo Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE), liderado pelo Ministério de Minas e Energia, a flexibilização de restrições à operação de algumas hidrelétricas, com o objetivo de permitir maior geração de energia ou mais armazenamento em determinadas regiões. As flexibilizações, no entanto, devem enfrentar resistência tanto da Agência Nacional de Águas (ANA) como do Ibama (e outras organizações) por preocupações ambientais e políticas. No dia 28, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) autorizou a mudança da bandeira amarela para a vermelha, fazendo com que o aumento do custo da produção seja redirecionado às famílias brasileiras, possivelmente agravando a atual crise, aumentando a inflação do grupo para o próximo mês e diminuindo a expectativa de crescimento do PIB.

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Autores: Artur Roman, Carolina Melo, Ricardo Pering, Vinícius Cadorin

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Carta de conjuntura Macro – abril

Carta de conjuntura Macro – abril

Overview Internacional

Criptomoedas

O boom das NFTs (non fungible token) que aconteceu mês passado, fez com que investidores ao menos lessem a respeito desses tipos de ativos, onde a liquidez do mercado secundário cresceu vertiginosamente assim como o preço das artes digitais, até os principais veículos de mídia internacional e nacionais divulgaram matérias a respeito desses ativos digitais, porém passado um mês, será que o hype e os preços desses ativos continuaram crescendo de forma exponencial?  

Como comentado na Carta de conjuntura Macro – março, o mercado de NFTs, com foco em artes digitais, músicas e vídeos se mostra um mercado muito imaturo, alguns dos motivos são: possibilidade de alteração da arte mesmo após a venda, tokenizar a mesma arte diversas vezes e as vender como únicas, incerteza com relação a percepção de valor futura, liquidez futura do mercado entre outros.

Com todas as incertezas sondando e o hype diminuindo, no mês de abril às NFTs diminuíram substancialmente seu tamanho de mercado, onde o número de vendas caiu, tanto primárias quanto secundárias, assim como a receita gerada (vendas primárias) e volume de mercado (vendas secundárias). Além do volume de negociações cair em mais de 80%, o preço dos ativos também diminuiu de forma substancial, o custo médio de uma NFT no mercado primário caiu mais de 70% e o custo médio do mercado secundário pouco mais de 50%. 

Mesmo com esses valores exorbitante de quedas, ainda se especula muito se essas são apenas temporárias ou pertinentes, o fato é que o ecossistema das criptomoedas têm muito a ser desenvolvido, além da curva de adoção ainda está em lento crescimento, com mais pessoas entrando no ecossistema de criptomoedas é possível que esse mercado volte a se desenvolver de forma sustentável. Por fim, deixo aqui a foto de uma NFT, chamada de C#2066 que foi vendida por US$ 1.459.440,00, um valor absurdo para uma imagem pixelada, que seu principal driver de valor pode ser atribuído a escassez do ativo.

FOMC

Na última semana de Abril, Jerome Powell realizou o pronunciamento sobre a decisão do FOMC, o qual manteve a taxa de juros próximas a 0% a.a. Durante a coletiva realizada, o presidente do FED comentou sobre o intuito de manter este valor baixo em razão dos dados econômicos ainda não estarem no nível pré-pandemia, mesmo com a rápida recuperação nos últimos meses.

Esta ascensão é vista nos setores americanos como: de bens, construção civil e de serviços. Estes tiveram um grande avanço em março, porém, segundo o discurso, ainda permanecem fracos. Apesar do rápido crescimento econômico, até mesmo maior do que o esperado, por enquanto a recuperação não encontra-se completa. 

Em relação ao mercado de trabalho – dado muito relevante para as decisões do FED – é possível observar uma ótima progressão em comparação ao mês anterior. Entretanto, devido a diferença de 3 milhões de empregados no momento antes e depois da pandemia, ainda existe espaço para um crescimento no mercado de trabalho. Já a taxa de desemprego nos EUA atua de forma diferente para as diversas classes sociais e econômicas do país, sendo os de classes mais baixas com dificuldades de recolocação no mercado de trabalho, dificuldade enfrentada principalmente pelos afro americanos.

Quanto à taxa de inflação, o ponto de maior preocupação entre os investidores, Powell enfatizou o intuito de que este valor deva estar próximo da meta de 2% ao ano no longo prazo. Assim, mesmo que a inflação atinja um patamar maior, como 3%  ao ano, espera-se que seja por um momento transitório devido a reabertura econômica e o choque de demanda e oferta. Porém, no longo prazo este valor tende a permanecer constante e próximo da meta.

Diante disso, a projeção para a taxa de juros americana, segundo o FED, para os próximos meses, será de estabilidade no patamar de zero por cento, ao menos que a inflação ao longo do tempo esteja muito acima da meta por um período suficientemente constante.

Se para Jerome Powell e o restante da diretoria a perspectiva de inflação não é um fator preocupante, para alguns analistas é algo a se atentar diante da alta nos preços das commodities. A liquidez nos mercados e a demanda da China por infraestrutura, faz com que alguns bens importantes para a indústria tenham um aumento significativo, liderado principalmente pelo cobre, o qual teve uma alta representativa em abril e dobrando praticamente o preço se comparado com a mínima em 2020. 

Outros produtos que tiveram uma alta expressiva no período de abril foram a soja e o milho, ingredientes importantes para a pecuária. Isso faz com que o preço da carne acabe subindo também e interfira no preço da cesta básica da população. Além disso, o trigo atingiu seu valor mais alto desde o ano de 2014, tendo como consequências o aumento no valor para os produtos derivados. 

Diante das altas das diversas commodities, cada vez é maior as pressões inflacionárias nos produtos tanto na cesta de alimentos como também de produtos indiretos que dependem de minérios como o cobre e o ferro.

Além desta liquidez no mercado afetar os preços das commodities, influencia também os mercados globais com maiores crescimentos na maioria das bolsas em 2021. Ao analisar as principais bolsas, vemos um forte aumento nos índices principalmente na bolsa americana, S & P500, o qual teve um crescimento de aproximadamente 13% entre janeiro e abril deste ano. Outras bolsas, como a de Frankfurt e do Reino Unido, tiveram altas de 10,27% e 5,41% no mesmo período, muito por causa da volta da retomada econômica e o aumento no ritmo de vacinação. Já por aqui, a bolsa brasileira ainda segue em queda se comparado com o início de 2021, muito diferente dos outros índices ao redor do mundo.

 

American Families Plan

O presidente norte-americano, Joe Biden, propôs um pacote de auxílio voltado às famílias, estudantes e crianças no valor de US$ 1,8 trilhões (aproximadamente R$ 9,8 trilhões), com o principal objetivo de expandir o acesso à educação, saúde e cuidados infantis . Esse valor será composto em dois blocos, US$ 1 trilhão em investimentos e US$ 800 bilhões em créditos fiscais, concedidos no decorrer de uma década. Segundo comunicado da Casa Branca, esse valor será totalmente compensado dentro de 15 anos via aumento de impostos para os mais ricos. A divisão do pacote irá ocorrer da seguinte forma:

  • Cerca de US$ 225 bi serão direcionados para creches, garantindo que as famílias paguem menos por esse serviço;

  • US$ 225 bi para criação de um programa de abrangência nacional de licença, familiar e médica, remunerada;

  • Outros US$ 200 bi serão utilizados, em parceria com os estados, para a promoção de pré-escola gratuita para crianças de 3 e 4 anos de idade;

  • Serão garantidos dois anos gratuitos em faculdades comunitárias para todos os estudantes, totalizando US$ 109 bi;

  • Cerca de US$ 85 bi serão destinados aos estudantes de baixa renda;

  • Um total de US$ 65 bi serão utilizados para aumentar a retenção dos estudantes nos cursos superiores;

  • US$ 39 bi serão utilizados para subsidiar dois anos de mensalidades de estudantes de baixa renda em universidades e faculdades;

  • Outros US$ 45 bi serão utilizados para complementar as necessidades nutricionais de crianças de famílias de baixa renda. Compra de alimentos fora do período escolar;

  • US$ 200 bi serão utilizados para estender o programa de subsídios aos planos e seguros de saúde sancionados pela “Lei de Cuidados Acessíveis”;

  • Entre outras iniciativas voltadas ao subsídio de seguros de saúde, expansão do crédito tributário infantil e crédito fiscal concedido a alguns grupos de trabalhadores.

Como dito anteriormente, o programa será financiado principalmente pelo aumento da alíquota de impostos sobre o ganho de capital (igual ou superior a US$ 1 mi) dos mais ricos e investidores. Revertendo a lei de corte de impostos aprovada no primeiro ano da administração do ex-presidente Donald Trump. A carga tributária irá aumentar para 39,6%, podendo ultrapassar 43%, levando em conta alguns impostos estaduais. Essa elevação representaria uma arrecadação de US$ 1,5 trilhões em dez anos. 

Haveria também, o estabelecimento de um imposto único no valor de 3,8% para todos aqueles com renda anual superior a US$ 400 mil, entretanto, para aqueles com renda inferior não haverá mudanças na carga tributária, segundo pronunciamento da Casa Branca.

O governo Biden apresentou também um pacote de cerca de US$ 8 bi em melhorias no sistema de transmissão de energia elétrica, conectando pontos remotos de geração de energia eólica e solar com os grandes centros urbanos. O objetivo desse pacote é financiar novas linhas de alta voltagem, assim como, promover a utilização de energia limpa expandindo a infraestrutura necessária e combatendo a mudança climática.


Pandemia e Vacinação

No mês de abril o percentual de pessoas completamente vacinadas em âmbito nacional alcançou cerca de 4,5% do total da população, ou seja, 9,6 milhões. Estima-se que pelo menos 26,2 milhões de pessoas receberam a primeira dose das vacinas, tanto da marca Corona Vac como da Oxford/AstraZeneca. Esse número corresponde a pouco mais de 12% da população brasileira.

Vale destacar o aumento do ritmo diário de vacinação do mês de abril. A soma de aplicação de primeiras e segundas doses alcançou uma média diária de 780 mil. Entretanto, no dia 8 ocorreu o maior número de óbitos em 24 horas desde o início da pandemia, totalizando 4.148 mortes (dados UFV). 

No dia 29 de abril o Brasil atingiu o montante de 400 mil mortes em decorrência do coronavírus. Apesar do aumento no número de vacinações e adoção de lockdown em diversas cidades, o ritmo de morte pela doença quadruplicou no período que compreende o mês de março e final de abril. 

Os primeiros 100 mil óbitos ocorreram em 149 dias. Dos 100 aos 200 mil óbitos em 152 dias, já dos 200 aos 300 mil óbitos apenas em 76 dias. Vale destacar a alta taxa de internação de jovens no mês de abril.

Mesmo assim, quem assumiu o posto de epicentro da epidemia de coronavírus foi a Índia. No dia 31 de março o país havia registrado 72 mil casos novos, já no dia 30 de abril o registro de novos casos em apenas 24 horas foi de 402 mil, com uma média de 364 mil casos diários nos últimos 7 dias do mês. Essa elevação expressiva de infecções e óbitos levou o país a um colapso no sistema de saúde e no sistema funerário. A explosão de uma nova onda de coronavírus deve-se à liberação por parte do governo de eventos religiosos e comícios eleitorais.

Nos Estados Unidos o total de pessoas vacinadas já corresponde a 32,3% da população, cerca de 106 milhões de habitantes. O maior destaque deve-se ao avanço da vacinação por faixa etária. Em muitos estados (34 dos 50), como New York, jovens entre 16 e 29 anos estão sendo vacinados desde o dia 6 de abril. Os adolescentes de 16 e 17 anos receberão apenas doses da Pfizer-BioNTech, a única autorizada pelo país para essa faixa etária.

O país é o que mais aplicou vacinas no mundo, sendo responsável por um quarto de todas as vacinas aplicadas até o momento. Segundo estimativas das instituições de saúde americana, será possível atingir a imunização de 75% da população dentro de três meses, caso o ritmo seja mantido.


Overview Nacional

CPI da Covid e Orçamento de 2021

No último dia 27 ocorreu a primeira reunião da CPI da Covid, instaurada para apurar irregularidades por parte do Governo Federal no enfrentamento da pandemia da Covid-19. São alvos de investigação às 11 recusas de oferta para compras de vacina, a ausência de incentivo à adoção de medidas preventivas (como uso de máscara e distanciamento/isolamento social), bem como a compra e divulgação de tratamentos sem eficácia cientificamente comprovada (como a cloroquina), e que, dentre outras, totalizam 23 acusações de negligência. Entre os diversos convocados previstos para depor, estão os três ex-ministros da Saúde – Pazuello, Mandetta e Nelson Teich – e o atual, Marcelo Queiroga, além do diretor-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Antônio Barra Torres. A CPI tem duração prevista de 90 dias, podendo ser estendida até um ano, o que impacta negativamente na percepção do investidor em relação ao Brasil e aumenta o risco político do país. 

Apesar de a CPI da Covid possibilitar a responsabilização do presidente Jair Bolsonaro pela negligência no enfrentamento à pandemia, a previsão é a de que as investigações e averiguações se estendam até datas próximas do início do ano eleitoral, o que não fortaleceria um possível processo de impeachment, apesar de impactar em sua reeleição.

Outro fator de incerteza no mês de abril foi a aprovação do Orçamento de 2021 pelo atual presidente Jair Bolsonaro. Sancionado no último dia 22, após o maior atraso em 15 anos, necessitou de vetos no texto inicial para que se encaixasse no teto de gastos – limite que impede o governo de elevar as despesas acima da inflação do ano anterior.

O texto subestimou o montante necessário para pagamento de despesas obrigatórias (como gastos com benefícios previdenciários e seguro desemprego) e inflou despesas com emendas parlamentares (direcionadas por deputados e senadores para obras e ações em suas regiões), sendo alvo de críticas por economistas, por forçar a administração pública a operar com déficit de recursos. 

Também chama a atenção no Orçamento de 2021 a verba direcionada para realização do Censo, que deveria ocorrer este ano. Como principal pesquisa demográfica do país, o Censo traz dados essenciais para implementação e desenvolvimento de políticas públicas, contemplando saúde, educação, emprego, renda, e acesso a saneamento, entre outros. Sem essas informações, as ações governamentais no cenário pós pandemia serão impactadas, mas mesmo assim foi destinado somente 5% do valor solicitado, inviabilizando a pesquisa.

Outro problema do Orçamento foi em relação ao Plano Safra 2021/22, programa que movimenta centenas de bilhões de reais em empréstimos ao setor agrícola. Como a maior parte das verbas previstas para o programa é proveniente de obrigações já assumidas pela União, cortes que gerem déficits em operações já contratadas podem ser interpretados como empréstimos dos bancos públicos à União, algo proibido pela Lei de Responsabilidade Fiscal. A necessidade de “criar espaço” para estes gastos fez com que o Orçamento de 2021 se utilizasse de “contabilidade criativa”: com a sanção de uma nova lei no último dia 20, a Lei de Diretrizes Orçamentárias foi alterada e agora permite a alocação de mais de R$ 100 bilhões de reais em despesas fora da meta fiscal.

Fora do teto foram alocadas despesas que visam custear medidas de enfrentamento à pandemia, sendo:

  • R$ 20 bilhões para compra de vacinas e enfrentamento da Covid-19;

  • R$ 10 bilhões para renovação do Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda (BEm);

  • R$ 5 bilhões para o Pronampe, programa que fornece linha de crédito para pequenas e médias empresas afetadas pela pandemia;

  • R$ 44 bilhões do auxílio emergencial e outras despesas da área da saúde já definidas fora do teto de gastos em 2020 (que serão efetivadas em 2021).

A alteração na lei e a remoção destes gastos do teto foram a fórmula legal encontrada pelo Governo para que o presidente Jair Bolsonaro não corra riscos de cometer um crime de responsabilidade fiscal. Apesar de a situação ser quase idêntica à que a ex-presidente Dilma Rousseff enfrentou em 2015, e que culminou com o seu impeachment.

As mudanças no Orçamento de 2021 impactam negativamente na situação fiscal do país, e, além de fortalecer a incerteza e o pessimismo por parte do mercado, reafirmam a existência de um problema crônico. Após as alterações, o Ministério da Economia elevou a previsão do déficit primário para R$ 286 bilhões neste ano, extrapolando a meta em quase R$39 bilhões. A nova previsão equivale a cerca de 3,85% do PIB do país, sendo este o oitavo ano consecutivo com resultados negativos.

Uma notícia positiva em abril foi a publicação pelo Banco Central da primeira projeção de crescimento para o PIB em 2021, após sete quedas consecutivas, prevendo encerramento em 3,09% para este ano. Isso mostra que, apesar de ser o mês mais letal da pandemia até o momento, houve uma significativa recuperação da atividade econômica em relação aos últimos meses.


Decisão do COPOM e Taxa de juros

Em março, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acumulou alta de 6,1 % em doze meses. A inflação ao consumidor, medida pelo IPCA, acelerou de 0,86% em fevereiro para 0,93% em março, acumulando alta de 6,1% em 12 meses, acima dos 5,2% observados nos doze meses imediatamente anteriores, extrapolando também o limite máximo da meta para a inflação que é definida pelo CMN em 3,75% com intervalo de tolerância de 1,5%.

A expectativa para o IPCA em 2021, segundo a pesquisa Focus, está próxima do limite superior da meta. A expectativa do mercado para o IPCA de 2021 está em 4,92%, próxima do limite superior do intervalo de tolerância do ano (5,25%), enquanto a mediana para 2022, atualmente em 3,60%, tem subido lentamente apesar de continuar ancorada ao redor do centro da meta de 3,50%. Podemos observar alguns motivos para a inflação elevada, tanto a atual quanto a expectativa para o final do ano, alguns dos principais fatores são: (1) estímulos fiscais elevados, (2) forte valorização  das commodities, (3) depreciação cambial e (4) níveis das taxas de juros que representam um grau de estímulo monetário extraordinário. 

Para ancorar as expectativas inflacionárias e aproximá-las ao centro da meta, na reunião de março do Copom, foi decidido a elevação em 75 pontos bases para a taxa básica de juros, apontando uma elevação de mesma magnitude para a reunião do dia 5 de maio.

O Copom deve manter o aumento apontado em março, dada a necessidade do aperto monetário para ancorar as expectativas inflacionárias e refletir de forma mais fidedigna a presença de um quadro de incertezas no cenário doméstico, notadamente quanto à fragilidade das contas públicas, a deterioração do cenário político e diminuição da probabilidade de passar reformas estruturantes e privatizações.

Podemos ver a partir da curva de juros brasileira que se mantém elevado o prêmio de risco no horizonte mais longo da curva. Entre janeiro e meados de abril a curva de juros deslocou-se para cima em cerca de 2,0 p.p., mostrando assim, uma elevação na balança de riscos e o mercado precificando esse maior risco na negociação dos títulos públicos no mercado secundário.

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Autores: Artur Roman, Carolina Melo, Ricardo Pering, Vinícius Cadorin

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Carta de conjuntura Macro – março

Carta de conjuntura Macro – março

Overview Internacional

No início do mês de março, foi difícil não ouvir falar da sigla NFT (non fungible token), após a venda histórica da obra de arte “Everydays: The First 5000 Days”, do artista digital Beeple, pelo valor total de US$ 69 milhões e que a tornou uma das mais valiosas obras de arte já leiloadas. 

Os NFTs são registros baseados no blockchain Ethereum que representam objetos físicos ou pedaços de mídia digital (sejam textos, vídeos, imagens, áudios, etc.). Sua principal característica é a não fungibilidade, que faz com que o NFT funcione como um certificado de unicidade, estando protegido de duplicações. Além disso, são indivisíveis, indestrutíveis, irrepetíveis, verificáveis e programáveis. No entanto, na prática, a representação adquirida pode ser alterada mesmo após a venda, trazendo incerteza ao valor final.

O mercado das NFTs, que movimentava dezenas de milhões de dólares anualmente, cresceu para mais de US$ 300 milhões apenas no mês de Fevereiro de 2021. A alta liquidez, as redes sociais e o fenômeno FoMO (fear of missing out) podem estar relacionados com este boom. Assim como aconteceu com a Bitcoin, existem diversas expectativas para as NFTs, porém é difícil prever como será a demanda no futuro.

Fazendo agora um overview do cenário internacional, no mês de março ocorreu a destituição do chefe do Banco Central da Turquia, Naci Agbal, pelo Presidente do país, Recep Tayyip Erdogan. 

Naci ocupava o cargo somente desde novembro de 2020, e a decisão de sua destituição foi tomada após o BC definir o aumento da taxa de juros de 17% para 19% ao ano, como parte de uma estratégia para conter a alta taxa de inflação, que atingiu 15,61% no mês de fevereiro. Desde o início de sua gestão, ele deu continuidade a aumentos consecutivos na taxa de juros, que se encontrava à 10,25%.

Apesar de a medida ter sido bem recepcionada pelo mercado, e a lira turca ter tido valorização de 15% frente ao dólar desde a entrada de Naci no cargo, o Presidente Erdogan se opôs à medida, por acreditar que as altas taxas de juros não estavam surtindo o efeito desejado, já que a inflação se mantinha crescente e muito acima da meta oficial de 5%.

Seu sucessor será Sahap Kavcioglu, o quarto Presidente do Banco Central Turco desde 2019, e já anunciou que não haverá cortes prematuros na taxa de juros. Para ler mais sobre a importância da autonomia nos Bancos Centrais, acesse o artigo do Clube de Finanças.

Outro país importante a ser mencionado é a Argentina, que enfrenta altíssima inflação, tendo fechado sua taxa de inflação no mês de fevereiro em 40,70%.

Em março de 2020, em meio ao início da pandemia da Covid-19, o atual Presidente Alberto Fernandez se utilizou do programa já existente “Precios Cuidados” para instituir o plano “Precios Maximos”. O primeiro foi criado em 2013, durante o mandato da ex-Presidente Cristina Kirchner, como forma de garantir preços acessíveis e disponibilidade para uma listagem de produtos de primeira necessidade. Tratava-se de um programa voluntário, com preços definidos a partir de negociações entre o governo e as fabricantes. Já o novo programa congelou os preços de mais de 2.300 itens considerados de primeira necessidade e a participação por parte das empresas está sendo obrigatória, além de terem sido realizados somente dois reajustes abaixo da inflação, em julho e outubro de 2020.

A mudança conseguiu disfarçar a inflação do ano de 2020, já que o Indec (Instituto Nacional de Estatística e Censos da Argentina) utiliza os preços mais baixos dos produtos para cálculo do índice. Porém, a arbitrariedade do “Precios Maximos” e as consequências negativas para as indústrias envolvidas, fez com que o governo fosse pressionado a retirar produtos da lista do programa a partir de 2021. Isso explicaria os novos aumentos no índice de inflação do país, que tende a continuar crescente conforme o plano vá perdendo força.

Ainda em relação ao cenário global, vale destacar os acontecimentos ocorridos nos EUA por conta de sua alta expansão de liquidez.

Como era de se esperar, a agenda do mais novo presidente americano, Joe Biden, é mais desenvolvimentista e de forte atuação do Estado acerca da economia americana, o que já ficava claro durante seus pronunciamentos na corrida presidencial, e se confirmou com a nomeação de Janet Yellen para a Secretaria do Tesouro americano.

Em linha com seu posicionamento, no começo de março deste ano foi aprovado um pacote de estímulos fiscais para o combate à crise econômica gerada pela pandemia da Covid-19. Havia quase um consenso da necessidade do estímulo para a economia americana, mas o que surpreendeu foi o tamanho do estímulo fiscal, já que foi aprovado em US$1.9 trilhões. Se compararmos com o PIB brasileiro de 2020, usando a cotação média de 2020, o PIB foi de US$1.4 trilhões, ou seja, cerca de 135% do PIB brasileiro foram aprovados em estímulos fiscais. Para entender onde estes estímulos serão dados e qual magnitude para cada setor, ler a matéria do NY Times.

Os atuais estímulos fiscais, alinhados com os estímulos monetários, proporcionam uma injeção de liquidez jamais vista.  Na crise de 2008, que até então fora o momento de maior expansão de liquidez, a maioria dos estímulos foi de natureza monetária, para manter o mercado financeiro funcional e reestruturar o balanço dos bancos americanos, que estavam muito fragilizados por conta da crise do Subprime. Isso fez com que a expansão da base monetária americana (M0) não afetasse outros agregados monetários (M2), como podemos ver a seguir:

 




                                      (Fonte: FRED Louisiana)

 Esse é talvez o principal motivo das rodadas trilionárias de Quantitative Easing de 2008 não terem efeitos inflacionários, pois toda a expansão da base monetária acabou por não fluir para a economia real, o dinheiro não foi parar na mão das famílias. Porém, desta vez é diferente, pois as rodadas de Quantitative Easing não ficaram “represadas” em balanços, dos bancos, pois os mesmos estavam com balanços sólidos. Em vez disso, o QE aumentou substancialmente a liquidez do mercado, alinhado com estímulos fiscais jamais vistos anteriormente, isso se reflete na base monetária (M0) e agora em outros agregados monetários, como podemos ver abaixo. 


                                                 (Fonte: FRED Louisiana)

E podemos ver que a MP3 (política fiscal agressiva + políticas monetárias não convencionais) vem surtindo efeitos. O primeiro a ser observado é a retomada da atividade econômica, que vem se recuperando trimestre a trimestre por quase todo o globo (muito por conta dos estímulos fiscais e monetários). Porém, a retomada da plena capacidade de funcionamento das atividades e da cadeia de suprimentos global ainda não ocorreu (por conta da pandemia), ocasionando uma elevação abrupta nos preços das commodities, podendo ser verificado no gráfico abaixo, que contém um índice composto por todas as commodities negociadas em bolsa de valores.



                                 (Fonte: Fred Louisiana)

Com todos esses estímulos fiscais e monetários, é de se esperar que o dólar Americano se desvalorize, o que já vem acontecendo. Porém, com uma desvalorização do dólar, commodities se apreciando fortemente, juros nas mínimas históricas e como já comentado, política fiscal e monetária extremamente agressiva, torna um ambiente muito propício para a retomada da inflação nos EUA. O gráfico abaixo traz a desvalorização da moeda americana, frente a uma cesta de moedas de países desenvolvidos, junto com a inflação implícita dos títulos de 5 anos do governo americano, medida que busca uma estimativa da inflação anual para um dado período de tempo no futuro. Vale ressaltar que os atuais patamares não são negociados desde Junho de 2008, período pré crise financeira global.




                                 (
Fonte: Louisiana FRED)

Assim, podemos observar que o mercado já vem precificando essa inflação maior no futuro, tendo um aumento significativo nos juros dos Treasuries de 10 anos do governo americano. Esses aumentos dos juros nominais, acabam por consequência aumentando os juros reais, que impactam negativamente os ativos de custo de oportunidade. Esses ativos são aqueles que não possuem fluxo de caixa, fazendo com que seu retorno esperado seja 0, assim, eles ficam suscetíveis ao custo de oportunidade, que aumenta à medida que os juros reais sobem. Por isso o aumento dos juros acaba impactando negativamente o ouro, como podemos ver abaixo:



                                   (Fonte: Louisiana FRED)


O Federal Open Market Committee (FOMC), assim como o Copom e outros órgãos similares presentes em outros países, decide sobre aumentos ou diminuições na taxa de juros para manter a taxa da inflação estável e previsível, de forma que haja convergência com a meta estipulada pelo FED.

Com a crise global causada pela pandemia da COVID-19, é de se esperar que nos Estados Unidos, assim como está acontecendo em outros países, a inflação tenha perspectivas de aumento. Portanto, o FOMC decidiu em sua segunda reunião de 2021 pela manutenção da taxa básica de juros entre 0% e 0,25%, mantendo-a baixa e controlada. Também foi mantido o programa de recompra de títulos públicos e privados, sendo US$80 bilhões em títulos do Tesouro e US$40 bilhões em títulos lastreados em hipotecas. O FOMC espera que com estas decisões o nível de inflação e o desemprego se enquadrem nas metas estipuladas para o ano.


A pandemia da COVID-19

A pandemia da Covid-19 completou um ano no dia 11 de março, porém, ainda parece estar longe de acabar. A marca de 2,83 milhões de mortos ao redor do globo continua crescendo, enquanto muitos países enfrentam a terceira e quarta onda de contágio. Este cenário só poderá ser revertido com a vacinação em massa da população e o isolamento.

Em relação à vacinação, é possível ver que alguns países se destacam. Estados Unidos, China e Índia lideram em números de vacinas aplicadas, com 150 milhões, 119 milhões e 65 milhões respectivamente. Enquanto isso, Israel e Chile se destacam em número de vacinas aplicadas relativo à sua população, com 115% e 54%. No caso de Israel, o número significa que a vacinação se encontra já nas segundas doses.

Por outro lado, no Brasil, o mês de março foi marcado por novos recordes de mortes diárias e vacinação a passos lentos. A liderança no número médio de infecções diárias torna o país responsável por uma a cada oito infecções registradas em todo o mundo. Somente duas das quatro vacinas aprovadas pela Anvisa já foram importadas e estão sendo aplicadas na população, sendo elas a Oxford-AstraZeneca, adquiridas pela Fiocruz, e a Coronavac, do Instituto Butantan. Estoques das outras duas, BNT162 (da Pfizer/BioNTech) e Janssen (controlada pela Johnson & Johnson), ainda não chegaram ao país devido à demora na negociação com o governo, problemas de produção e atrasos nos envios.

Em contraste com o restante da situação do país, foram anunciadas duas vacinas brasileiras que podem já estar disponíveis a partir do segundo semestre. São elas a Versamune®-CoV-2FC, imunizante desenvolvido por pesquisadores da FMRP-USP, em parceria com a Farmacore Biotecnologia e a PDS Biotechnology, e a Butanvac, produzida pelo Instituto Butantan, em parceria com o Instituto Mount Sinai e a Universidade do Texas.


Cenário Fiscal.


A situação fiscal do governo brasileiro está bem delicada, devido aos enormes gastos para conter uma recessão econômica em virtude da pandemia, além de um mau gerenciamento dos gastos públicos há um bom tempo. Não é de hoje que vivemos uma diminuição dos recursos dos cofres públicos, desde 2014 o país sofre com consecutivos déficits e que vieram a estourar em 2020 com um grave aumento da dívida pública.


                              (Fonte: Tesouro Nacional)


No gráfico acima, conseguimos perceber o rombo no ano de 2020 durante os meses de abril a setembro, o que mostra uma preocupação ainda maior com a questão fiscal. Em junho do ano passado, tivemos somente neste mês um Déficit Primário de aproximadamente R$ 195 bilhões, representando mais do que duas vezes o Déficit do ano de 2019, ocorrido principalmente por uma queda expressiva da receita em aproximadamente 28% e aumento da despesa em 149% principalmente pelo auxílio emergencial, conforme visto nos dados abaixo.


 

                                      (Fonte: Tesouro Nacional)


Já em relação ao último dado público divulgado pelo Tesouro Nacional, fevereiro de 2021, mesmo com um bom aumento da receita não foi o suficiente para terminarmos o mês superavitário, tendo novamente mais um déficit. Isto mostra como as reformas não estão indo de acordo com a velocidade esperada para ter um melhor gerenciamento dos gastos do governo além de uma projeção baixa para o crescimento do PIB para 2021 em torno dos 3%, sendo que tivemos uma queda de 4,1% em relação a 2020. Logo, os déficits cada vez mais comuns fazem com que a dívida pública aumente para o patamar de 89% do PIB, não tendo uma perspectiva de queda já que existe uma projeção do aumento da taxa Selic, dificuldade no andamento das reformas e aumento de casos devido à pandemia. 


PEC Emergencial e MP 1034/2021


Para conter os gastos públicos e realizar a proposta de um novo auxílio emergencial para 2021, houve uma maior discussão da PEC Emergencial, criada pela equipe econômica em 2019. O assunto em si teve uma maior agilidade pois era necessário fazer ajustes dentro da Constituição para realizar este incentivo a economia e não ultrapassar o teto de gastos, o que poderia servir como crime de responsabilidade fiscal ao governo, podendo levar até o impeachment do Presidente. 

A emenda criada primeiramente possuía pontos importantes para enxugar a máquina pública, porém o texto aprovado no Congresso acabou tendo diversos trechos retirados os quais muitos enxergavam como essenciais. Os principais pontos não aprovados foram  a redução da jornada e salário de servidores, proibição de progressões e promoções na carreira de servidores além da vedação para salário e contratação de servidores ser realizado somente quando a despesa obrigatória ultrapassar 95% da despesa primária. Um dos pontos que permaneceram inalterados foi a não ampliação e a concessão de novos benefícios tributários e também a redução gradual destes valores. 

Com isso, vale ressaltar que a PEC emergencial não irá compensar os R$ 44 bilhões gastos no auxílio emergencial e só gerarão benefícios fiscais no médio prazo para o país. Além disso, uma parte dos gastos com o bolsa família estará junto neste valor de estímulo econômico, o que gerará uma certa folga no teto de gastos.


Outro assunto debatido e também aprovado no último mês foi a MP 1034/2021. Esta medida teve como resultado o aumento do CSLL para bancos e cooperativas de crédito o qual teve o intuito de manter a arrecadação, já que o governo diminui a alíquota de ICMS para combustíveis com o intuito de frear este aumento dos preços.


Câmbio

A taxa de câmbio continua muito depreciada, devido principalmente ao risco fiscal do país, além da demora na aprovação das reformas, como esperado pelo mercado. A média para o mês de março foi de R$5,66/US$ e a comparação com o mesmo período de 2020 demonstra uma depreciação de 20,40%. Apesar das medidas de expansão monetária promovidas pelo FED e um mercado com alta liquidez que tende a estimular a saída de capital dos Estados Unidos e a entrada em outras localidades, não está sendo refletida na cotação do real que continua sendo bastante afetada.

O estudo de autoria de Lívio Ribeiro, publicado pelo IBRE – FGV, demonstra que a depreciação do real, embora acompanhe os fundamentos globais, está diretamente ligada aos fatores internos.

Esses fatores são: risco fiscal da dívida, que aumentou com os gastos relacionados a pandemia, o que traz incertezas quanto à capacidade do Governo em honrar os pagamentos no longo prazo; demora na aprovação de reformas estruturantes da economia; cenário político conturbado; e a diferença entre os juros brasileiros em relação a outros países emergentes.

No cenário político de março é possível destacar a interferência do presidente Bolsonaro na presidência da Petrobrás, assim como, a suspensão das condenações do ex-presidente Lula o que favoreceu a saída de capital estrangeiro do país. Outros fatores como o recrudescimento da pandemia, retorno de medidas restritivas e as incertezas quanto à retomada da atividade econômica também contribuíram com a depreciação cambial.

Risco Jurídico

Como dito anteriormente, a anulação das condenações da Operação Lava-Jato sobre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva decretada pelo ministro do STF, Edson Fachin, tornou o ex-presidente elegível para concorrer às eleições presidenciais de 2022, fato que trouxe maiores incertezas sobre a evolução da economia brasileira nos próximos anos, ligadas principalmente às possíveis intervenções do Poder Judiciário, aumentando o grau de instabilidade jurídica no país. Além disso, ocorreu a suspeição do ex-ministro Sérgio Moro. Com o voto de Cármen Lúcia, a 2° Turma do STF o declarou suspeito e parcial nos casos envolvendo o ex-presidente.

Nesse mesmo dia o dólar chegou ao valor de R$5,77. Já o índice Bovespa fechou em queda de quase 4%. Esses acontecimentos levaram o Banco Central do Brasil a tomar algumas atitudes.

Intervenção do BC na taxa de câmbio

Com todos esses fatores adversos ao câmbio, o BCB precisou ser atuante no mês de março, onde alternou entre ofertas de swap cambial tradicional e reverso, assim como, a venda de dólar à vista. No dia 11, por exemplo, foi efetuado um leilão de swaps cambiais no valor de US$1 bilhão. Evento que foi precedido por outra oferta de US$405 milhões no mercado à vista. Suavizando a oscilação cambial e a depreciação do real.

Elevação do IGP-M

Em relação ao Índice Geral de Preços (IGP-M), que mede o movimento de preços e serve como parâmetro para reajuste dos aluguéis, o mês de março apresentou um aumento de 2,94% – maior desde a criação do real em 1994 – e acumula uma alta de 8,26% no primeiro trimestre deste ano. No consolidado dos últimos 12 meses o aumento é de 31,10%.

Como base de comparação, o aumento para o mês de março de 2020 havia sido de 1,24%, ou seja, menos da metade do observado no mesmo período deste ano. Todos os índices que compõem o IGP-M sofreram aceleração no mês de março, ocasionados pelo aumento nos preços de matérias-primas, que influenciam os preços de bens intermediários e finais. A desvalorização do câmbio, seguido pela expansão do preço das commodities, em especial dos combustíveis, também são fundamentais para explicar a elevação dos preços ao produtor e ao consumidor.

A cesta que compõe o IGP-M compreende o Índice de Preços ao Produtor Amplo (IPA), o maior responsável pelo aumento do índice, já que a sua elevação em março foi de 3,56%. O grupo de Bens Finais aumentou 2,50%, causado principalmente pelo subgrupo de alimentos processados que saiu de -0,86% em fevereiro para 0,72% neste mês. Já o grupo de Bens Intermediários aumentou 6,33%, impactado pelo aumento de 18,33% nos preços de combustíveis e lubrificantes para a produção. No ano de 2020 esse mesmo índice apresentou um aumento acumulado de 31,64%, e neste trimestre já apresenta uma taxa acumulada de 10,57%.

Outro índice que compõe o IGP-M é o Índice Nacional de Custo da Construção (INCC), que teve um aumento de 2,00% no mês de março. O subgrupo que mais afetou esse índice foi o de Materiais e Equipamentos que teve um aumento significativo de 4,44% comparado a 2,39% no mês anterior.

Em relação ao Índice de Preços ao Consumidor (IPC), foi observado um aumento de 0,98%, ante 0,35% em fevereiro. A principal contribuição ocorreu através do subgrupo Transportes com um aumento de 3,97% causado pela grande elevação dos preços da gasolina. Além dos Transportes também foi encontrado aumento nos grupos de Habitação, Saúde e Cuidados Pessoais, assim como Vestuário.

Através do gráfico abaixo é possível perceber o aumento acentuado do índice desde o início de 2020.



                                  (Fonte: IBRE FGV)

IPCA

No dia 25 de março foi divulgado o IPCA-15, considerado uma prévia do IPCA, que é o índice de preços oficial do Brasil. A diferença entre os dois está relacionado com o período de coleta dos dados, sendo o primeiro quinzenal e o segundo mensal.

O IPCA-15 do mês de março registrou um aumento de 0,93% comparado com 0,48% no mês anterior. É o maior resultado para um mês de março desde 2015. Oito dos nove grupos que compõem o índice apresentaram alta. Destaque para os aumentos do Transporte e da Habitação, sendo o do primeiro causado pela elevação de 11,65% nos preços dos combustíveis, em especial a gasolina com elevação de 11,18%. Já o segundo grupo foi impulsionado pela elevação de 4,60% do preço do gás de botijão. O grupo que apresentou desaceleração foi o de Educação.


                                        (Fonte: IBGE)


Em 12 meses o IPCA-15 apresenta alta acumulada de 5,52%. Já a projeção da ANBIMA para o IPCA do mês de março é de aumento de 1,04%, já a projeção Focus é de 0,93%.

O IPCA acumulado dos últimos doze meses é de 5,25%. No mês de fevereiro foi registrado alta de 0,86%, a maior nesse período desde 2016. A causa desse aumento também é proveniente dos preços dos combustíveis, que foi de 7,09%, com destaques para a gasolina, etanol e diesel que aumentaram 7,11%, 8,06% e 5,40%, respectivamente. Os grupos mais impactados foram Transportes e Educação.

A gasolina foi o principal responsável por essa elevação, devido ao reajuste de preços nas refinarias e o consequente repasse aos consumidores finais. Assim como, a depreciação cambial que favorece o aumento dos preços de bens importados em moeda local.


                              (Fonte: Banco Central)


Elevação da taxa básica de juros

Na reunião de 17 de março, o Comitê de Política Monetária – Copom decidiu por aumentar a taxa básica de juros em 0.75 ponto percentual atingindo 2,75% a.a., a primeira alta desde 2015, entendendo que no momento não há necessidade de estímulos monetários especiais. Marcando o início da fase de normalização parcial da taxa de juros que deve seguir nas próximas reuniões com ajustes semelhantes a esse, reduzindo o grau de estímulo à economia imposto pelo início da pandemia de Covid-19.

O ajuste na taxa de juros baseia-se no aumento das projeções de inflação para os próximos anos, que estão próximas do limite superior da meta. Impulsionadas pela demora na retomada da cadeia de produção e aumento dos preços e custos dos produtos em diversos setores. Assim como, desvalorização cambial e inseguranças quanto ao cenário fiscal. Vale ressaltar que a incerteza com a retomada da economia nacional ainda se mantém elevada, já que os dados utilizados para a tomada de decisão não contemplam os efeitos causados pelo recrudescimento da pandemia no primeiro trimestre de 2021.

De acordo com o Copom, o aumento nos casos de Covid-19 e a deterioração da situação fiscal brasileira devido ao prolongamento das políticas fiscais e o atraso da aprovação de reformas estruturantes podem elevar o prêmio de risco do país, assim como, pressionar o balanço de riscos.

Em relação ao resultado do PIB do quarto trimestre de 2020, foi demonstrado uma recuperação da economia brasileira, mesmo com a redução do auxílio emergencial. Os indicadores de inflação permanecem acima do centro da meta, haja visto o acumulado dos 12 meses de 5,20% registrado no mês de fevereiro deste ano. Tanto é que as expectativas de inflação para 2021 estão ao redor de 4,6%, já para 2022 próximo a 3,25%, e para 2023 a expectativa é de 3,25% segundo o Boletim Focus. O aumento da inflação no ano de 2021 foi favorecido pelo aumento dos preços das commodities, em especial os combustíveis.

A elevação da taxa de juros tende a causar queda na inflação, já que diminui a atividade econômica e leva, consequentemente, a uma queda nos preços. Incentiva a entrada de capital estrangeiro devido ao aumento do retorno dos ativos nacionais, e com isso há uma valorização do real frente ao dólar. Porém, o efeito negativo é a desaceleração do crescimento econômico e aumento dos gastos com a dívida pública indexada à Selic. Como pode ser observado no gráfico abaixo, caso a taxa de juros alcance 5,00% a.a. ao final de 2021, o aumento de gastos com a dívida será de R$ 95,4 bilhões.

                                  (Fonte: Tendência consultoria)


No cenário externo destacam-se ainda novos pacotes de estímulos em diversas economias e o avanço dos programas de imunização. O Comitê ainda enxerga duração prolongada dos estímulos monetários e um processo de reprecificação de ativos financeiros.

Portanto, a forte alta na Taxa Selic tem como objetivo principal reduzir a probabilidade de não cumprimento da meta de inflação no curto e no longo prazo. Lembrando que a função fundamental do Banco Central é o de assegurar o poder de compra da moeda, por meio do controle da inflação.

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Autores: Artur Roman, Carolina Melo, Ricardo Pering, Vinícius Cadorin

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A autonomia do Banco Central do Brasil

A autonomia do Banco Central do Brasil

Objetivos, atribuições e estrutura do Banco Central do Brasil 

Entrou em discussão no Brasil a aprovação do projeto de lei PLP 19/2019, que visa dar maior autonomia ao Banco Central do Brasil. Em um cenário de incertezas em muitos aspectos, mais do que nunca faz-se necessário o trabalho conjunto do Conselho Monetário Nacional (CMN), do Banco Central do Brasil (Bacen) e do Comitê de Política Monetária (Copom) no Brasil.

Em nosso Sistema Financeiro Nacional, o órgão normativo máximo é o CMN, que dita diretrizes e normas de forma a orientar as políticas monetárias e cambiais. Assim, uma parte importante de seu trabalho é o estabelecimento de metas para a inflação, mantendo-a baixa, estável e previsível.

A incerteza em um país acarreta em vários problemas, e um deles é a volatilidade e elevação da inflação. Este problema, por sua vez, aumenta os riscos de investimentos, reduz o potencial de crescimento da economia, diminui o poder de compra, afeta a geração de empregos, e diminui a confiança do mercado.

Consequentemente, o trabalho do Bacen ganha um direcionamento: como principal órgão executor do que é normatizado pelo CMN, ele possui a missão de manter um sistema financeiro sólido e eficiente, atuando no cenário macro e microeconômico. 

Para garantir a estabilidade do poder de compra da moeda nacional e promover a eficiência e o desenvolvimento do Brasil, o Bacen regula o volume de dinheiro e de crédito no país, possuindo o monopólio de emissão da moeda. 

Também atua como Superintendente do Sistema Financeiro, fiscalizando, regulando, e controlando o sistema bancário e financeiro do país, e é chamado de “Banco dos Bancos” por possuir funções bancárias (como recolher valores e conceder empréstimos), porém, tendo como clientes os próprios bancos ao redor do país. 

O Bacen também executa a política monetária, que envolve ferramentas como o Open Market, o Depósito Compulsório e o Redesconto. Por fim, ele também é considerado o banqueiro do governo, pois é o executor da política cambial e administra as reservas de moedas internacionais, bem como regula a movimentação orçamentária do governo. 

A estrutura organizacional do Bacen é comandada por uma diretoria colegiada composta por nove membros, sendo um presidente e oito diretores, que são também responsáveis por sua respectiva diretoria, conforme segue: Administrativo (DIRAD), de Assuntos Internacionais e Gestão de Riscos (DIREX), de Fiscalização (DIFIS), de Organização do Sistema Financeiro e Crédito Rural (DIORF), de Política Econômica (DIPEC), de Política Monetária (DIPOM), de Regulação (DINOR), e de Relacionamento Institucional e Cidadania (DIREC).

Formado pelo Presidente, Diretores e Chefes de Departamento do Banco Central, o Copom é o órgão que discute e analisa a economia brasileira, definindo a cada 45 dias a taxa de juros referencial para as projeções da inflação e convergência para a meta anteriormente definida pelo CMN. A cada três meses é divulgado o relatório de inflação e as Atas do Copom, sempre após 6 dias de cada reunião.

História do Banco Central do Brasil

O Banco Central do Brasil foi criado em 31 de dezembro de 1964, a partir da lei nº 4.595, que dispõe não apenas de amparos legais para a criação de um Banco Central, como apresenta todas as diretrizes sobre a Política e as Instituições Monetárias, Bancárias e Creditícias. De forma sucinta, a lei muda as diretrizes do sistema financeiro brasileiro, de forma a torná-lo mais padronizado e organizado, assim como de outros pares globais que já possuíam um Banco Central.

Porém, anteriormente à criação do Banco Central, as suas funções eram realizadas por duas principais instituições. Uma delas era a Superintendência da Moeda e do Crédito (SUMOC), que deixou de existir, e o Banco do Brasil.

A SUMOC foi criada em 1945 por Getúlio Vargas, sendo o intuito de sua  criação o de “preparar o terreno” para a criação de um Banco Central, além de organizar o sistema financeiro brasileiro após a segunda grande guerra. A entidade possuía um Conselho, que tomaria as decisões de caráter organizacional e sobre as políticas monetárias, e um grupo executivo, que iria operacionalizar os trabalhos da instituição e o que fosse decidido pelo Conselho. Faziam parte de suas atribuições regulamentar e fiscalizar o sistema bancário, supervisionando a atuação dos bancos comerciais no país, orientar a política de câmbio (moeda estrangeira), promover a criação de estudos econômicos no país, para se ter um arcabouço maior de dados econômicos e assim ser mais assertivo nas decisões, e outras atribuições menos relevantes que viriam a ser do BC. 

Já o Banco do Brasil, além de possuir atribuições de um banco estatal, possuía a atribuição de banco do governo e de “Banco dos Bancos”, onde recolhia os depósitos compulsórios, controlava as operações de comércio exterior e operações de câmbio. Outro ponto importante é que com o advento da lei nº 4.595, as contas do Tesouro Nacional e do Banco do Brasil foram separadas, o que fez com que o TN não fosse mais o responsável pela impressão do papel-moeda, mas sim a Casa da Moeda, ficando vedado também ao TN ser o administrador da dívida pública. 

Um dos idealizadores do projeto da criação do Banco Central, o economista Roberto Campos, em seu livro “A Lanterna na Popa”, dedica um capítulo inteiro para comentar como foi a criação do BC. É interessante observar que a lei nº 4.595 possuía dispositivos que faziam o Bacen gozar de certa autonomia, como exemplo, o presidente e os diretores do Bacen possuírem mandatos fixos. Porém, como o próprio autor afirma, “no Brasil há leis que pegam e leis que não pegam, a que criou o BC, não pegou” e, posteriormente, o Bacen acabou se envolvendo em questões de fomento ao crédito e financiamento do TN, saindo do posto de guardião da moeda e se tornando o devasso emissor.

PLP 19/2019 

O PLP 19/2019 é o projeto de lei complementar que visa dar autonomia ao Banco Central do Brasil. Como já foi aprovado pelo Senado e sancionado pelo presidente, se tornou de fato uma lei, tendo sido publicada no Diário Oficial da União. Os principais tópicos desta lei são: 

  • O Banco Central tem por objetivo assegurar a estabilidade dos preços, sem prejuízo ao seu objetivo fundamental agora também tem objetivos de zelar pela estabilidade e pela eficiência do sistema financeiro, suavizar as flutuações do nível de atividade econômica e fomentar o pleno emprego;

  • Acaba o vínculo com o Ministério da Economia que o Bacen possuía, se torna uma autarquia de natureza especial caracterizada pela ausência da vinculação ao ministério de tutela ou subordinação hierárquica, assim como as Agências Reguladoras e os Tribunais de Contas;

  • O cargo de Ministro de Estado Presidente do Banco Central do Brasil fica transformado no cargo de Natureza Especial de Presidente do Banco Central do Brasil.

O Presidente e os Diretores do BCB serão indicados pelo Presidente da República e por ele nomeados, após aprovação de seus nomes pelo Senado Federal. 

  • O mandato do Presidente do BCB terá duração de 4  anos, com início no dia 1º de janeiro do terceiro ano de mandato do Presidente da República;

  • Dois diretores terão mandatos com início no dia 1º de março do primeiro ano de mandato do PR;

  • Dois diretores terão mandatos com início no dia 1º de janeiro do segundo ano de mandato do PR;

  • Dois diretores terão mandatos com início no dia 1º de janeiro do terceiro ano de mandato do PR;

  • Dois diretores terão mandatos com início no dia 1º de janeiro do quarto ano de mandato do PR.

O presidente do Bacen, assim como seus diretores (participantes do COPOM), podem deixar o cargo em algumas situações:

  • Escolha própria;

  • Motivos de saúde;

  • Condenação em decisão transitada em julgado,  proferida por órgão colegiado por improbidade administrativa ou qualquer crime que não se possa mais exercer cargos públicos;

  • Caso comprovado e recorrente de desempenho insuficiente para alcance do objetivo do Banco Central. Nesse caso o desempenho insuficiente é apontado pelo CMN onde posteriormente vai para votação de maioria absoluta no Senado.

Por fim, no PLP 19/2019 também fica restrito ao Bacen compra de títulos públicos que não sejam para fim de execução de política monetária e compra de dólar spot e derivativos de dólar que não sejam para fim de execução de política cambial.

Objetivo com a autonomia do BC

Com maior autonomia no Banco Central, há menor interferência política. Com uma política monetária, econômica e cambial que sofre menos impacto com mudanças no governo, espera-se uma maior estabilidade na economia, e uma consequente atração de investidores.

Além disso, atualmente diversos Bancos Centrais internacionais possuem um nível de autonomia maior que no Brasil, portanto, o alinhamento do Bacen com diretrizes que estão sendo seguidas em outros países é importante, pois traz mais credibilidade ao BC e mais confiança por parte dos agentes econômicos.

A autonomia, por fim, também busca manter na diretoria pessoas com maior conhecimento técnico, evitando nomeações, destituições ou renúncias por afinidades políticas, e mantendo o foco das decisões do Bacen no desenvolvimento do país, independente de quem estiver no poder.

Ex- Presidente Dilma Rousseff e a interferência política

Para ilustrar o impacto que a interferência política pode gerar e a importância de um Banco Central autônomo, será usado como exemplo o caso dos cortes na Taxa Selic no Governo Dilma.

Como forma de contextualização, em 2011 o Bacen possuía um vínculo com o então Ministério da Fazenda, que fazia com que a política monetária não fosse definida e aprovada somente pelo Banco Central. Consequentemente, ela não seria isenta de influência política.

Outro ponto importante do contexto é a crise de 2008, que chegou ao Brasil com maior força em 2011. No início desse ano, diversos economistas – entre eles o conhecido Bresser-Pereira – tinham expectativas positivas para o país, que acabaram não se concretizando. No final de 2011, a inflação foi a mais alta em 7 anos, atingindo a marca de 6,5%.

O governo Dilma buscava a reeleição, e para isso precisava fortalecer a economia. Assim, a condução da política monetária por este governo buscou diminuir a Taxa Selic, fazendo sucessivos cortes a partir de Setembro de 2011, chegando à histórica marca de 7,25% em Outubro de 2012. Além disso, para maquiar a inflação real, o governo se utilizava da prática de atrasar o repasse de preços internacionais aos combustíveis no mercado interno. Isso mantinha os índices de inflação mais baixos do que a realidade, pois o aumento de preços não chegava imediatamente aos produtos que dependem diretamente do transporte rodoviário e de insumos derivados do petróleo.

Sobre este caso, é possível ver que os sucessivos cortes na taxa de juros não condizem com a alta inflação daquele período, e que houve uma demora na atuação do Banco Central para aumentar as taxas de juros na tentativa de controlar a inflação. Cabe a reflexão de se o Banco Central, como um órgão autônomo, tomaria as mesmas decisões.

Além disso, a manutenção dos baixos preços da gasolina fez com que a Petrobras tivesse grandes prejuízos, e foi um dos fatores para que a inflação atingisse 10,6% em 2015 (a maior desde 2002), quando os preços se normalizaram após sucessivos reajustes.

Apesar da inconsistência, é difícil comprovar a interferência política, já que as decisões foram tomadas por órgãos responsáveis pela condução da política monetária, de forma conjunta pelo Banco Central e pelo Ministério. Comprovadamente pode-se dizer somente que foi uma má condução desta política.

Órgãos Autônomos brasileiros e o confronto entre a teoria e a prática

Com o intuito de se entender melhor o funcionamento da autonomia do Banco Central na prática, será analisado o exemplo das Agências Reguladoras, atualmente autônomas.

Para as Agências Reguladoras, a autonomia engloba, inclusive, a questão financeira, fazendo com que seu financiamento não seja afetado por cortes, acordos ou decisões políticas. Além disso, não há subordinação hierárquica em relação ao chefe do poder executivo ao qual elas estão vinculadas, seja ele federal ou municipal. Por fim, os mandatos dos dirigentes são fixos em 4 anos e não coincidentes entre si, e o regime de nomeação dos dirigentes é o mesmo dos diretores e presidente do Banco Central, pelo Poder Executivo.

As Agências Reguladoras precisam ser órgãos autônomos porque muitas de suas funções envolvem fiscalizar e regular a administração pública. Assim, a pauta principal das agências deve ser o que atende e beneficia mais a população, e não o governo ou quem está no poder. Também é sua responsabilidade fiscalizar e regular o setor privado, colocando os interesses do consumidor em primeiro plano, e garantindo o acesso universal aos serviços prestados.

Uma pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas analisou 18 Agências Reguladoras entre 1990 e 2018, e algumas das conclusões estão apresentadas a seguir.

Descobriu-se que apenas 58% dos dirigentes das Agências tinham uma trajetória profissional relacionada com a função de atuação. Isso indicaria que a nomeação dos dirigentes não possui o embasamento técnico devido, valendo-se por exemplo de indicações com viés político.

Também verificou-se que um entre cada cinco mandatos não são cumpridos até o fim. De acordo com os autores, foi concluído que pelo menos metade das saídas antecipadas tinham relação com trocas de governo, coincidindo com cenários de mudança política.

Com a saída dos dirigentes, é gerado um período de vacância para aquele cargo, e nesse tempo é tomada a decisão de quem será o próximo a ser nomeado. De acordo com o estudo, o período médio para a decisão ser efetivada é de 188 dias (por volta de 6 meses), mas casos como o da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) em que a vacância perdurou por um ano e meio em 2013. Ainda, quando a renúncia dos dirigentes ocorre em períodos próximos, o Poder Executivo passa a ter a possibilidade de realizar indicações em bloco, de forma que os dirigentes passam a ter mandatos praticamente coincidentes. Novamente a ANEEL é citada, pois desde os anos 2000, os mandatos dos cinco dirigentes são quase coincidentes.

A importância de trazer este estudo se dá justamente na reflexão do que pode vir a ocorrer com o Bacen. Assim como o Banco Central, as Agências Reguladoras possuem leis que garantem a sua autonomia, mas, como mostra a pesquisa, isso não necessariamente se reflete na prática. 

Apesar de não blindar completamente o Bacen de interferências políticas, o projeto de lei PLP 19/2019 abre caminho para se buscar cada vez mais autonomia. Essa mudança de comportamento é bem vista por outros países, e traz mais confiança, estabilidade e investimentos externos.

Estudos sobre Autonomia do BCB

Os estudos utilizados como base para este artigo têm como objetivo mensurar e ranquear a autonomia dos Bancos Centrais de diversos países, com ênfase nos efeitos observados nos indicadores macroeconômicos, em especial o nível de inflação, crescimento do PIB, taxa de juros e taxa de desemprego. Para fazer essa avaliação de autonomia, os pesquisadores levaram em consideração várias características apresentadas pelos Bancos Centrais, e esses fatores foram divididos entre autonomia de Jure, aquela prevista pela legislação, e a autonomia de Facto, que diz respeito à autonomia que os Bancos Centrais possuem na prática de suas funções.

O primeiro estudo utilizado como base é o “Central Bank Independence and Macroeconomic Performance: Some Comparative Evidence” de Alberto Alesina e Lawrence Summers. Com essa pesquisa eles concluíram que a autonomia do Banco Central é favorável à economia dos países, pois a formulação e operacionalização da política monetária é delegada a uma instituição com maior aversão a altos níveis de inflação. Isso possibilita que no longo prazo essa taxa mantenha-se equilibrada e em patamares baixos, já que as ações dessa autoridade se tornam mais previsíveis.

Segundo os pesquisadores, um Banco Central autônomo também fica livre de pressões por parte dos eleitores, o “median voter”, que pressionam as autoridades monetárias para que sejam menos conservadores com a inflação e façam uso de uma política monetária mais expansionista no curto prazo em detrimento de uma taxa de inflação menor do longo prazo, o que os autores chamam de erro de inconsistência de tempo. Enquanto deveriam fazer o contrário. Outro ponto positivo apresentado no estudo é o isolamento da política monetária de pressões políticas, evitando a nomeação de banqueiros centrais enviesados e menos avessos à inflação.

Esse isolamento das autoridades monetárias favorece o equilíbrio da inflação no longo prazo, trazendo maior previsibilidade às decisões do Banco Central, gerando consequências positivas como: redução do prêmio de risco do país e, principalmente, isola as decisões de política monetária do ciclo eleitoral, onde medidas inflacionárias e de viés populista podem ser tomadas. Caso que, supostamente, ocorreu no final do primeiro governo da ex-presidente Dilma Rousseff conforme mencionado anteriormente.

A partir disso, os autores se concentraram em mensurar o nível de autonomia dos Bancos Centrais, e para isso utilizaram como base dois índices, o GMT (Grilli, Masciandaro & Tabellini, 1991) e o índice BP (Bade & Parkin, 1988). O primeiro leva em consideração a autonomia política e econômica do Banco Central, onde foi analisado se havia possibilidade de interferência do Governo nas escolhas dos objetivos e mandatos das instituições. Qual era o formato desses mandatos, assim como, se houve interferência na política monetária e financiamento do déficit governamental. Com foco tanto na autonomia de Jure como na de Facto.

Já o índice BP utilizou 12 países de economias industrializadas como amostra e avaliou a autonomia política dos Bancos Centrais. Foi analisado a relação entre as autoridades monetárias e o poder executivo, como era o processo de indicação e demissão de membros do conselho e presidente, atuação do Governo no conselho como: interferências nas decisões de política monetária e poder de voto, assim como, a frequência de contato entre os Bancos Centrais e o poder executivo. Portanto, esse índice possui um foco maior na autonomia de Jure.

A autonomia política analisa como é feita a indicação do presidente dos Bancos Centrais e se o período de mandato é superior a 5 anos; se há ou não indicações governamentais para a mesa do conselho, se essa representação é obrigatória e se está diretamente ligado a algum nível de tomada de decisões; quem aprova a formulação da política monetária; se a estabilidade de preços é um objetivo previsto em legislação ou estatuto; e, principalmente, se há algum tipo de dispositivo que protege os Bancos Centrais dos interesses da legislatura vigente.

Por outro lado, a autonomia econômica leva em consideração qual é a facilidade que o governo tem para obter crédito perante o Banco Central, se esse crédito é obtido de forma automática, os juros cobrados correspondem com aqueles exercidos no mercado, se esse empréstimo é temporário e qual o limite de dinheiro que pode ser emprestado. Avalia também, a participação do Banco Central na dívida do Governo, quem define a taxa de redesconto e quem é o responsável pela supervisão do sistema financeiro.

Fonte: Grilli, Masciandaro & Tabellini, 1991; Bade & Parkin, 1988

A partir da análise de todos esses fatores Alesina e Summers fizeram o seu próprio índice, através da média aritmética dos índices de BP e GMT aplicados a uma amostra de 16 países industrializados, como demonstrado na tabela acima.  Mediram o desempenho dessas economias de 1955 até 1988, para que fosse possível comparar o índice de autonomia com os indicadores macroeconômicos. Sendo assim, eles encontraram uma correlação negativa, quase perfeita, entre o nível de autonomia dos Bancos Centrais e a taxa média de inflação encontrada no período analisado.

Fonte: Alesina, Alberto; Summers, Lawrence H. (1993).

Em países onde a autonomia do Banco Central é mais alta, foram encontradas taxas médias de inflação menores, do que aquelas em países com Bancos Centrais menos autônomos. Entretanto, na comparação com os demais indicadores macroeconômicos, como crescimento do PIB e desemprego  não foi encontrado nenhum tipo de correlação com a autonomia dos Bancos Centrais. Sendo assim, os autores chamaram essa descoberta de “Free Lunch”, pois a autonomia do Banco Central traz benefícios como taxas de inflação menores e mais estáveis, e não possui nenhum custo sob os demais fatores econômicos.

Fonte: Alesina, Alberto; Summers, Lawrence H. (1993).

O segundo estudo refere-se à autonomia dos Bancos Centrais, o qual foi retirado de um dos artigos do Banco Central Europeu, “The case for central bank independence” de Rodolfo Dall’Orto Mas e Benjamin Vonessen, que mostra a evolução dos Bancos Centrais ao redor do mundo nos períodos pré e pós recessão econômica em 2008.

A partir de 1980 houve um enorme avanço em relação aos números de Bancos Centrais autônomos ao redor do mundo, sendo notório ao longo de todo esse período. Diante disso, percebeu-se, cada vez mais, legislações que buscaram maiores independências de jure desses Bancos, tanto na parte política, quanto na econômica. Diante disso, foram realizados diversos estudos sobre esse assunto e criado índices de autonomia para os Bancos Centrais. Recentes estudos como de Bodea e Hicks (2018) e de Garriga (2016),  permitiram uma revisão dos índices já criados em outras pesquisas e, após essas análises, os valores desses índices foram atualizados tanto para os Bancos Centrais já estudados como também aos demais. Ademais, em virtude dessas atualizações, proporcionou a comparação entre a evolução desses valores com a crise do subprime.

Bodea e Hicks (2018)

Uma das análises notou que durante a crise global, instaurada em 2008, os Bancos Centrais tentaram estimular a economia, com o intuito de reverter a recessão por meio de cortes agressivos na taxa de juros e instaurando novas ferramentas monetárias (Quantitative Easing e Forward Guidance). Com base nesses dados, percebeu-se que os Bancos não estavam focados apenas na estabilidade da moeda, mas também em uma nova conformação que visasse outros objetivos como, por exemplo, a diminuição do desemprego. No entanto, ainda existem contrapontos em relação às atitudes tomadas pelos Bancos Centrais, os quais podem estar desvirtuando seu foco de controle em relação a moeda, e, dessa forma, levando a um descontrole da inflação. No PLP do Bacen comentado anteriormente, adicionou-se também uma nova atribuição aos objetivos do órgão, sendo este o pleno emprego, o que acaba levantando uma discussão importante sobre aberturas para novas interferências políticas.

Fonte: Bodea & Hicks (2015)
Fonte: Bodea & Hicks (2015)

Sendo assim, conforme a tabela acima, a qual mostra os índices de autonomia dos Bancos Centrais dos países do G20 entre 2005 e 2014, permite analisar que não houve uma deterioração de autonomia de jure após a crise econômica em 2008. Além disso, dados da tabela juntamente com outras análises feitas, revelam que houve uma diminuição na correlação negativa entre a inflação e a autonomia dos Bancos centrais de países desenvolvidos nos anos de 2005 a 2014. Dessa forma, infere-se que a relação entre o aumento da autonomia dos Bancos Centrais e a inflação diminuíram após o período do subprime. Já em relação aos índices de autonomia se mantiveram constantes, enquanto que a inflação teve uma queda expressiva em praticamente todos os países (sobretudo nos Bancos Centrais com menor autonomia).

Além do mais, em relação aos países emergentes, houve uma drástica mudança da correlação entre os índices analisados, uma vez que em 2000 os bancos com maiores autonomias possuíam os menores índices de inflação. Em contrapartida, no ano de 2010, os valores obtidos foram o contrário do que se esperava. Isso se deve, principalmente, pelo ocorrido na Argentina, onde houve uma inflação de dois dígitos. 

Fonte: Vonessen, Benjamin; Arnold, Katrin; Mas, Rodolfo Dall’Orto; Fehlker, Christian (2020)

Ademais, outro ponto a ser abordado é a relação entre a autonomia de Jure e a autonomia de Facto, sendo que este último não se consegue ter uma análise assertiva em relação ao índice de autonomia dos Bancos Centrais. Além disso, a análise feita por Strikingly, em relação ao estudo de Binder em 2018, observou que 10% dos Bancos Centrais reportaram pressões políticas em aproximadamente um ano, o que possibilitou um alívio na política monetária destes países. Sendo assim, essas intervenções predispuseram aos Bancos Centrais maiores intimidações, as quais estão associadas com aumento e persistência da inflação, refletindo uma menor credibilidade da política monetária.

Outros Bancos Centrais ao redor do mundo

De forma concisa, os principais pontos para se analisar a autonomia de um Banco Central estão contidas na tabela abaixo, fazendo assim um comparativo entre alguns países emergentes.

1- estabilidade dos preços (*se for a principal); 2- estabilidade da moeda; 3- estabilidade do sistema financeiro; 4- fomentar o pleno emprego.

Assim, podemos observar que o Brasil está cada vez mais alinhado com os demais países emergentes no que tange amparos legais para a autonomia do Banco Central. Como nada no Brasil é simples, precisa-se ver ao longo do tempo, se essa autonomia de Jure irá se convergir para uma autonomia de Facto, autonomia essa que acabou por se deteriorar na Argentina que vivencia severa crise econômica com inflação de dois dígitos consistente ao longo do tempo. Por fim, uma frase do célebre economista Gustavo Franco que evidencia ainda mais a importância de se ter uma inflação baixa e previsível: “País que já teve hiperinflação é que nem alcoólatra, qualquer pingo de álcool é perigoso”. 


Referências:

Alesina, Alberto; Summers, Lawrence H. (1993). Central Bank independence and macroeconomic performance: some comparative evidence. Journal of Money, Credit and Banking, Vol. 25, No. 2, Maio, páginas 151-162.

Bade, Robin; Parkin, Michael (1988). Central Bank laws and monetary policy. Department of Economics University of Western Ontario, Canada.

Brasil. Projeto de lei complementar nº 19, de 2019. 

Campos, Roberto. (1994). A Lanterna na Popa. Rio de Janeiro

Corazza, Gentil. (2006). O Banco Central do Brasil: evolução histórica e institucional. Perspectiva Econômica, vol. 2, nº 1

Grilli, Vittorio; Masciandaro, Donato; Tabellini, Guido (1991). Political and monetary institutions and public financial policies in the industrial countries. Economic Policy, Vol. 6, No. 13, Outubro, páginas 342-392.

Salama, Bruno Meyerhof; Barrionuevo Filho, Arthur; Palma, Juliana Bonacorsi de; Dutra, Pedro (2017). Processo de nomeação de dirigentes de agências reguladoras: uma análise descritiva. Disponível em: <https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/themes/Mirage2/pages/pdfjs/web/viewer.html?file=https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/24882/02_sumario_executivo_grp_-_pep_01.pdf?sequence=1&isAllowed=y> Acesso em: 20 de Fevereiro de 2021.

Vonessen, Benjamin; Arnold, Katrin; Mas, Rodolfo Dall’Orto; Fehlker, Christian (2020). The case for central bank independence. Occasional Paper Series, European Central Bank.

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Autores: Artur Roman, Carolina Melo, Ricardo Pering, Vinícius Cadorin

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A EVOLUÇÃO DA DÍVIDA PÚBLICA BRASILEIRA

A EVOLUÇÃO DA DÍVIDA PÚBLICA BRASILEIRA

De maneira idêntica a uma pessoa comum o bom uso de crédito para o alcance de grandes ativos como a fundação de um novo negócio, o endividamento público, se bem administrado, auxilia o desenvolvimento e a estabilidade monetária de um país. Entretanto, para que o custo do empréstimo recompense, é importante se ater à qualidade do crédito público. Uma vez que, quanto maior o risco de inadimplência o devedor apresentar, maior será a lucratividade exigida pelo investidor e menor o tempo de exposição ao risco. Logo, as condições da dívida estatal estão extremamente interligadas com a credibilidade do governo para cumprir suas obrigações.

Há quatro alvos que justificam o endividamento de um país: (1) dar insumo para a execução da política monetária; (2) financiar o déficit do orçamento público; (3) dar referência as taxas básicas de juros, pois a emissão dos títulos públicos possuem menor risco de crédito em comparação a dívida privada; (4) financiar projetos, de modo que a dívida melhore a qualidade de vida da população e o seu custo seja diluído entre as gerações. Para isso, o governo pode recorrer a três meios de endividamento: dívida interna, por meio de títulos públicos; dívida externa, através de instituições internacionais; ou pela maior arrecadação de impostos.

EVOLUÇÃO DA DÍVIDA

Governo Militar - Crise do Petróleo (1970 - 1984)

No começo dos anos 70, a economia estava fluindo bem. A dívida pública estava saudável, o câmbio controlado, e o PIB crescendo em média 7% ao ano. O Brasil era nomeado como a décima maior economia mundial. No entanto, a dependência do mercado interno de 80% do petróleo importado mudou este cenário após os dois choques seguidos no preço do combustível.

A inflação de custos foi o principal impacto da crise externa no Brasil. Os produtos básicos tiveram aumento de até 227% ao ano devido ao elevado custo de produção. Com o poder de compra da população diminuindo a cada dia, os títulos públicos pré-fixados estavam cada vez menos atrativos aos investidores, pois não acompanhavam a desvalorização da moeda. Desse modo, o banco central cria títulos indexados à inflação, chamadas de ORTNs, para que assim, diminuísse a dificuldade de refinanciar a dívida interna. Este método funcionou. Em 1983, as obrigações indexadas à inflação chegaram a formar 96% do total da dívida interna mostrando o apetite dos investidores ao ativo. Como consequência, os juros das novas obrigações acompanharam a crescente inflação gerando aumento do déficit público.

Outra métrica que sofreu com o choque de preços da commodity foi a balança comercial brasileira, pois o custo das importações foi drasticamente impactado. Desse modo, o governo só autorizava a compra de petróleo e a realização de pagamento de juros da dívida externa para conter a balança de pagamentos. Entretanto, mesmo vetando a entrada de 3.500 produtos, o saldo comercial fechou em 10,5 bilhões de dólares negativos resultando em uma valorização da cotação do dólar em função da maior demanda pela moeda. Com o real desvalorizado, a dívida externa aumentou a níveis estratosféricos e, em 1983, o país recorre ao FMI (Fundo Monetário Internacional) pois não tinha mais condições de honrar com suas obrigações. Esta medida trouxe escassez de novos empréstimos externos até a era do plano real, na qual, na visão do mercado, o país trouxe novas perspectivas econômicas. Logo, com pouca disponibilidade de financiamento público e com o grave aumento do petróleo, a década de 80 ficou nomeada como “década perdida”.

José Sarney e Fernando Collor (1985 - 1992)

Após o falecimento de Tancredo Neves o governo Sarney começa com baixa popularidade. Desta forma, os métodos comuns para reduzir a alta inflação herdada do governo anterior, como o aumento das taxas de juros e controle do déficit público, não poderiam ser executados, visto que tais medidas facilitariam a volta dos militares com a execução de ações impopulares. Desse modo, criou-se um plano de contingência chamado plano cruzado. Ele consistia no congelamento dos preços e criação de uma nova moeda sem inflação. O resultado nos primeiros meses foi bom, o índice inflacionário diminuiu de 14% para 0%, os níveis de emprego aumentaram e a economia cresceu. Entretanto, como alguns produtos e serviços precisavam ter correção de preço, a população corria aos estabelecimentos para estocar suas mercadorias e, assim, aproveitar o valor sem correção, consequentemente, a inflação voltava à nova moeda.

Durante o período, quatro planos econômicos foram lançados com a finalidade de conter a instabilidade monetária. Todos eles consistiam no congelamento de preços de produtos ou ativos e a medida que iam sendo implementados ocorria maior desvalorização da moeda. Assim, o Brasil se encontrava em um cenário hiperinflacionário, com índices próximos a 2.570% ao ano. Os preços chegavam a variar a cada hora e quem mais sofria com este panorama eram os mais pobres, pois, não tinham ativos variando com o índice. Seus salários demoravam meses para sofrer a correção, diminuindo ainda mais seu poder de compra. A consequência disso foi cerca de 50% da população mais carente deter apenas 10% da renda total do país, evidenciando o aumento do número da classe mais pobre no brasil.

No âmbito da dívida externa, em 1987, o Brasil precisou decretar moratória técnica, ou seja, o país não era mais capaz de pagar suas obrigações por conta do aumento da dívida decorrente da desvalorização cambial. Em razão da instabilidade financeira causada, o risco país aumentou e as instituições financeiras no mundo todo se fecharam para o Brasil, não havendo nenhuma entrada de capital externo durante o período.

Diante da instabilidade monetária, a qualidade do crédito se deteriorou e os títulos públicos indexados à inflação não eram mais atrativos aos investidores, visto que, o congelamento de preços deixava a rentabilidade de seus ativos igual a 0% nos primeiros meses. Desta forma, foi necessário a criação das Letras do Banco Central (LBC), para financiar a política monetária, e as Letras Financeiras do Tesouro (LFTs), para suprir os déficits públicos, e dessa forma, conseguir realizar a política de rolagem da dívida interna. Como os dois novos títulos eram indexados pela taxa SELIC, que se corrigia diariamente, e poderiam ser resgatados a qualquer momento, os investidores aderiram muito bem aos empréstimos garantindo a rolagem da dívida pública no período.

No crivo fiscal, havia 4 tipos de orçamentos governamentais: o monetário, fiscal, das estatais e da previdência. Entretanto, somente o operacional do governo passava pela aprovação do congresso e isso facilitava a manipulação das contas públicas pela falta de controle. Um exemplo disso, era o orçamento monetário que cobria a chamada conta movimento, utilizada para suprir desequilíbrios entre Banco Central (BC) e Banco do Brasil (BB). Basicamente, o BB podia emprestar dinheiro a vontade e nunca cobrar da população, pois seus prejuízos eram cobertos pelo BC. Então, após um escândalo de corrupção escancarado em todas as mídias, o governo cancelou a conta e o país caminhou para a formação da lei de responsabilidade fiscal. Assim, o orçamento começou a refletir a real saúde das contas públicas e todos os orçamentos foram unificados necessitando a validação do congresso nacional.

Em 1988 foi aprovada a nova constituição democrática. Com ela foi possível estabelecer leis para o financiamento da dívida pública: (1) orçamento da União; (2) Plano Plurianual de Investimento; e (3) Lei de diretrizes orçamentárias. Desta forma, a nova regulamentação exigiu o planejamento dos gastos já no primeiro ano de mandato dos presidentes, também permitiu que o poder legislativo pudesse dar orientações aos governantes na elaboração do orçamento e exigiu a autorização do legislativo para o endividamento do país. Foi um marco na história brasileira, pois deu regras para o endividamento público.

Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso (1993 - 2002)

Para pôr fim ao problema da hiperinflação no Brasil, o governo de Itamar Franco, criou um novo plano de estabilização da moeda nacional visando o longo prazo, o plano real.

A população, na época, não tinha mais percepção do que era caro e o que era barato, pois os preços mudavam diariamente. Para solucionar isto, criou-se a Unidade Real de Valor (URV) como uma moeda paralela que convertia os valores do cruzeiro real para o novo padrão monetário indexado ao câmbio fixo. Logo, a população poderia escolher entre a utilização da URV, que tinha inflação baixíssima, ou o cruzeiro real, que mudava de valor a todo instante e, por conta da estabilidade monetária que a nova moeda proporcionou, a população em grande parte escolheu a primeira, havendo o abandono do cruzeiro real posteriormente. Entretanto, sabendo que os principais motivos que causaram a hiperinflação foram o excesso de gasto público e a grande impressão de moeda, somente a troca monetária não solucionaria o problema. Desta forma, antes do lançamento da URV o governo precisou regular a política fiscal e monetária do país para impedir que a inflação atingisse a nova moeda.

A desorganização do sistema fiscal brasileiro colapsou as contas do Banco Central. Um dos motivos para isto ocorrer foi o financiamento dos bancos estatais e municipais por parte do BC, ou seja, se houvesse déficit nas contas municipais, era o banco central que deveria arcar com as despesas. Desta forma, a fim de organizar as contas estatais, o governo executa a lei da responsabilidade fiscal reconhecendo várias despesas disfarçadas e exige que os governantes tenham planejamento em seus gastos. A partir de 1998, os resultados da lei começaram a surgir com os estados brasileiros mostrando superávits em seus orçamentos. Esta medida foi crucial para o sucesso do plano real, pois, após a regulação fiscal houve o maior controle sobre a emissão de moeda e dos gastos públicos.

Um dos motivos para o insucesso dos planos anteriores foi o choque de demanda após a estabilização da moeda. Para que isto não acontecesse, o governo executa a política monetária contracionista a fim de diminuir o crédito e consequentemente diminuir o incentivo ao consumo. Logo, com as consideráveis emissões de títulos públicos fundamentais para acabar definitivamente com os passivos mascarados, juntamente com as altas taxas de juros necessárias para a consolidação da estabilidade monetária e atratividade de capital externo após a crise da Ásia e da Rússia, houve o aumento grosseiro do estoque da dívida pública no período.

A balança comercial estava em constante desequilíbrio devido ao câmbio subvalorizado, tornando cada vez mais custoso a fixação do câmbio. Desta forma, o governo teve que estimular a entrada de capital através de privatizações e realizar a renegociação da moratória da dívida externa, para conseguir usufruir de crédito internacional novamente. Entretanto, diante de um cenário externo desfavorável, com a crise da ásia e da Rússia, as reservas externas brasileiras quase se esgotaram para manter a continuidade do câmbio fixo, em 1999, a crise internacional chega ao Brasil e o governo é obrigado a flutuar o câmbio.

A partir deste novo cenário, cria-se o chamado tripé macroeconômico para estabilizar a moeda, mesmo com o câmbio flutuante e passar credibilidade quanto à futura gestão do país. A nova lei consistia em 3 pilares, na qual, (1) a inflação tinha que seguir uma meta estabelecida pelo governo, de tal forma, que se não fosse cumprido o presidente do Banco Central tinha que enviar uma carta se explicando;(2) as contas tinham que manter o superávit fiscal expressivo; e (3) o câmbio tinha que flutuar.

O sucesso na estabilização da moeda, por sua vez, melhorou a qualidade do crédito ampliando os prazos da dívida pública interna para até dois anos, representando um progresso ao risco de refinanciamento do governo junto ao mercado de capitais.

Lula Inácio da Silva (2002 - 2010)

Antecedendo à eleição de Lula, o Brasil enfrenta uma grave crise no mercado de capitais. Os discursos do candidato sobre a descontinuidade do tripé macroeconômico gerou desvalorização do câmbio por conta da fuga dos investidores estrangeiros e consequentemente, a dívida externa tornou- se impagável, necessitando o auxílio do FMI. Vendo que a crise que se formava iria dificultar a implementação das propostas sociais divulgadas em seus comícios, Lula decide mudar a estratégia e atende a suplicação da população pela continuidade dos princípios macroeconômicos de FHC.

Logo, já em 2003 a economia estava novamente crescendo a médias de 4,5% ao ano. O Brasil prosperava com sua produção e consumo impulsionado pelas taxas de juros internacionais próximas a zero e pelo preço de commodities valorizado. Em razão disso, o país acumula até 206 bilhões de dólares em suas reservas internacionais em função dos superávits comerciais proporcionados pelo aumento das exportações. A população, por sua vez, estava confiante em relação ao futuro da nação e isso gerava mais crescimento e investimento por parte deles.

Com cenário favorável, o banco central decide executar uma política monetária expansionista, reduzindo as taxas de juros que, por consequência, levaram ao aumento de consumo e maior arrecadação de impostos para financiar projetos sociais. Tendo isto em vista, o governo consegue aumentar a escala do projeto bolsa família implementado por FHC. Aproximadamente 50 milhões de pessoas foram atingidas pelo programa, totalizando quase ¼ da população com orçamento de apenas 0,53% do PIB. O Brasil se tornou a sexta maior economia do mundo com a geração de uma nova classe média e com o aumento do salário mínimo.

No âmbito da dívida interna, as relações entre governo e investidores foram melhoradas através de periódicos leilões de recompra e venda de títulos públicos garantindo maior liquidez dos ativos e trazendo mais atratividade a eles. Em 2006, o governo decidiu estimular ainda mais tal apetite aos ativos isentando o imposto de renda para investidores estrangeiros com uma nova legislação. Tal estratégia fez crescer a entrada de capital externo e elevou a demanda aos títulos. Em razão disto, o governo consegue colocar papéis prefixados com prazo de até dez anos no mercado, um marco na história da dívida pública brasileira.

Quando a crise de 2008 acontece, o sistema financeiro internacional entra em colapso e os governos acionam uma onda de injeção de estímulo fiscais com o intuito de minimizar os estragos gerados. No Brasil, o governo aumentou o gasto público para gerar mais crédito por parte dos bancos oficiais, diminuir gradativamente as taxas de juros para incentivar o endividamento familiar e assim, estimular o crescimento da demanda.

Com tais medidas a crise foi contida, porém, os estímulos econômicos não pararam. Lula cada vez mais optou pela adoção de políticas centralizadoras e com maior intervencionismo em setores selecionados da economia. O governo, através do BNDES, disponibiliza crédito mais barato que o do próprio governo utilizava para se financiar, ou seja, as taxas praticadas eram abaixo da Selic, ocorrendo a transferência de renda do tesouro nacional para empresas corruptas. Cerca de 9% do PIB, 500 bilhões de reais, foram para as contas do BNDES com o intuito de facilitar o desenvolvimento das empresas, porém, a política quanto a seleção das empresas não era clara. Por consequência, o tripé econômico utilizado para manter o gasto público sob controle foi descontinuado e o primeiro sintoma da injeção de moeda desenfreada foi a pressão inflacionária superando a meta de inflação em 2010. Em razão disto, o governo termina com reversão das políticas fiscais expansionistas dos anos anteriores juntamente com o início da redução das taxas de juros. Logo, o superávit primário foi ampliado e houve contenção do ritmo de crescimento das despesas.

Dilma Rousseff e Michel Temer ( 2011 - 2018)

A presidenta Dilma assumiu o governo com índices de crescimento não tão bons como os de seu antecessor. O cenário mundial era de estagnação com a crise do euro, desaceleração da economia chinesa e lenta recuperação estadunidense da crise de 2008. No panorama interno não era diferente. O PIB estava decrescendo e a inflação estava voltando a preocupar com a aproximação do teto da meta, o nível do endividamento familiar começa a preocupar junto com a inadimplência. Os instrumentos para contenção da estabilidade econômica começam a perder eficácia e o governo reduz a inflação artificialmente, mexendo nas tarifas de água, luz e passagem de ônibus. Por esse motivo, as contas das estatais afetadas pelo preço artificial ficaram arruinadas, como foi o caso da Eletrobras, e com isso gerou mais gastos para o estado.

A marca do governo PT foi a ajuda por meio de incentivos governamentais a classes mais baixas. Contudo, pela baixa geração de receita no período, o estado não tinha condições fiscais para dar continuidade aos projetos implementados por Lula. Assim, ocorre a realização da contabilidade criativa para mascarar o descumprimento das metas fiscais estabelecidas pelo tripé macroeconômico e conseguir continuar com políticas sociais. Uma das práticas executadas para realizar tal feito, era por meio da postergação das despesas para o ano seguinte e, dessa forma, não gerar déficit primário no ano vigente. Outro método, era o envio de dividendos do BNDES para o Tesouro nacional, porém para ocorrer a transferência o banco de desenvolvimento tinha que pedir aportes para o Banco Central. Em analogia a uma pessoa comum, era como trocar o dinheiro de um bolso para o outro e dizer que aquilo é entrada de receita. Desta forma, a dívida líquida ficou regulada artificialmente e permitiu a expansão do déficit público. Entretanto, com grande emissão de moeda na economia, a inflação aumentou e o capital externo, desconfiando da credibilidade do governo, diminuiu sua participação no país, logo, o dólar fica valorizado novamente.

Mesmo o governo apresentando superávits primários positivos em todos os anos do governo, a dívida pública federal cresceu de 1,7 bilhão de reais em dezembro de 2010 para mais de 2,1 bilhões de reais em julho de 2014. Fato que ajudou tal endividamento, foi o aumento da SELIC decorrente das políticas monetárias vigentes, o índice foi de 11,25% em 2011 para 14,25% em 2015. Com isso, o custo do rolamento da dívida no orçamento, saiu de 2,9% do PIB em 2012 para 6,7% do PIB em 2015. No final do governo, o estado não tinha mais como se financiar e houve a implementação de cortes dos gastos discricionários de cerca de 78,5 bilhões de reais, porém, não foi o bastante para diminuir o déficit orçamentário do ano.

No segundo governo de Dilma, as três pernas do tripé econômico se mostram fragilizadas e a economia entra em recessão. A governante nomeia Joaquim Levy como seu ministro da Fazenda. Porém, o representante não era visto com bons olhos pela base aliada, pelos sindicatos e nem pelos empresários, visto que, temiam a retirada de direitos trabalhistas e a elevação da carga tributária em seus empreendimentos. Juntamente com a elevação do desemprego, queda de renda dos habitantes, incertezas políticas, redução dos investimentos por parte dos empresários e diversos escândalos de corrupção fizeram com que o governo perdesse seu apoio político e popular. Isto levou à acusação de Dilma Rousseff ao crime de Responsabilidade Fiscal acarretando no impeachment da presidenta.

O novo governante, Michel Temer, escolheu a desestruturação das políticas sociais para conseguir estabilizar o cenário fiscal preocupante. A dívida pública só aumentava pois o custo de refinanciamento das obrigações internas estava cada vez mais alto decorrente da piora da qualidade do crédito. Nos primeiros 5 meses de governo, as despesas avançaram 7,3% em comparação ao mesmo mês do ano anterior. Para conter este cenário, o novo governante se alia ao congresso nacional a fim de congelar o limite das despesas públicas nos próximos 20 anos com a PEC 55/24 e, desta forma, semear novamente um ambiente estável, capaz de atrair capitais estrangeiros, pois, em 2015, instituições renomadas, como a Standard & Poor ‘s, desaconselhava o investimento de capitais no país.

Todo o governo foi marcado por estagnação. O índice de crescimento médio entre 2016 e 2018 foi de 1% ano. Somente o setor agropecuário expandiu-se no período, por conta da desvalorização do real e aumento nos preços das commodities. Todos os outros apresentavam ou estagnação ou desaceleração. Desta forma, com a grave crise estabelecida, ocorre aumento substancial do trabalho informal no país. A fim de estimular a contratação novamente dos trabalhadores, o governo aprova a reforma da legislação trabalhista objetivando flexibilizar a contratação dos mesmos. A piora qualitativa do mercado de trabalho limitou o crescimento da remuneração da população que, consequentemente, reduziu o consumo das famílias e fez a inflação cair, ultrapassando a meta estipulada pelo banco central.

Jair Bolsonaro (2019 - o momento)

2019

O panorama econômico era de elevada taxa de desemprego, inflação baixa, devido à diminuição do consumo, e reservas internacionais altas. Usufruindo deste cenário, o banco central realiza política monetária expansionista a fim de impulsionar o consumo reduzindo a taxa SELIC de 6,5% para 4,5%. A queda dos juros básicos resultou na redução do custo de refinanciamento da dívida interna, que consequentemente, resultou na diminuição do superávit primário exigido para estabilizar a razão dívida/PIB do país e levou ao êxodo de capital estrangeiro para economias com juros reais mais lucrativos. Logo, o real se desvalorizou e a economia brasileira estimulou setores de exportação.

Em meio ao cenário de recessão, o governo dá continuidade às políticas de Temer, a fim de contrair o orçamento fiscal e implementar políticas para desregular o mercado e estimular o setor empresarial. Desta forma, houve a criação da lei de liberdade econômica para diminuir a burocratização de novos negócios, carteira verde amarela disponibilizando incentivos fiscais para a contratação de jovens entre 18 e 29 anos e assim diminuir o trabalho informal, venda de mais de R$ 100 bilhões de ativos estatais para regular as contas públicas e também a destinação de saques do FGTS como forma de injetar dinheiro na economia brasileira.

Ademais, o governo, com o intuito de diminuir os gastos públicos e retomar a confiança dos empresários, aprova a reforma previdenciária, prevendo economizar cerca de R$800 bilhões ao longo de dez anos. Logo, o aumento de 2,2% da dívida sobre PIB no primeiro ano de Bolsonaro foi quase sete vezes menor do verificado durante o governo Temer. Isto se deu por conta da queda da taxa de juro real e pela contenção fiscal. Entretanto, mesmo sendo índices menores que os do governo passado, a dívida continuou a crescer.

O ano de 2019 é finalizado com saldo positivo na geração de empregos, crescimento maior que o esperado do PIB, apesar de ainda fraco, e desaceleramento do crescimento da dívida.

2020

O ano de 2020 começa com expectativas muito positivas para o Brasil em razão da agenda de reformas e privatizações. Porém, o surto de contaminação do vírus COVID-19 muda todo o cenário. Em março, a doença chega com força no país apresentando graves índices de mortes. Com isso, o governo implementa o início do isolamento social, a fim de conter o número de casos. Com a economia paralisada, os principais setores afetados foram o de serviços (setor que configura 74% do PIB brasileiro) com retração de 1,6%, no primeiro trimestre, e o setor de indústrias com -1,4% no mesmo período.

A inflação nos primeiros meses do ano desabou e chegou a 0,38% em maio , registrando a menor taxa em 22 anos, em razão da queda na demanda por produtos. Entretanto, com a retomada do comércio, início dos pagamentos do Auxílio Emergencial para trabalhadores assalariados, alta do dólar e o aumento da procura por alimentos e commodities no mercado internacional, a inflação volta a crescer e afeta, principalmente, os preços dos alimentos, dificultando a vida das famílias mais pobres.

Em meio ao cenário de crise pública, governos mais desenvolvidos, como Estados Unidos e Europa, anunciaram diversos pacotes para estimular a economia. Por sua vez, países com economia subdesenvolvida usufruíram do mecanismo de cortes de juros para estimular os investimentos de empresários na geração de mais empregos. No Brasil, a taxa selic iniciou o ano a 4,25% e diminuiu gradativamente até junho, chegando a 2%. Por conta dos juros baixos e principalmente pela elevada instabilidade política e dúvidas quanto à solvência da dívida pública, o câmbio aumentou durante o período.

Para o governo conseguir dar suporte a população com auxílio monetário a população mais necessitada e equipamentos necessários para conter o cenário de saúde pública, houve a aprovação na câmara dos deputados da PEC do ” orçamento da guerra” em maio, para possibilitar a separação dos gastos públicos realizados ao combate do covid e aos gastos operacionais do governo.

No âmbito da dívida pública, a previsão do déficit primário para o setor público aumentou de 1,7% para 11,3% do PIB. A dívida interna no Brasil totalizou 4,4 trilhões de reais, crescendo 2,47% de outubro para setembro e se aproximando do 100% do PIB, quase o dobro de países igualmente emergentes. Os investidores, pensando em custo beneficio, com menor atratividade pelo baixo lucro, maior aversão ao risco e preferência por mais liquidez nos ativos, força o Banco Central a emitir títulos pré-fixados de menor duração para atrair capital para o refinanciamento da dívida. Mesmo assim, no leilão executado no dia 5 de novembro, somente 59% dos títulos NFT foram comprados pelos investidores mostrando a dificuldade de refinanciamento com tal remuneração ofertada, revelando que a taxa de juros está artificialmente baixa.

O cenário fiscal para 2021 é preocupante. O tesouro nacional precisa pagar 643 Bilhões de reais em dívida pública logo no primeiro trimestre do ano, 15,4% do total da dívida interna brasileira, e com a recorrente dificuldade de atração de capital aos títulos do governo, isto pode gerar um problema futuro. Caso o governo realmente não consiga se financiar, há duas alternativas para o pagamento das obrigações: (1) imprimir dinheiro, guiando o risco da hiperinflação no país ou (2) elevar novamente a taxa SELIC, que por consequência, levará ao aumento da dívida.

Desta forma, tendo em vista o cenário de contínuos déficits públicos, baixo crescimento econômico e recolhimento de impostos, estimamos para o próximo ano: juros e câmbio elevados, devida a queda pela demanda do real em razão aos risco país, maior inflação, por conta do juros, fuga do capital estrangeiro e mais impostos para conseguir financiar o governo. Há também a necessidade das reformas tributária e administrativa, para retomar a confiança dos investidores e empresários e fazer a economia voltar a crescer com um estado ainda mais simplificado.

Bibliografia:

https ://pantheon.ufrj.br/bitstream/11422/1727/1/VSCordovil.pdf
https ://www.youtube.com/watch?v=EHhxKXMNfoU&t=6s (documentário sobre a economia brasileira).
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A POLÍTICA ECONÔMICA DO GOVERNO DILMA – Unesp …https://revistas.marilia.unesp.br › article › download
https ://www.eco.unicamp.br/images/arquivos/artigos/3532/TD303.pdf
http ://www.direito.ufpr.br/portal/wp-content/uploads/2014/12/Artigo-Raphael-Portelinha-classificado-em-5º-lugar.pdf
https ://portal.estacio.br/media/3730423/o-giro-da-economia-nos-governos-lula-dilma-e-temer.pdf
As políticas fiscal e monetária do Brasil no Governo Temer …http://publicacoes.sei.ba.gov.br › article › download

https ://blogdoibre.fgv.br/posts/relembrando-evolucao-recente-da-divida-liquida
https ://pt.wikipedia.org/wiki/Governo_Michel_Temer
https ://www.youtube.com/watch?v=wxnM_ZHilt0
https ://www.jb.com.br/pais/artigo/2019/11/1020554-mudanca-silenciosa-da-politica-economica.html
https ://www.ufsm.br/app/uploads/sites/820/2020/06/Textos-para-Discussão-07-Economia-Brasileira-Pré-Durante-e-Pós-Pandemia.pdf
MINISTÉRIO DA ECONOMIA. Ministério da Economia avalia impacto econômico do coronavírus. Disponível em: . Acesso em: 18 mai. 2020b.
https ://www.bcb.gov.br/conteudo/home-ptbr/TextosApresentacoes/AP_RCN_1618InvestimentosAnnualMeeting_9.10.20.pdf
https ://www.youtube.com/watch?v=V6bklweXfzw&list=TLPQMjIxMjIwMjBiuJVXi6tsng&index=10
https ://www.youtube.com/watch?v=OG4EwUbD3L8&list=TLPQMjMxMjIwMjDAO_WdUQGoGQ&index=3

Posted by Isabela Bolsoni in Conjuntura Macro / Renda Fixa, 1 comment
A importância do crédito na economia e o mercado de debêntures

A importância do crédito na economia e o mercado de debêntures

“Crédito é a parte mais importante e menos entendida da economia” Ray Dalio.

   O crédito possui seu mercado como qualquer outro, como o de peixes ou de refrigerantes, onde existem os compradores e os vendedores. Os compradores no mercado de crédito são chamados de devedores, que são aqueles que pegam recursos emprestados prometendo pagá-los em uma data futura acrescida de juros. Já os vendedores são chamados de credores, ou seja, são aqueles que emprestam os recursos para os devedores esperando receber seu capital acrescido de juros. Quando um credor e devedor fecham um contrato, ocorre a transferência desse dinheiro, sendo necessário o pagamento em uma data futura acordada, assim cria-se uma dívida onde o credor a detém como ativo e o devedor como passivo.  Os principais credores de uma nação são os bancos, e estes conseguem “criar” crédito, este fato, têm uma relevância indubitável para a economia de modo geral. 


   Os bancos conseguem criar crédito a partir do sistema de reservas bancárias fracionárias, pois não há a necessidade de todos os depósitos feitos no banco ficarem como forma de reservas, apenas uma fração dos mesmos. Imagine que você deposite R$100,0 no Banco X, onde apenas 10% dos depósitos fiquem na forma de reserva e os outros R$90,00 fossem usados para conceder crédito ao João. Agora João decide depositar seu dinheiro no Banco Y, onde o mesmo teria R$90,00 em depósitos, R$9,00 em reservas e assim R$81,00 para poder emprestar, e que Enzo pegasse o dinheiro emprestado e depositasse em outro banco e assim por diante, ao final desse somatório infinito, o depósito inicial de João, teria se tornado R$900,00 passíveis de empréstimo, a tabela abaixo exemplifica de maneira ilustrativa.

A taxa mínima da reserva fracionária é definida pelo Banco Central do país, quanto menor a taxa, maior a capacidade de criação de crédito, chama-se multiplicador monetário essa capacidade de aumentar a base monetária, nesse caso o multiplicador seria 10, pois o R$100,00 se transformaram em R$1000,00 (R$100,00 em reservas e R$900,00 na forma de crédito).

  Agora pense na implicação econômica desse fato. Se R$100,00 se transformaram em R$900,00 na forma de crédito para financiar a atividade econômica de um país, seja para empréstimos pessoais, financiamento imobiliário ou qualquer outra modalidade, a economia de uma forma geral conseguirá consumir mais bens e serviços caso o mesmo não existisse, como o consumo de uma pessoa representa a renda de outra, o crédito consegue estimular a economia, pois as pessoas conseguem consumir mais, possuir mais renda, fazer mais investimentos, e assim, aumentar o “tamanho do bolo” econômico, caso o mesmo não existisse.


  Como exemplo, o gráfico abaixo mostra os principais títulos de dívida Americana negociados dentro do sistema financeiro, percebe-se que os treasury´s do governo, dívidas corporativas e títulos de hipoteca, juntos representam cerca de 36 Trilhões de dólares ao final de 2019, ao passo que a quantidade de dinheiro circulando na economia (M1) era de pouco menos que 4 Trilhões de dólares. Nota-se assim, que a quantidade de dinheiro na economia é inferior à quantidade de crédito existente.

Fonte: SIFMA, Fred
  • Corporate Bonds – dívidas contraídas por empresas americanas, emitidas no mercado de capitais americano.

  • Asset-Backed securities – é uma dívida securitizada, onde diversas modalidades de dívida como: empréstimo para carro, dívida estudantil, recebíveis de empresas etc. são agrupadas e lançadas ao mercado como um veículo de investimento, onde um investidor pode comprar um Asset-Backed security e receber os juros e amortização dessas diversas pequenas dívidas ilíquidas em um único investimento. 

  • Treasury – são as dívidas do governo americano, para financiar seus gastos de forma geral, o governo emite o título a mercado e investidores compram esse título de dívida.

  • Municipal Bonds – semelhante aos treasury´s do governo, porém de emissão de municípios.

  • Mortgage Related securities –  toda e qualquer dívida hipotecária americana existente no mercado de capitais, os mais conhecidos são os Mortgage Backed Securities, com funcionamento semelhante às Asset-Backed security, porém, apenas com hipotecas.

  • Federal Agency securities – são emissões feitas por entidade federais do governo americano, criadas com o propósito de diminuir as taxas de juros pagas em alguns setores da economia, a diminuição deste juros é decorrente do menor risco de se emprestar dinheiro para o governo americano, algumas dessas entidades são: Small Business Administration (SBA), Student Loan Marketing Association (SLMA).

  • Money Markets – são os empréstimos de menor juros e maior liquidez da economia, empréstimos feitos entre bancos com prazo de 1 dia útil ou menos. Uma maneira de se investir nessa modalidade, porém no Brasil, são os fundos DI.

  • M1 (money supply 1) –  É a base monetária de determinado país, são considerados constituintes da base monetária o papel-moeda e depósitos bancários à vista.

     A partir desta etapa o artigo encaminhará para uma compreensão do crédito para empresas, vendo os principais usos para o mesmo, fontes alternativas de financiamento e o mercado de Corporate bonds brasileiro.


Crédito corporativo 

   O crédito corporativo, ou mais conhecido como corporate bonds, são emissões de dívida feita por empresas, onde a empresa busca com esse financiamento:  compor seu capital de giro (dívidas de curto prazo), promover seu crescimento a partir da expansão de suas operações (dívidas de médio-longo prazo), a construção de ativos, sejam eles geradoras elétricas, bases industriais etc. (dívida de prazo alongado) ou ainda, aquisições de outras operações já existentes. De modo sempre a promover um crescimento, desde que a taxa de retorno de seu investimento seja maior que o custo de sua dívida.


Forma de empresas financiarem suas operações

   Não é só a partir da contração de dívida que as empresas conseguem financiar suas operações e atividades, em suma, existem três meios que as empresas conseguem se financiar. Vale ressaltar que as empresas geralmente não têm apenas um método, e sim um mix dos 3. 


   Geração de caixa – as empresas podem financiar suas operações e expansão a partir de sua própria geração de caixa, de modo que o caixa gerado pela empresa seja suficiente para cobrir as suas obrigações e, ainda, sobre uma quantidade substancial de caixa livre de modo que a empresa consiga reinvestir no negócio e proporcionar crescimento.


   Os principais benefícios das empresas usarem seu caixa, é que ela não gera uma dívida com terceiros,  isto é, não precisa ter uma saída de caixa futura para pagamento de amortização e juros, além de mostrar uma boa capacidade operacional, pelo fato da empresa conseguir se manter e crescer apenas com o seu próprio caixa. Porém, há desvantagens, a primeira, é que não há benefício fiscal nessa modalidade, pois a empresa ao auferir lucros, necessita pagar impostos, e ainda, muitas vezes ela necessita manter uma grande quantidade em caixa para investir em seus projetos, o que acaba gerando um custo de oportunidade desse dinheiro.


    Aumento no capital social – outra forma das empresas conseguirem se financiar é via o aumento de capital social, que consiste basicamente nas empresas emitirem novas ações, aumentando assim, seu Patrimônio Líquido. Quando os sócios financiam a companhia via essa modalidade, um benefício de imediato é que todos esses recursos levantados vão para o caixa, podendo financiar as atividades que a empresa propôs no prospecto de emissão de novas ações, e assim como a geração de caixa, a entidade não terá saída de recursos para pagamento de dívida, a tornando menos alavancada e diminuindo riscos de insolvência. 


    Entretanto, como na geração de caixa, não terá benefício fiscal via essa modalidade, e todos os lucros auferidos com os recursos da emissão serão tributados. E ainda, ao uma empresa emitir novas ações, quando os acionistas colocam seus recursos nesta emissão, esses acabam exigindo um retorno implícito maior do que um credor por exemplo, pois é muito mais arriscado você comprar um negócio do que a dívida do mesmo. Vale ressaltar também que, ao fazer aumento no capital social, acionistas que não entrarem com dinheiro para esse aumento, serão diluídos, detendo menos participação acionária com a mesma quantidade de ações, podendo assim, prejudicar acionistas que não aderirem à oferta.


    Emissão de dívida – a contração de dívidas para financiar suas atividades, diferente de dívidas contraídas por pessoas físicas, é extremamente vantajosa para as empresas pois elas têm benefício fiscal em cima, isto é, ao se contrair uma dívida há a necessidade de pagar juros e amortizações em cima da mesma, porém, não incidem impostos sobre esses recursos pagos, diminuindo assim o LAIR* e consequentemente, a quantidade de impostos paga. Geralmente, o financiamento através de dívida tende a ser o mais barato entre os três, mesmo tendo a necessidade de saída de caixa para pagar os recursos contraídos, outro ponto positivo a ser considerado é que os atuais acionistas, continuam com a mesma porcentagem da empresa que anteriormente, apenas há um credor com direitos sobre a companhia. 

*Lucro antes do imposto de renda


    Como pontos negativos, a empresa precisa ter um controle muito rigoroso da dívida, pois ela representa saída de recursos e caso a mesma se alavanque muito, pode afetar sua capacidade de pagá-la, afetando assim o seu credit score, podendo assim, exigirem juros mais altos e ainda, se tornar insolvente. Para entender mais sobre o que é credit score e risco de crédito, o artigo Ratings de Crédito, desenvolvido por um integrante do Clube de Finanças, aborda com clareza o tema. 


   Os principais credores das empresas são os bancos, podendo também ser o mercado, caso a empresa seja uma Sociedade Anônima, sendo de capital aberto ou não. O nome levado para esses instrumentos de dívidas negociáveis são as notas promissórias, caso o prazo seja menor que 1 ano, e Debêntures se for maior. 


  As Debêntures são o maior mecanismo de captação de recursos dentro do mercado de capitais. Em 2020 até o mês de Outubro, foram captados 275 bilhões de reais dos mais diversos instrumentos financeiros, as debêntures, ficaram na segunda colocação captando cerca de 84.8 bilhões de reais ficando atrás apenas para ações, se considerar tanto os IPO´s quanto os Follow-on´s, captaram 88.4 bilhões de reais. O gráfico abaixo mostra a distribuição da captação, entre os principais veículos existentes ao longo dos últimos 7 anos.

Emissão doméstica artigo
Fonte: Anbima

 Como visto acima, a emissão de dívida feita por empresas, representa uma parcela relevante no Mercado Financeiro brasileiro, porém, é importante destacar um ponto: a grande maioria das ofertas de debêntures não estão acessíveis aos investidores pessoas físicas, isso ocorre pela modalidade que as emissões são feitas, podendo ser regulamentadas pela instrução CVM 400 e CVM 476.


  CVM 400: A partir da instrução CVM 400, são regulamentadas todas as ofertas públicas de valores mobiliários no território brasileiro, sejam ações, fundos de investimento imobiliário ou as próprias debêntures. Essa modalidade de emissão é ainda pouco usada no mercado de crédito, por se tratar de uma oferta pública, ou seja, destinada ao público em geral, requer uma regulamentação e um processo de admissão de maior rigidez, que além de demandar mais tempo, demanda mais recursos. Por esses dois fatores, e outros como a falta de interesse ou até, desconhecimento sobre esse mercado pelas pessoas físicas, as empresas acabam se afastando desse tipo de oferta na hora de emitir suas dívidas.


  CVM 476: Instituída 6 anos após a CVM 400, a CVM 476 foi criada com o intuito de agilizar os processos de emissões e ao mesmo tempo reduzir seus custos. Ao ser acessível apenas a investidores profissionais, aqueles que detém patrimônio investido igual ou superior a 10 milhões de reais, atestados conforme a instrução normativa CVM nº55/2014, seja esse investidor de natureza física ou jurídica. Esse modelo de emissão é mais rápido e menos custoso por não necessitar de fatores como: análise prévia da CVM e prospecto de emissão. Por se tratar de uma oferta mais restrita, podem ser oferecidas apenas para 75 investidores dos quais apenas 50 podem aderir à oferta. 


  No ano de 2020, ocorreu apenas uma operação regulamentada pela CVM 400, ao passo que pela regulamentação mais recente, ocorreram 204. Isso mostra  a maior vantagem para as empresas de emitirem dívidas via CVM 476, além da falta de interesse dos investidores comuns acerca dessa classe de ativos, ainda muito sub-penetrada no mercado brasileiro. O gráfico abaixo mostra a evolução da quantidade de operações emitidas por cada uma das normas nos últimos 7 anos.

Fonte: Anbima

   Visto a regulamentação das Debêntures e prós e contras de cada modalidade, é importante entender quais são as garantias existentes quando se compra as dívidas de uma empresa. Em caso das empresas não honrarem seus compromissos, e ainda, ter uma atratividade maior dos investidores, muitas empresas, ao emitirem debêntures, fornecem algumas modalidades de garantias diferentes, pois além de passar mais confiança e interesse para os investidores, consegue diminuir os juros exigidos. O artigo Corporate bonds escrito por outro membro do Clube de Finanças, trás em detalhe sobre as garantias existentes bem como o funcionamento para precificação desses ativos.


                                O gráfico abaixo mostra a distribuição das emissões por tipo de garantia:

Fonte: Anbima

   Nesse sentido, a garantia  mais utilizada nas emissões de Debêntures é a quirografária. De Janeiro a Outubro de 2020, apenas esse modelo representou mais de 85% de todas as emissões. Por ser uma emissão pouco restritiva para empresas, não tendo a alienação de ativos e a impossibilidade de negociar os mesmos, e ainda há a possibilidade de aliená-la com garantia Fidejussória, o que acaba tornando atrativo para as empresas emitirem nessa modalidade, sob uma óptica de curto-médio prazo. 


   Como as debêntures são títulos de renda fixa, ou seja, possuem regras pré acordadas que definem sua remuneração, é importante entender como essa remuneração pode ser acordada. Nesse sentido, as debêntures podem ser tanto pré-fixadas ou pós-fixadas. As debêntures pré-fixadas têm por características o conhecimento prévio da remuneração que será recebida por aqueles que investirem nesses títulos, já as pós-fixadas possuem a característica de sua remuneração está atrelada a algum indicador macroeconômico + spread ou ainda uma porcentagem sobre esse indicador, geralmente o CDI.


    Quando é olhado para os dados desse mercado no Brasil, é possível observar a relevância de dois principais indexadores: o CDI e o IPCA. O gráfico abaixo, mostra os principais indexadores utilizados na emissão de debêntures no Brasil nos últimos 7 anos.

Fonte: Anbima

  A importância desse mercado para o Brasil


  O principal modelo de financiamento para o crescimento econômico brasileiro, desde o século XX, foi a iniciativa pública. Onde o BNDES foi o principal provedor de crédito de longo prazo, para investimentos em infraestrutura, transporte, telecomunicações, energia elétrica, saneamento etc. De 2010 a 2014 em média, o BNDES foi responsável por 14,3% de toda matriz de financiamento nacional, e esse número vem caindo cada vez mais.


  Com a grave crise brasileira, que ocorreu de 2014 a 2016,  o modelo de financiamento que sustentou o crescimento do Brasil nas últimas décadas, não será capaz de viabilizar um crescimento econômico de longo prazo sustentável, com mudanças políticas e operacionais no BNDES, que vem reduzindo cada vez mais sua participação na matriz de financiamento, refletindo também, a falta de recursos disponíveis. 


  A importância do mercado de capitais como um todo, principalmente no que tange às dívidas corporativas, é relevado nesses fatos, com a necessidade de reformas fiscais e administrativas para o governo, o mesmo não será capaz de atuar com tanta veemência no que tange financiamento para o crescimento da economia brasileira. 


  Leis como a 12.431, onde ocorre isenção de tributação sobre a renda para detentores de Debêntures incentivadas, isto é, Debêntures que tem por objetivo investimentos em infraestrutura, e o marco do saneamento, aprovado em 2020, são forma de cada vez mais, a iniciativa privada necessitar de menos capital público, e assim, o mercado de capitais conseguir financiar o crescimento brasileiro, como ocorre em países mais desenvolvidos.


   O aumento da participação do mercado de capitais na matriz de financiamento das empresas brasileiras também impacta positivamente os principais indicadores socioeconômicos do país. Pois, esse mercado, consegue canalizar a poupança da sociedade para suprir a necessidade das companhias por recursos, conseguindo fazê-la de maneira eficiente. Retorno mais adequado ao risco do investimento, melhora na governança corporativa e estímulo a práticas socioambientais, são formas que esse mercado gera a longo prazo um benefício à sociedade como um todo.

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Referências:


https://www.anbima.com.br/data/files/96/25/43/1A/5845661086B1AE5678A80AC2/Relatorio-Agenda-Mercado-de-Capitais-ANBIMA-B3-Digital_1_.pdf


https://www.investidor.gov.br/menu/Menu_Investidor/valores_mobiliarios/debenture.html


https://www.investopedia.com/terms/d/debt-issue.asp


MANKIW Gregory. Introdução à economia, capítulo 23.


HALL Prentice. Corporate finance, capítulos 23, 24.

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Ratings de Crédito

Ratings de Crédito

Você já se deparou com siglas como AAA, B- e afins? Sabe o que significam? E pra que servem?

Referindo-se ao mercado de crédito, tais siglas se tratam dos ratings, uma importante ferramenta na tomada de decisão de investidores. O presente artigo busca introduzir conceitos pertinentes aos temas de classificação de risco e análise de crédito, além de promover um entendimento geral do funcionamento deste processo avaliativo.

Introdução

Títulos de dívida

Quando empresas desejam expandir suas operações, financiar novos empreendimentos comerciais ou mesmo aumentar sua posição em caixa, comumente recorrem ao mercado de títulos corporativos ou corporate bonds, para obter a verba necessária.

A empresa interessada no empréstimo determina a quantia para atender suas necessidades e, em seguida, emite uma oferta destes títulos no mercado, para atingir esse montante. Os investidores que compram um título estão efetivamente emprestando dinheiro à empresa de acordo com os termos estabelecidos em sua oferta. Em contrapartida, o emissor assume um compromisso (daí o nome obligation) da devolução do montante emprestado acrescido de juros.

A lógica apresentada pode ser aplicada também para entidades não-corporativas interessadas em obter capital de terceiros para se financiar, como instituições financeiras, pessoas físicas e as próprias nações-estado, por meio da dívida pública. O conjunto destes contratos, ou títulos de dívida, compõem o conhecido mercado de renda fixa, que se caracteriza justamente pelo conhecimento prévio das regras de remuneração.

Um parênteses para um ponto importante de se lembrar: ativo de renda fixa é aquele que suas regras de remuneração são conhecidas previamente, mas não necessariamente sua rentabilidade final. O lucro (ou prejuízo) que se pode obter com este ativo têm ligação com diversos fatores, que envolvem se a taxa acordada é pré ou pós fixada, se será feito pagamento de cupons e em qual frequência, se o investidor realizará a venda no mercado secundário antes do prazo de vencimento do título ou se pretende carregá-lo até seu prazo encerrar, dentre outras.

Risco de crédito

Contudo, ao se emprestar dinheiro para terceiros, o investidor deve ter ciência dos riscos envolvidos em tal operação. A agência reguladora dos Estados Unidos, conhecida por SEC, cita alguns dos principais riscos presentes nos títulos de renda fixa, já abordados em outros artigos da página do Clube de Finanças. São eles o risco de taxas de juros, risco de inflação, risco de liquidez e por fim, o risco de crédito ou inadimplência, que será apresentado neste texto.

O risco de crédito trata da possibilidade do devedor não honrar com a obrigação, evento conhecido também por default. Tal conceito não se aplica somente ao não pagamento do principal (valor inicialmente investido), mas também ao não pagamento de juros e amortizações. De modo geral, este risco abrange os casos em que as condições acordadas não são cumpridas pelo devedor.

Para tal, são feitas as análises de crédito, nas quais um investidor ou gestor analisa empresas e outras entidades emissoras de dívida com intuito de medir a capacidade da mesma de cumprir com suas obrigações. De mesmo modo, busca identificar o nível apropriado de risco de inadimplência associado ao investimento a ser realizado.

Dessa forma, são utilizadas as classificações de risco, classificação de crédito, ou ratings, com o intuito de quantificar e categorizar o risco de crédito, fornecendo meios aos agentes econômicos de avaliar e precificar os ativos relacionados à entidade classificada. De modo a padronizar tais classificações, estas costumam ser feitas por empresas especializadas, tratadas mais adiante no texto.

Análise de crédito e Ratings

I. Quem é avaliado

Países - Risco soberano

Uma das definições denota o risco soberano ou risco-país como o risco de que um governo estrangeiro deixe de pagar seus títulos ou outros compromissos financeiros. Outro conceito mais amplo, refere-se ao risco-país como o grau em que a agitação política e econômica afeta os títulos de emissores que fazem negócios em determinada nação. Assim, a classificação de crédito soberana indica o nível de risco do ambiente de investimento de um país e é usada pelos investidores que procuram investir em jurisdições específicas.

O risco soberano pode se dar de muitas formas, por exemplo, comerciantes de câmbio e investidores enfrentando a possibilidade de que um banco central estrangeiro mude sua política cambial de uma moeda indexada para um regime câmbio flutuante, podendo impactar negativamente as negociações de moeda. Outro caso seriam desvios nas políticas monetária e tributária, que conduzem a economia daquele país.

Por conseguinte, um país com forte crescimento econômico, endividamento administrável, moeda estável, arrecadação de impostos efetiva e dados demográficos favoráveis, tem fortes indícios de capacidade de pagar sua dívida soberana. Essa capacidade geralmente se refletirá em uma alta  classificação de crédito pelas principais agências de classificação. Do outro lado, um país com crescimento econômico negativo, grande endividamento, moeda fraca, pouca capacidade de arrecadar impostos e dados demográficos desfavoráveis pode não conseguir pagar sua dívida.

Uma quantificação do risco-país do Brasil pode ser vista no EMBI+, um índice baseado nos bônus (títulos de dívida) emitidos pelos países emergentes. Ele mostra os retornos financeiros obtidos a cada dia por uma carteira selecionada de títulos desses países. 

A unidade de medida deste índice é o ponto-base, sendo que 100 BPS equivalem a 1%. Os pontos mostram a diferença entre a taxa de retorno dos títulos de países emergentes e a oferecida por títulos emitidos pelo Tesouro americano. Essa diferença é o spread, ou o spread soberano. O EMBI+ foi criado para classificar somente países que apresentassem alto nível de risco segundo as agências de rating e que tivessem emitido títulos de valor mínimo de US$ 500 milhões, com prazo de ao menos 2,5 anos.

Gráfico 2: EMBI+ Risco-Brasil

Fonte: JP Morgan e IPEA

Confira neste link um mapa interativo dos ratings de risco soberano da Standard & Poor’s.

Pessoas - Risco de crédito ao consumidor

O risco de crédito ao consumidor (também chamado de risco de crédito de varejo) é o risco de perda devido à incapacidade de reembolso de um produto de crédito ao consumidor, como hipoteca, empréstimo pessoal não garantido, cartão de crédito, cheque especial, etc.

Se um indivíduo já solicitou algum dos produtos financeiros citados em um banco, seu risco de crédito ao consumidor já foi avaliado e fará parte de uma base de dados, ou bureau. No Brasil algumas empresas são bem conhecidas por realizarem a venda das consultas a este serviço de bureaus, tais como Serasa, SCPC (Boa Vista) e Quod. Uma vez inadimplente, se em 10 dias o consumidor não regularizar a situação, o mesmo tem seu “nome sujo” ao ter seu CPF incluído na base dos insolventes. 

Um conjunto de critérios de avaliação populares na análise de crédito, os “cinco C’s” podem ser usados para avaliar o risco de crédito do consumidor:

• Caráter: Histórico de crédito e intenção de pagar;

• Capital: Quanto dinheiro possui;

• Capacidade: Capacidade de pagar um empréstimo;

• Condições: Direitos e deveres estabelecidos no empréstimo;

• Colateral: Garantias em caso de não cumprimento, reduzindo o risco do credor.

Tais critérios tratam de forma mais simplificada o processo de análise de crédito. De forma mais aprofundada, utilizam-se do scorecard de crédito, uma pontuação numérica mantida pelas agências especializadas, usada pelas empresas para prever o risco de empréstimo para cada cliente. O scorecard é um modelo estatístico que atribui um número (pontuação) a um cliente (ou uma conta) que indica a probabilidade prevista de que o cliente terá um determinado comportamento em relação à obrigação. 

No cálculo da pontuação, uma grande variedade de fontes de dados pode ser usada, incluindo dados de um formulário de inscrição, de agências de referência de crédito ou de produtos que o cliente já mantém com o credor. Uma pontuação de crédito alta indica um perfil de crédito mais forte, o que resultará em taxas de juros mais baixas cobradas pelos credores.

Empresas - Risco de crédito corporativo

Já se sabe que a precificação em renda fixa tem por base a definição de uma taxa de desconto para trazer à valor presente os fluxos de caixa de determinado ativo, não obstante, a taxa usada para obter o preço de um título corporativo pode ser influenciada por diversos fatores, como o seu vencimento, a classificação de crédito da empresa e o contexto macroeconômico e setorial que ela se está inserida.

Portanto, o rendimento de um título corporativo poderá variar de modo a refletir as mudanças no nível geral das taxas de juros e na percepção do mercado sobre a qualidade de crédito do emissor. Assim, é de grande relevância o entendimento e a precisão na avaliação dos riscos dessas companhias ao se determinar o preço justo de seus títulos.

Embora alguns títulos corporativos tenham recursos de resgate ou call que podem afetar a data de vencimento, a maioria pode ser categorizada livremente nas seguintes faixas de vencimento: (1) títulos de curto prazo – com vencimentos de até cinco anos, (2) títulos de médio prazo – com vencimentos que variam entre cinco e 12 anos e (3) títulos de longo prazo – com vencimentos superiores a 12 anos.

Além do prazo de vencimento, como já comentado, os títulos corporativos são categorizados por sua qualidade de crédito. Agências de classificação de crédito, como Moody’s Investors Service e a Standard & Poor’s, fornecem serviços de análises independentes de emissores de títulos corporativos, classificando cada emissor de acordo com sua capacidade de cumprir com as obrigações. 

A análise de crédito corporativo aplicada pelas agências é o processo de avaliação da capacidade financeira de um tomador corporativo de gerar fluxos de caixa suficientes para cumprir suas obrigações de dívida. Ao avaliar esta capacidade financeira, o analista de crédito faz uso de várias ferramentas qualitativas e quantitativas para analisar os dados financeiros fornecidos por ele.

Pelo lado qualitativo, pode ser iniciada por meio de uma análise Top-down, partindo da verificação dos rumos da economia, da situação do país e do setor que a empresa atua para identificar vieses de prosperidade, de estabilidade ou mesmo de declínio. Na sequência, pode ser feita uma análise do posicionamento da empresa no setor, observando os concorrentes, regulamentações e novas tecnologias, por exemplo. Por fim, é feita uma análise interna do emissor, visando obter uma perspectiva da qualidade da governança corporativa e das decisões da gestão.

Pelo lado quantitativo, parte-se dos dados financeiros, que podem ser obtidos no balanço patrimonial, na demonstração do resultado, na demonstração do fluxo de caixa ou em outros relatórios financeiros específicos. Busca-se observar nestes documentos índices de liquidez, endividamento, a estrutura de capital, além de realizarem projeções dos fluxos de caixa futuros, para se mensurar a probabilidade de default do devedor na ocorrência de um empréstimo.

De modo geral, empresas geralmente têm maiores riscos de crédito e oferecem rendimentos mais altos do que títulos do governo com vencimentos semelhantes. Essa divergência cria um spread de crédito entre empresas e títulos do governo, de modo que o investidor em títulos corporativos ganha rendimento extra ao assumir um risco maior. 

O spread de crédito afeta o preço do título e pode ser plotado graficamente, medido como a diferença entre o rendimento de um título corporativo e do governo em cada ponto de vencimento e cada nível de risco (rating).

Gráfico 1: Curva de spread de crédito por nível de risco (rating)
Fonte: B3 e ANBIMA (20/11/2020)

As curvas de crédito são extraídas a partir de debêntures precificadas diariamente pela ANBIMA (DI Percentual, DI+spread e IPCA+spread) e refletem as estruturas de spread zero-cupom sobre a curva soberana para diferentes níveis de risco.

II. Os avaliadores - agências de rating

As 3 principais agências de classificação, conhecidas como “big three” concentram cerca de 95% do mercado em suas mãos. Existem outros, mas os agentes econômicos seguem basicamente o padrão de classificação fornecido por essas 3, responsáveis por avaliar e categorizar o risco de crédito de diversas entidades. São elas: Moody’s, Standard and Poor’s (S&P) e Fitch.

A Moody’s emitiu classificações de crédito para títulos publicamente em 1909, e outras agências seguiram o exemplo nas décadas seguintes. Essas classificações passaram a ter maiores efeitos no mercado após 1936, quando foi aprovada uma nova regra que proibia os bancos de investirem em títulos especulativos, ou seja, com baixa classificação de crédito, para reduzir o risco de inadimplência. Essa prática foi rapidamente adotada por outras empresas e instituições financeiras e, em pouco tempo, utilizar as classificações de crédito se tornou uma norma.

Todas as três grandes agências têm uma escala de classificação que cobre todo o espectro da dívida, desde a inadimplência até a classificação mais alta, denominados de títulos “triple A” (AAA). As três agências não necessariamente precisam estar de acordo entre si sobre o rating de um título. Muitas vezes não o fazem, mas as disparidades não costumam ser significativas entre as classificações. 

Por exemplo, uma agência pode avaliar o título como um single-A (A), enquanto outra classifica como double-A (AA). Cada empresa está analisando a saúde financeira atual da empresa e, por esse motivo, é altamente improvável que uma agência considere a empresa ser forte e outra agência de classificação considerar a empresa fraca. Quando as agências aplicam suas projeções ao crescimento futuro, as premissas que usam podem diferir, impactando, portanto, as classificações.

III. Classificações

Para emissões ou instrumentos de longo prazo, os ratings se situam em um espectro que varia da mais alta qualidade de crédito, o triplo A (AAA) para C ou D (dependendo da agência que está emitindo a classificação), representando os ratings mais baixos, ou mesmo default. Dentro desta gama, existem diferentes graus em cada classificação, que são denotados por um sinal de positivo, negativo ou um número.

Assim, para a Fitch Ratings, um rating “AAA” significa o grau de investimento mais alto e portanto, um risco de crédito muito baixo. “AA” representa qualidade de crédito muito alta; “A” significa alta qualidade de crédito e “BBB” é uma qualidade de crédito satisfatória. Essas classificações são chamadas de grau de investimento ou Investment Grade, o que significa que o título ou entidade possui um nível de risco amplamente aceito pelas instituições. 

Em outras palavras, BBB é a classificação mais baixa de títulos com grau de investimento, enquanto classificações abaixo de “BBB” são consideradas especulativas ou junk. Assim, para a Moody’s, um Ba seria um rating especulativo ou de baixo grau, enquanto para a S&P, um “D” denota o default.

                                      Tabela 1: Ratings de Emissões de Longo Prazo 

Rating de Emissões de Longo Prazo


Moody’s

Fitch

Standard & Poor’s

Descrição

Investment Grade

Aaa

AAA

AAA

Prime

Aa1

AA+

AA+

Alto grau de qualidade de crédito

Aa2

AA

AA

Aa3

AA-

AA-

A1

A+

A+

A2

A

A

A3

A-

A-

Baa1

BBB+

BBB+

Médio grau de qualidade de crédito

Baa2

BBB+

BBB+

Baa3

BBB-

BBB-

Speculative Grade


“Junk bonds”

Ba1

BB+

BB+

Grau especulativo

Ba2

BB

BB

Ba3

BB-

BB-

B1

B+

B+

Grau altamente especulativo

B2

B

B

B3

B-

B-

Caa1

CCC+

CCC+

Riscos substanciais

Caa2

CCC

CCC

Caa3

CCC-

CCC-

Ca

CC

CC

Default

C

C

C


D

D

Fonte: S&P, Moodys e Fitch

IV. Conflitos de Interesse

A classificação de crédito é uma ferramenta útil não só para o investidor, mas também para as entidades que procuram investidores. Um título ser classificado na faixa de grau de investimento (investment grade) pode ajudar uma empresa ou país a atrair investimentos nacionais e estrangeiros, em especial por diversos fundos que possuem restrições para investir somente nesta classe.

Para economias de mercado emergentes, como a nossa, uma boa classificação de crédito é fundamental para demonstrar solidez fiscal para investidores estrangeiros, além do que, uma melhor classificação normalmente leva a uma maior procura pelos títulos, podendo elevar seu preço, o que implica no pagamento de taxas de juros mais baixas, reduzindo o custo com crédito e facilitando novos investimentos.

Embora as agências de classificação forneçam um serviço considerado consistente, o valor de tais classificações foi amplamente questionado com a crise financeira de 2008. O conflito de interesses se apresenta no fato de que os próprios emissores que contratam as agências de rating para classificar os seus títulos.

A crise de 2008

As agências avaliadoras começaram a emitir classificações para títulos lastreados em hipotecas (Mortgage backed securities – MBS) em meados da década de 1970. Nos anos subsequentes, as classificações foram aplicadas a títulos lastreados em outros tipos de ativos. Durante os primeiros anos do século XXI, a demanda por títulos de renda fixa de investment grade foi elevada. Para se ter ideia, de 2000 a 2007, a Moody’s classificou quase 45.000 títulos relacionados a hipotecas como AAA. Em contraste, apenas seis empresas do setor privado nos Estados Unidos receberam a classificação máxima.

Quando o mercado imobiliário atingiu o pico de alta em 2006-2007, uma quantidade significativa de dívida subprime (alto risco) estava sendo avaliada pelas agências de rating. O potencial de lucratividade intensificou a competição entre as três principais agências para emitir as classificações mais altas possíveis. Quando o mercado imobiliário começou a entrar em colapso em 2007-2008, as empresas de classificação demoraram desastrosamente para rebaixar essas classificações de alto nível para refletir a realidade atual.

Esses fatos levaram as agências a sofrerem forte escrutínio e pressão regulatória. As altas classificações levaram muitos investidores a acreditar que esses investimentos eram seguros, com pouco ou nenhum risco. As agências foram acusadas pela tentativa de aumentar seus lucros mediante tais classificações imprecisas. Isso ajudou a levar ao colapso do mercado de hipotecas subprime que levou à crise financeira.

Para ajudar a resolver os potenciais conflitos de interesse das agências de classificação de crédito, a Lei de Reforma e Proteção ao Consumidor de 2010 Dodd-Frank Wall Street determinou melhorias na regulamentação das agências de rating. De acordo com as regras, elas devem divulgar publicamente o desempenho de suas classificações. Em 2013, a Standard & Poor’s, a Moody’s e a Fitch Ratings foram processadas por atribuir classificações de crédito artificialmente altas a títulos hipotecários mantidos em um fundo de hedge Bear Stearns.

Portanto, boas empresas de investimento, bancos, gestoras de fundos de pensão, hedge, etc., não dependerão apenas de uma classificação de títulos de uma agência para determinar se um investimento é seguro. Normalmente, departamentos de pesquisa internos ajudarão na avaliação, e diante disso é importante também que os investidores tenham o devido zelo, questionando a classificação dos títulos e mantenham-se atentos para quaisquer mudanças ao longo da vida do investimento.

Referências: ANBIMA; Fundamentals of Corporate Credit Risk (Blaise Ganguin); Investopedia; Pimco; SEC (U.S. Securities and Exchange Comission).

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Fronteira Eficiente de Markowitz

Fronteira Eficiente de Markowitz

Entendendo A Teoria Moderna do Portfólio

Desenvolvida nos anos 50, a teoria moderna do portfólio (TMP) de Harry Markowitz revolucionou a ciência da gestão de portfólio, rendendo a ele um prêmio Nobel de economia pelo seu trabalho com o artigo “Portfolio Selection” (1952), e livro “Portfolio Selection: Efficient Diversification” (1959).

A teoria do portfólio apresenta um modelo de montagem de carteira que analisa os ativos com suposições de risco, retorno e correlação futuros. A partir dos dados é calculado uma série de possíveis alocações, entre essas possíveis alocações os portfólios que maximizam o retorno esperado e minimizam o risco formam a chamada fronteira eficiente. A TMP leva em consideração que o investidor sempre deseja ter o maior retorno possível dado determinado nível de tolerância ao risco.

Uma das características do modelo é que ele tende a colocar carteiras mais diversificadas na fronteira eficiente. Os benefícios da diversificação já eram conhecidos muito antes da criação da TMP, mas não era algo a que os investidores davam tanta importância, era mais comum focar em tentar achar ativos singulares que dariam os maiores retornos com menor volatilidade. A TMP fez com que os efeitos da diversificação ficassem ainda mais claros, demonstrando os ganhos de eficiência com medidas quantitativas, grande parte do motivo dessa estratégia ganhar tanta popularidade pode ser atribuída ao trabalho de Markowitz.

Construção da Fronteira Eficiente

As informações necessárias para calcular a fronteira eficiente são apenas o retorno esperado dos ativos a serem considerados para compor a carteira, a volatilidade de cada um e a covariância entre eles.

Não há uma maneira certa de obter as estimativas de retorno, essa é a parte mais subjetiva do modelo, assumir que os retornos futuros tendem a seguir a média dos retornos passados é um modo comum de estimativa, outra opção comum que provavelmente é mais precisa seria utilizar a estimativa de um especialista na área. Para estimar a volatilidade costuma-se usar o desvio padrão como medida ilustrativa, no entanto, o artigo utilizará a variância para o cálculo de medida de volatilidade com o intuito de simplificar o entendimento das operações, tanto a variância quanto a covariância entre os ativos podem ser extraídos da série histórica de retornos.

A variância mede o grau de dispersão dos retornos em relação à média, ela é calculada subtraindo cada retorno pela média, elevando ao quadrado os resultados e então dividindo a soma dos quadrados pelo número de retornos calculados subtraídos por um.

$$\sigma ^{2}=\frac{\sum_{t=1}^{T}(R{t}-\widetilde{R})^{2}}{T-1}\ $$

Onde:
\(\sigma ^{2}\) representa a variância
\(R{t}\) representa o retorno t
\(\widetilde{R}\) representa a média dos retornos
\(T\) representa o número total de retornos usados no cálculo

A covariância mostra a relação da direção do movimento entre dois ativos diferentes, caso os ativos demonstrem uma tendência a se mover em conjunto o resultado do cálculo seria positivo e caso a tendência seja eles se moverem em direções opostas a covariância seria então negativa. Para calcular a covariância basta fazer o somatório do produto das diferenças dos retornos em relação à média de ambos os ativos e dividir o resultado pelo número de retornos analisados subtraído por um.

$$\sigma_{a,b}=\frac{\sum_{t=1}^{T}(R_{A_{t}}-\widetilde{R_{A}})(R_{B_{t}}-\widetilde{R_{B}})}{T-1}$$

Onde:
\(\sigma_{a,b}\) representa a covariância entre A e B
\(R_{A_{t}}\) representa o retorno t da variável A
\(R_{B_{t}}\) representa o retorno t da variável B
\(\widetilde{R_{A}}\) representa a média dos retornos de A
\(\widetilde{R_{B}}\) representa a média dos retornos de B
\(T\) representa o número de retornos usados no cálculo

Usando as estimativas de retorno e os resultados de variância e covariância é possível calcular o retorno esperado e volatilidade dos portfólios. Os retornos são calculados com a multiplicação peso de cada ativo pelo seu respectivo retorno esperado e então somando os resultados.

$$R_{p}=\sum_{i=1}^{}W_{i}R_{i}$$

Onde:
\(R_{p}\) representa o retorno esperado do portfólio
\(W_{i}\) representa a porcentagem do valor da carteira destinada ao ativo i
\(R_{i}\) representa o retorno esperado do ativo i

A variância do portfólio é um pouco mais complicada de calcular, nela é preciso levar em consideração que o retorno dos ativos tem um certo grau de correlação, apenas multiplicar o peso dos ativo pelas suas volatilidades, assim como é feito com o retorno, traria um resultado maior que o real, pois não seria levado em conta o poder de diminuição do risco que a diversificação oferece. Para fazer o cálculo da variância primeiro é feito com a multiplicação do vetor de pesos pela matriz de covariância, obtendo assim um vetor, e então outra multiplicação do vetor de pesos transposto pelo vetor resultante. A fórmula abaixo funciona para um número infinito de ativos pois utiliza matrizes para o cálculo, diferente de uma fórmula como \(w_{1}^{2}\sigma_{1}^{2}+2w_{1}w_{2}\sigma_{1,2}+w_{2}^{2}\sigma_{2}^{2}\) que funciona apenas em carteiras com dois componentes.

Onde:
\(\sigma_{p}^{2}\) representa a variância do portfólio
\(W_{1}\) representa a porcentagem do valor da carteira destinada ao ativo i \(\sigma_{i}^{2}\) representa a variância do ativo i
\(\sigma_{i,j}\) representa a covariância entre os ativos i e j

Com as fórmulas e informações prontas, basta utilizar um software para otimizar os pesos dos ativos, de forma que seja obtido a carteira menor variância para determinado retorno. Esse processo deve ser repetido em diversos pontos de retorno até que se forme uma boa aproximação da curva da fronteira eficiente.

Exemplo prático

Neste exemplo será usado o Excel para fazer os cálculos e a função solver será utilizada para encontrar os pontos eficientes. Serão considerados 4 ativos, IBRx50, IRF-M, IFIX e dólar, com séries históricas de retornos mensais desde agosto de 2017 a junho de 2020.

IBX50 – Índice que reflete o rendimento da bolsa brasileira, semelhante ao ibovespa, ele é composto pelas 50 empresas mais negociadas na B3, o diferencial do IBRX50 para o Ibovespa é a adição do Market cap das ações disponíveis em free float no cálculo para ponderar a representatividade de cada ação. O mercado de ações é considerado por muitos o investimento que oferece a maior rentabilidade, a troco de uma alta volatilidade, essas características tornam ações um ativo atraente para ser integrado na montagem de portfólio, onde seu risco pode ser mitigado pela diversificação.

IRF-M – Índice de títulos públicos de renda fixa divulgado pela Anbima, representa a performance dos títulos públicos pré-fixados pela simulação de uma carteira teórica com títulos LTN (pré-fixados) e NTN-F (pré-fixados com pagamento de cupons) de todas as datas de vencimentos acima de 1 mês. Instrumentos de renda fixa são outra boa opção de investimento, com baixo risco e fraca correlação com ações, seus rendimentos mais estáveis se mostram valiosos em cenários de crise econômica.

IFIX – Índice de FIIs (fundos imobiliários) que contém quase todos os FIIs negociados na B3, utiliza o market cap para a ponderação. FIIs acompanham bem o desempenho do mercado imobiliário em geral e são um ótimo hedge contra a inflação.

Dólar – A moeda americana por si só não é uma alternativa tão comum de investimento, o que a torna uma boa candidata a integrar a carteira é sua correlação negativa com ações brasileiras, sendo melhor até do que o ouro na sua função de hedgear a carteira.

A matriz de covariância pode ser obtida a partir da ferramenta de análise de dados, basta selecionar a opção de covariância e colocar no intervalo de entrada as séries de retornos, assim será a matriz será gerada, ela contém a variância dos ativos na diagonal principal e a covariância entre cada um deles. A partir da fórmula do cálculo da variância do portfólio e com o uso dessa matriz pode ser obtida a variância da carteira, multiplicando a coluna de pesos transposta pela matriz de covariância e multiplicando a linha resultante pela coluna de pesos.

O retorno do portfólio pode ser calculado com o uso da função “SOMARPRODUTO” que retorna a soma dos produtos de matrizes correspondentes, ao selecionar a coluna de pesos e a coluna de retornos esperados com essa função, o resultado obtido será o retorno esperado do portfólio.

Agora que a volatilidade e o retorno do portfólio estão prontos finalmente é hora de utilizar o Solver para encontrar as composições de menor variância. Na janela de parâmetros, o objetivo definido deve ser a célula da variância do portfólio e a opção de mínimo deve ser selecionada, a alteração de células variáveis deve ocorrer apenas na coluna de pesos e duas restrições devem ser adicionadas, a restrição fixa faz a soma dos pesos deve se igualar a 1 e a segunda restrição é o valor do retorno desejado. Ao término da computação os pesos resultantes representarão a carteira de menor volatilidade para o retorno dado. Então, ao repetir o processo diversas vezes com curtos intervalos de retorno se obtém o gráfico da fronteira eficiente.

Utilizando os pesos obtidos pode ser feito um gráfico de área para ilustrar a composição da carteira em função do risco, esse gráfico é chamado de mapa de composição, nele é representado a porcentagem da alocação em cada ativo da carteira para as diferentes volatilidades da parte superior da fronteira eficiente.

Capital Market Line

A TMP implica que não existe uma combinação possível de ativos selecionados fora da fronteira eficiente que oferece maior retorno dado determinado nível de risco, no entanto, ao levar em consideração a possibilidade de tomar emprestado ou aplicar parte do dinheiro à taxa livre de risco, é possível obter uma linha de retornos acima da fronteira eficiente, essa linha é chamada de Capital Market Line (CML).

Para o cálculo da CML é utilizado o índice de Sharpe, ele é obtido ao dividir pelo desvio padrão do portfólio o resultado da subtração do retorno do portfólio pela taxa livre de risco. Esse índice ilustra a proporção do retorno superior oferecido pela carteira ajustado ao risco, um Sharpe maior significa que há um maior retorno adquirido para cada ponto de volatilidade adicionado.

A CML é formada ligando o ponto da taxa de retorno livre de risco ao ponto do portfólio de maior índice de Sharpe da fronteira eficiente. Qualquer ponto anterior ao ponto de tangência na CML seria uma posição com a carteira parcialmente exposta ao risco do portfólio eficiente e qualquer ponto posterior seria uma carteira completamente exposta ao portfólio com tomada de empréstimo para alavancagem, isso faz com que a linha toda possua o mesmo índice de Sharpe que o portfólio de tangência, assim, por consequência, todas as alocações representadas na linha tem uma relação de risco e retorno superior aos demais portfólios na fronteira eficiente.

O gráfico abaixo ilustra a CML tendo a Selic a 2,25% como taxa livre de risco, o portfólio de tangência ficou com uma composição de 68,2% em IRF-M, 24,9% em IFIX, 3,5% em IBX50 e 3,4% em Dólar.

A equação da Capital Market Line se dá por:

$$R_p=r_f+\frac{R_T-r_f}{\sigma_T}\sigma_p$$

Onde:
\(R_p\) = retorno da CML
\(r_f\) = taxa livre de risco
\(R_T\) = retorno do portfólio de tangência
\(\sigma_T\) = desvio padrão do portfólio de tangência
\(\sigma_p\) = desvio padrão da CML

Perceba que a equação da CML consiste em uma equação de primeiro grau, tendo a taxa livre de risco como coeficiente linear, o Índice de Sharpe como coeficiente angular e \sigma_p como variável.

Teoria do Portfólio Pós-Moderna

A teoria do portfólio pós-moderna é uma versão da TMP que utiliza a semivariância como mensurador de risco. A semivariância difere da variância tradicional por levar em consideração apenas os retornos abaixo da média em seu cálculo, assim deixando de penalizar retornos positivos acima do esperado como risco. Há também o uso do índice de Sortino, feito para substituir o índice de Sharpe, que consiste em uma fórmula semelhante, com a única diferença sendo o uso da semivariância no denominador da fórmula.

A fronteira eficiente é uma importante ferramenta para a gestão de portfólio, podendo ser utilizada para auxiliar o balanceamento na alocação de ativos, nela ficam claros conceitos fundamentais da montagem de carteiras, como os princípios de diversificação e de risco e retorno.

Referências:
Markowitz, H. (1952). Portfolio Selection. The Journal of Finance, 7(1), 77. doi:10.2307/2975974
Araujo, Alcides & de Avila Montini, Alessandra. (2010). TEORIA DO PORTFÓLIO PÓS-MODERNA: UM ESTUDO SOBRE A SEMIVARIÂNCIA. 10.13140/2.1.2596.0645.
Gibson, R. C. (2013). Asset allocation: Balancing financial risk. New York: McGraw Hill Education.
Gruber, M. J., Brown, S. J., Goetzmann, W. N., & Sanvicente, A. Z. (2004). Moderna teoria de carteiras e análise de investimentos. São Paulo: Atlas.

Posted by Erik Naoki Kawano in Conjuntura Macro / Renda Fixa, 0 comments